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SOM E CORES
Os alegres torcedores dos Bafana Bafana prometem
barulho com suas vuvuzelas

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Exatos 20 anos após o fim do apartheid, um dos mais longevos e cruéis regimes opressores do século XX, o mundo volta seus olhos novamente para a África do Sul. Desta vez as atenções não estarão focadas nas histórias de injustiça, violência e discriminação que marcaram as mais de quatro décadas de segregação racial imposta pela minoria branca aos mais de 40 milhões de negros sul-africanos. Os olhos do mundo estarão atentos em como uma nação jovem, ainda desigual, realizará o maior evento esportivo do planeta: a Copa do Mundo.

A pouco menos de duas semanas do início do Mundial os sul-africanos garantem que está tudo pronto para que a Copa de 2010 ocorra sem nenhum problema. Os dez estádios prometidos estão tinindo de novos para receber as 64 partidas, as 32 seleções estão confortavelmente acomodadas e todo o esquema de segurança para evitar que atletas, jornalistas, organizadores e mais de 300 mil turistas façam parte das alarmantes estatísticas criminais do país está afiado. Enfim, o show pode começar.

E talvez não haja palavra melhor para definir como será esta Copa. Será um show de cores, de sons, de aromas e de diversidade inéditos na história dos mundiais de futebol. As vuvuzelas, aquelas estridentes cornetas que prometem ensurdecer os jogadores em campo, já se tornaram um dos símbolos desta Copa antes mesmo de ela começar. Assim como os alegres, coloridos e por vezes espalhafatosos torcedores dos Bafana Bafana, a seleção anfitriã. Em um país que congrega 11 línguas oficiais, não haverá de faltar uma variedade de costumes, culinária e estilos.

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PAIXÃO
Os sul-africanos prometem fazer desta uma Copa
única e diferente de tudo que já se viu

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Pela primeira vez na história uma nação verdadeiramente da periferia do mundo vai sediar uma competição gestada e forjada nas rodas aristocráticas europeias, de onde saíram os primeiros presidentes da Fifa, como Jules Rimet e Sir Stanley Rous. Os campeonatos disputados em países do Hemisfério Sul, como Uruguai, Brasil, Chile e Argentina, ocorreram em uma época em que a polarização econômica não era tão explícita como nesses tempos de globalização.

A África do Sul pós-apartheid é um país com todas as carências de uma nação ainda distante dos níveis de qualidade de vida do Primeiro Mundo. Abarrotadas favelas concentram uma boa parte da população nas grandes cidades, há precariedade nos serviços básicos de saneamento, saúde e educação, a infraestrutura de transportes, principalmente a urbana, é caótica, e os índices de contaminação por HIV são alarmantes. Cerca de 18% de todos os habitantes da África do Sul estão contaminados pelo vírus causador da Aids. Além disso, o país tem um dos maiores índices de homicídios do mundo. A cada ano, cerca de 68 sul-africanos são assassinados, para cada grupo de 100 mil habitantes. Por conta disso, a expectativa de vida na África do Sul é de apenas 51 anos.

Não resta dúvida: será uma Copa muito, muito diferente da realizada na Alemanha quatro anos atrás. A organização metódica em um estilo quase prussiano dos germânicos dará lugar à improvisação. O transporte de pontualidade britânica tão admirada pelos alemães será substituído por um trânsito muito parecido com o de São Paulo nas vésperas de feriado. E, claro, a sensação de segurança absoluta que se teve na copa passada vai dar lugar a um silencioso, porém constante, temor de que algo pequeno, mas impactante, possa vir a acontecer. No fundo, a Copa da África do Sul deverá ser muito mais parecida com a de 2014, que acontecerá no Brasil, do que com as anteriores na Alemanha, Coreia/Japão, França e nos Estados Unidos.

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RAÍZES
Como os pobres meninos sul-africanos, quase todas as
grandes estrelas da Copa vieram das periferias

Quando a bola começar a rolar no grandioso estádio Soccer City, em Johannesburgo, na manhã da sexta-feira 11, todos esses problemas ficarão em segundo plano. As atenções se voltarão para as 32 seleções que tentarão conquistar a glória máxima do futebol. Até hoje, apenas sete países ergueram a taça em 18 edições. Nesta Copa a única que chega favorita para entrar nesse seleto grupo é a Espanha, vencedora da Eurocopa e dona do futebol mais vistoso desses últimos anos. O Brasil, como sempre, é apontado como uma das seleções com mais chance de vencer o torneio, ao lado da Inglaterra e da Argentina. Mas, independentemente de quem for campeão, o futebol sairá como o grande vencedor. De certa forma, o esporte mais popular do mundo vai ter como palco um país com a cara, o jeito e, por que não, a alma das estrelas que farão com que um quinto da população mundial grude os olhos na tevê nos próximos 40 dias.

Apesar de ter nascido nas ricas e aristocráticas escolas inglesas do século XVIII, o futebol é, por essência, um esporte de pobres, negros e renegados. São raras as exceções de craques que encantaram o planeta e quase se transformaram em divindades terrenas que não tenham vindo de um bairro pobre, de uma favela ou de um país do Terceiro Mundo. Pelé, o jogador mais famoso do planeta, veio de uma família pobre do interior de Minas Gerais. Maradona, que é até idolatrado em uma igreja na Argentina, iniciou a carreira jogando nas ruas poeirentas da Villa Fiorito, no subúrbio de Buenos Aires. Até David ­Beckham, talvez o jogador de futebol que mais se aproxime de um pop star, veio da violenta e pobre East London, uma região de imigrantes e operários da capital inglesa.

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Pelé, Maradona e Beckham tornaram-se astros mundiais porque o futebol é um esporte simples, que pode ser praticado com facilidade tanto pelos bem nutridos e educados meninos de Oslo quanto pelos não raros raquíticos garotos de Harare, a pau­pérrima capital do Zimbábue, onde o Brasil jogou na quarta-feira 2. Não há necessidade de nenhum equipamento especial ou a compreensão de regras complicadas. Uma simples bola, feita de couro, de plástico ou de um amontoado de meias é suficiente. O campo, as traves e até a torcida já estão encravados na imaginação de qualquer garoto mundo afora. É por isso, até, que a Fifa tornou-se a maior entidade do mundo, reunindo mais países-membros que a ONU ou o Comitê Olímpico Internacional. Na África do Sul, finalmente, a festa máxima do futebol vai se encontrar com sua essência. Que soem as vuvuzelas.