O advogado e juiz Eduardo Rodríguez Veltzé, de 49 anos, Ph.D em direito pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, é, há pouco mais de um mês, titular de um dos cargos mais instáveis do mundo, o de presidente da Bolívia. O país andino, em 180 anos de independência, ostenta um recorde pouco honroso de mais de 100 golpes militares, deposições e renúncias de presidentes. Nos últimos anos, com democracia renascida completando 20 anos de estabilidade, o país teve uma recaída. Em 2003, o presidente Gonzalo Sánchez de Lozada teve que fugir após protestos de rua que culminaram em dezenas de mortos. O vice Carlos Mesa, que assumiu a Presidência no lugar de Lozada, renunciou em situação parecida. Rodríguez, presidente da Corte Suprema, herdou o cargo depois que os impopulares presidentes do Congresso, senador Ormando Vaca Díez, e da Câmara, Mário Cossío, desistiram. E o magistrado Rodríguez, 49 anos, tem sido uma grata surpresa. Marcou eleições gerais para dezembro e ganhou o apoio de quase 70% da população. Na sexta-feira 8, ele concedeu entrevista exclusiva a ISTOÉ.

ISTOÉ – No auge da crise do
mês passado, os manifestantes protestavam especialmente contra
o senador Ormando Vaca Díez,
primeiro na ordem de sucessão. Os políticos levaram o Congresso para Sucre, a centenas de quilômetros,
para fugir dos protestos em La Paz, mas nada adiantou. E a saída foi o
sr. assumir. Como aconteceu?
Eduardo Rodríguez Veltzé
– Eu estava em Sucre, pois é lá que funciona a Corte Suprema. Acompanhei todo o processo, a chegada dos parlamentares vindos de La Paz, as novas manifestações
de rua. Havia um impasse. Nunca imaginei que ele chegaria a mim. De noite, Ormando me disse que ele e Cossío tinham desistido. E que eu deveria ser empossado em minutos. Aceitei, pensando no país, mas reafirmei que ficaria no cargo apenas até as eleições.

ISTOÉ – O sr. assumiu a Presidência após uma das mais graves crises
que a Bolívia já enfrentou. Está há um mês no cargo e anunciou eleições
para o final do ano. Por quê?
Rodríguez
– Acho que o fato de eu ter sempre seguido uma trajetória fora
da política acabou fazendo com que me tornasse um fator de estabilidade necessário ao país. Sempre disse que tinha uma missão bem específica:
a de convocar eleições presidenciais dentro do prazo constitucional de 180
dias. E assim fiz, marcando-a para 4 de dezembro. Havia um clamor popular
dizendo que não bastava eleger um novo presidente e seu vice. Era preciso
renovar o Congresso, hoje muito desgastado. Trabalhei para que os
parlamentares reconhecessem isso. Houve resistências e ameacei: faço
as eleições em dezembro e vou embora. Tiveram consciência de que isso
levaria a uma nova crise e, em poucos dias, as eleições gerais foram aprovadas.

ISTOÉ – A recém-criada eleição direta dos governadores era outra bomba
em potencial que o sr. acabou desarmando.
Rodríguez
– Ter sido toda a vida magistrado, sem nunca ter passado pela política, realmente me ajuda. Imagine que essa eleição para governadores (hoje são nomeados pelo presidente) estava marcada para agosto, daqui a menos de 30
dias. Seria uma loucura! Por isso estabelecemos que a eleição governamental
será direta e junto com as demais no final deste ano.

ISTOÉ – Em um país com longa tradição de golpes de Estado, esta solução constitucional foi uma surpresa?
Rodríguez
– A crise foi tão forte, os riscos à democracia e às instituições tão
grandes, que o Congresso teve um amadurecimento quase que instantâneo. Os parlamentares viram que não havia mais lugar para cálculos e manobras políticas.
O país precisava dessa mudança de comportamento.

ISTOÉ – A nova Lei dos Hidrocarbonetos, aprovada em plebiscito e que elevou
os royalties, gerando contínuos protestos, foi criticada no exterior. Os críticos afirmam que essa lei poderá provocar uma retração dos investimentos das empresas petrolíferas estrangeiras, entre elas a brasileira Petrobras, que responde por mais de 20% do PIB boliviano e já investiu US$ 1,5 bilhão no país.
O que o sr. acha disso?
Rodríguez
– Essa lei é resultado do plebiscito em que a imensa maioria da nação
foi a favor das mudanças. Temos que fazer sua regulamentação, ajustar os contratos, que serão respeitados pelo governo boliviano, assim como o país vem fazendo ao longo de sua história. É preciso entender que essa lei é uma realidade
na Bolívia, que já sente seus efeitos benéficos. Estamos arrecadando US$ 1,3 milhão por dia a mais. Para um país como o nosso em crise financeira, com um déficit fiscal de mais de 5%, esse dinheiro é vital.

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ISTOÉ – A divisão entre o rico Oriente (Santa Cruz de La Sierra e outros estados
da região Leste) e o de maioria indígena, o Altiplano, onde está a maior parte
da população, é sempre apontada como causa dos problemas da Bolívia. Existe solução para esse impasse?
Rodríguez
– Somos um só povo, temos raízes comuns, nossas realidades
são complementares. O que temos que fazer é buscar unidade em nossas diferenças. E isso é possível. Hoje, a cidade de Santa Cruz de La Sierra abriga
um milhão de migrantes, quase metade de sua população. Essa migração levará
a um tecido social uniforme, dentro de uma visão de um país unido. Quando se
fala em crise entre Oriente e Ocidente, creio que, na maior parte das vezes, se
trata de crises artificiais.

ISTOÉ – Desde a queda de Sánchez de Lozada, as grandes cidades bolivianas, especialmente a capital La Paz, acostumaram-se com multidões protestando
nas ruas. Em contraste, os militares têm se mantido dentro da lei, sem tentativas de golpe ou de violência. Esses fatores são novos na Bolívia?
Rodríguez
– Espero que essas multidões canalizem sua vitalidade, sua expressão de liberdade, através do voto. Se votarem em seus próprios candidatos, em seus líderes indígenas, vão causar um impacto na Bolívia ainda mais forte do que sua presença nas ruas. Quanto aos militares, quero destacar que esse comportamento exemplar em todos momentos é muito positivo para o país e para a democracia.

ISTOÉ – O sr. já se reuniu com todas as lideranças bolivianas, do líder cocalero
Evo Morales até a extrema direita e até agora foi bem recebido. O que espera
das eleições de dezembro?
Rodríguez
– Uma nova Bolívia, renovada nos quadros políticos e nas
suas esperanças.


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