“As jovens viúvas marcadas / E as gestantes abandonadas / Não fazem cenas / Vestem-se
de negro, se encolhem / Se conformam e se
recolhem / As suas novenas serenas”
Mulheres de Atenas, Chico Buarque

Em uma área teoricamente protegida pelas Nações Unidas (ONU), a pequena Srebrenica, na Bósnia-Herzegovina, as tropas sérvias assassinaram oito mil homens e meninos em apenas uma semana – do dia 12 ao 19 de julho de 1995. Dos 36 mil moradores da cidade acuados na sangrenta guerra (entre sérvios, croatas e muçulmanos), restaram apenas nove mil, a maioria viúvas que perderam maridos e filhos. O maior massacre civil da Europa desde a Segunda Guerra Mundial completa uma década e é uma mancha de sangue na história da ONU, da Europa e dos Estados Unidos. “É uma vergonha para a comunidade internacional que essa maldade tenha ocorrido debaixo de nossos narizes”, resumiu o chanceler britânico, Jack Straw, durante cerimônia na segunda-feira 11 em que foram enterrados 618 corpos identificados recentemente por testes de DNA. Mas ainda nos necrotérios de Srebrenica e na vizinha Potocari restam sete mil sacos de cadávares, que aguardam um nome para serem dignamente enterrados nos caixões verdes.

“Se eu soubesse que foram mortos rapidamente, sem tortura, perderia metade dessa dor”, disse Hatiidza Mehmedovic, 53 anos, presidente da organização Mães de Srebrenica. Os 400 boinas-azuis da ONU, na época sob o comando do coronel holandês Thomas Karremans, não impediram que as atrocidades fossem cometidas. Eles recuaram até uma fábrica, onde até hoje se vê, entre os desenhos eróticos, a seguinte frase: “Amanhã vou para casa.” Nessa fábrica, os soldados holandeses foram desarmados e 55 deles tomados como reféns. A pedido do comandante das tropas sérvias, o general Ratko Mladic, os boinas-azuis ajudaram a separar em filas os homens das mulheres e crianças muçulmanas, com a desculpa de que os sérvios estavam em busca de criminosos. Logo depois, os homens foram executados e as mulheres deportadas. “Em 10 de julho nos tiraram de nossas casas. As pessoas estavam loucas, tinham medo. Todos nós corríamos e gritávamos. Tive tempo de apanhar uma muda de roupa”, afirmou a viúva Razija Smajilovic, 68 anos, que ganha pensão de 40 euros. Em 2002, ao receber o devastador Dossiê Srebrenica, o primeiro-ministro holandês, Wim Kok, renunciou. Agora, o próprio secretário-geral da ONU, Kofi Annan, admitiu que Srebrenica sempre assombrará a organização.

Abandonadas – Em uma década de investigações, pouco se fez para amenizar
a dor das viúvas. Madlic, o principal responsável pelo massacre, está desaparecido e, portanto, escapou do julgamento do Tribunal Penal Internacional de Haia, onde apenas 20 sérvios respondem pelo genocídio. Nos povoados vizinhos, ex-soldados sérvios convivem com as vítimas em meio à dor da perda de seus familiares.
Fadila Efendic perdeu seu filho, Feizo. “É mais fácil durante o dia, porque imagino que ele está na escola e vai voltar para casa. Nunca serei capaz de perdoar
esses criminosos: sejam os que ordenaram o massacre, sejam os que o realizaram”, disse ela.