Há no Brasil a crença, nem
sempre verdadeira, de que apenas
os pobres vão para a cadeia. A Justiça tenta provar o contrário, ainda que às vezes com medidas consideradas extremas. Na quarta-feira 13, a empresária Eliana Tranchesi foi surpreendida às seis horas da manhã em sua mansão do Morumbi, em São Paulo, por agentes federais com mandados de prisão. Depois de vestir-se, foi levada presa à sede da Polícia Federal, na Lapa, onde permaneceu por longas dez horas. Eliana é proprietária da Daslu, megaloja de artigos de alto luxo na Vila Olímpia, em São Paulo. Na construção de 17 mil metros quadrados, vendem-se de grifes famosas e caras a helicópteros e barcos. Não há nada deste porte no mundo. As compras trafegam em esteiras rolantes até os carros dos clientes. Eliana transformou uma butique familiar num império do luxo em 20 anos e possui clientes e amigos poderosos, como o senador Antônio Carlos Magalhães. Ao falar com ACM por telefone ainda na Polícia Federal, ambos teriam chorado.

O procurador da República em Guarulhos, na Grande São Paulo, Matheus Baraldi Magnani, que ostenta em suas madeixas um idealismo juvenil, coordenou a ação junto com o Ministério Público e a Receita Federal. Eliana foi liberada na própria quarta-feira 13. Continuavam presos até a sexta-feira 15 o seu irmão, Antônio Carlos Piva Albuquerque, que cuida da administração da loja, e Celso de Lima, contador acusado de pertencer a uma das empresas de fachada usada para as transações ilegais, a Multiimport. São suspeitos de formação de quadrilha, sonegação de impostos, falsificação de documentos e descaminho – prática de importar bens legais de forma fraudulenta.

De acordo com o Ministério Público, a Daslu comprava os produtos das grifes internacionais, mas fazia a importação através de uma empresa nos Estados Unidos, a Horcy, que produzia novas notas fiscais com valor muito abaixo do verdadeiro. Um vestido vendido por R$ 5 mil na loja chegava no País com uma nota fiscal de US$ 15 (cerca de R$ 35). O imposto seria recolhido sobre o valor menor. A Multiimport, uma das empresas, vendia 95% dos produtos à Daslu, sem margem de lucro. Deficitárias, as importadoras deixavam de pagar tributos e eram fechadas em pouco tempo. Eliana alegou que cuidava apenas do marketing da Daslu.

De acordo com o advogado Eduardo Diamantino, especialista em direito tributário internacional, o esquema só seria bem-sucedido se subfaturasse também as vendas aos clientes. “Os impostos também são cobrados sobre a diferença entre o preço da importação e o de revenda. Ou a ação foi um tiro na água ou tem muito mais coisa por vir”, opina. Os investigadores consideram a segunda hipótese. Há suspeita de que a Daslu omite receita e tem um caixa 2 para diminuir seu lucro contábil. A investigação começou há dez meses, depois que um carregamento da grife italiana Gucci com bolsas e sapatos foi fiscalizado pela Receita no Aeroporto Internacional de Guarulhos. A nota apresentada tinha valores muito menores e registrava menos mercadorias do que a quantidade existente no contêiner, onde estava a nota verdadeira, emitida pela grife em nome da Daslu. Apesar dos indícios, há uma grande indignação pela forma com que aconteceu a operação batizada de Narciso, nome do jovem que, segundo a mitologia grega, se hipnotizou pela própria beleza e virou símbolo de vaidade. As prisões foram justificadas para que não houvesse destruição de provas. A operação integral em todo o País envolveu 250 policiais federais e 80 auditores da Receita. Além da loja e da casa de Eliana, os policiais também investigaram empresas importadoras nos Estados do Paraná, Espírito Santo e Santa Catarina. Cerca de 30 policiais, alguns armados de metralhadoras, e dez auditores invadiram a Daslu – que continuou funcionando – pela porta reservada aos mil funcionários, acompanhados das câmeras de televisão, num show tido como exibicionista.

Ato público – Segundo a polícia, a força utilizada foi proporcional ao tamanho da loja. Os advogados da Daslu, vários políticos e principalmente a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) discordam. A Fiesp vai, inclusive, promover na segunda-feira 18 um ato público com 20 entidades para defender o “Estado Democrático de Direito”, e critica prisões feitas sem que culpas estejam evidenciadas. Em nota, a Fiesp criticou “o espetáculo pirotécnico” promovido pela polícia. O Ministério da Justiça defendeu a operação com seu discurso-padrão. “Todas as operações da Polícia Federal são feitas de maneira impessoal e republicana, sem proteção ou perseguição a qualquer dos investigados.” O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que esteve na inauguração da loja, disse que o assunto diz respeito a uma empresa privada. Sua filha Sophia é gerente de novos negócios da Daslu. O procurador Magnani assegurou que não há nenhum indício de que ela soubesse do esquema suspeito.