Uma palavrinha de cinco letras tornou-se mais valiosa do que dinheiro para o endividado PT: ética. Um bem que não tem preço. Uma perda que ameaça jogar na lata de lixo da história a imagem de um partido que conseguiu, durante 25 anos, o feito de conquistar o coração e a credibilidade de boa parte dos brasileiros – sempre tão desconfiados dos políticos. Dinheiro se recupera. Já confiança… Só mesmo com “sangue, suor e lágrimas”, como disse o próprio presidente Lula na terça-feira 13, repetindo frase famosa do então primeiro-ministro britânico Winston Churchill, em 1940, quando preparava o espírito de seu povo para a guerra contra os nazistas. Lágrimas já estão sendo derramadas aos litros por parte de petistas e outros acusados no escândalo do mensalão. Ao ver seu partido debater-se na lama, o presidente Lula tirou três integrantes de sua equipe no Planalto para suar a camisa dentro do PT na planície. Uma tentativa de evitar que o partido se esvaia em sangue. Para comandar a “Operação Faxina Ética”, Lula escolheu Tarso Genro, ministro da Educação até o dia 27, quando deixará a Pasta para se dedicar de corpo e alma à presidência do partido, no lugar de José Genoino. A intervenção de Lula afastou todos os dirigentes acusados de envolvimento nas denúncias e que resistiam a abandonar seus postos.

O presidente encarregou mais dois jogadores de seu time para cortar na carne petista. Os ex-ministros Ricardo Berzoini (SP) e Humberto Costa (PE) substituíram Silvio Pereira na Secretaria-Geral e Marcelo Sereno na Secretaria de Comunicação. Coube ao deputado federal José Pimentel (CE) abraçar o abacaxi da Secretaria de Finanças de Delúbio Soares. “O PT deve dar exemplo. O bom exemplo vem de dentro de casa. Se alguém cometeu erro no partido, tem de pagar”, avisou Lula. Ao contrário do neto Fernando – atacante do Grêmio –, Tarso, 58 anos, foi escolhido por Lula para fazer um complicadíssimo meio de campo no estremecido jogo interno do PT. A desconfiança entre os companheiros é geral. “A crise do partido é muito maior do que a crise política do governo. A crise do partido é de princípios. Nós dilapidamos o nosso capital moral, a nossa referência ética porque não havia duros controles no partido”, reconheceu Tarso Genro, prestigiado por Lula com o convite para acompanhá-lo a Paris, para as comemorações da queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789. A Revolução Francesa marcou o fim dos tempos feudais, da monarquia absolutista e iniciou os tempos modernos. Mas esse processo também custou muito sangue nas guilhotinas. O terror da guilhotina política apavora almas petistas em todo o País. Outro ponto de tensão é o destino dos dois dirigentes que são alvo de uma Comissão de Ética do partido: Delúbio e Silvio. Ambos são tidos como “homens-bombas”. Com o cerco se fechando em torno dos dois, ficará difícil evitar eventuais expulsões.

Gaúcho de São Borja – terra dos ex-presidentes Getúlio Vargas e João Goulart –, Tarso Genro é hoje o principal teórico do partido, autor de vários livros sobre direito e política. Ex-prefeito de Porto Alegre, é o sétimo a assumir o leme do PT. Se Lula vai tocar o choque de gestão no Planalto, a Tarso caberá fazer a faxina ética e financeira no PT. O Diretório Nacional amarga uma dívida de mais de R$ 20 milhões. O primeiro passo será dado na terça-feira 19, quando a Executiva Nacional anuncia o plano de reestruturação financeira, com o compromisso de honrar as dívidas. A tarefa mais urgente será livrar-se das dívidas mais suspeitas, contraídas junto ao BMG (R$ 2,4 milhões) e ao Banco Rural (R$ 3 milhões), com o aval do publicitário Marcos Valério. Bem que os petistas poderiam ter dado ouvidos a um de seus históricos e mais ilustres companheiros, o publicitário Carlito Maia (já falecido), que dizia: “Quando a esquerda começa a contar dinheiro, converte-se em direita.”

Tarso foi alçado ao espinhoso posto no sábado 9, em meio à mais dramática reunião da cúpula petista, com direito a choros e xingamentos. Começou ali uma nova era do partido de Lula, com o fim da dinastia de José Dirceu. Há exatos dez anos, o ex-ministro da Casa Civil chegou à presidência do partido – e foi reeleito três vezes seguidas. Dirceu ergueu a máquina burocrática e passou, quando necessário, o trator sobre as correntes radicais. Apesar de hoje ser do mesmo Campo Majoritário, Tarso e Dirceu não são próximos. O ex-prefeito sempre teve voz autônoma e vida própria dentro do partido – daí ser visto com desconfiança pelo caciques que dominavam a legenda.

O novo presidente do PT é amigo de seu antecessor. Tarso e Genoino integraram o PCdoB nos tempos da ditadura e criaram, nos anos 80, uma organização clandestina radical chamada Partido Revolucionário Comunista (PRC). Mas o tempo fez com que ambos fossem ficando cada vez mais moderados. Hoje, no entanto, Tarso defende posturas mais esquerdistas do que seu amigo Genoino. Pai da deputada federal Luciana Genro (expulsa do PT em 2003 e hoje integrante do PSOL) –, ele cita freqüentemente em seus textos o socialismo como uma “idéia reguladora”. Não foi à toa que Lula o escolheu para descascar o abacaxi petista: tem uma experiência de sucesso como governante. Foi prefeito de Porto Alegre em duas gestões, transformando a cidade em uma das vitrines do PT. No governo Lula mostrou jogo de cintura na presidência do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – o Conselhão que reúne empresários, sindicalistas, intelectuais para discutir os rumos do governo. Foi promovido na primeira reforma ministerial à Pasta da Educação. Tido como um dos poucos petistas com atuação aprovada – depois de Antônio Palocci (Fazenda) e Dilma Rousseff (primeiro nas Minas e Energia e agora na Casa Civil), Tarso está em alta com Lula.

Ditadura – O novo presidente já demonstrou que pretende fazer do partido uma voz muito mais autônoma em relação ao governo. Sempre defendeu a separação entre o papel dos partidos e o do Estado. “Subordinar o partido à máquina pública, tornando-o uma autoridade burocrática do Estado, é eliminar uma contradição que é vital para a democracia. O partido-Estado foi uma das características da ditadura burocrática da União Soviética e da ‘ditadura perfeita’ do PRI mexicano”, afirmou em 2003. O PT parece ter ultrapassado esse limite, confundindo-se com o aparato estatal. Lula sempre defendeu que o partido fosse sua “consciência crítica” – como disse, inclusive, no documentário Entreatos, do cineasta João Moreira Salles.

A atual crise foi um alerta para o presidente Lula e para os petistas. E a decisão de promover a autonomia foi tomada em conjunto. Daí, as declarações de Tarso – ao lado de Lula na França – defendendo com mais firmeza um modelo de desenvolvimento para o País. Ao apontar para um monitoramento dos ministros do PT, Tarso tomou o cuidado de excetuar o ministro da Fazenda. Nome de Lula para disputar a presidência do PT em setembro, Tarso também usa todo o seu jogo de cintura para acalmar os ânimos dos dissidentes petistas, que lançaram candidatos. Prometeu abrir mais espaço para as correntes de esquerda: “Um partido unânime é um partido morto: ou ele é dominado pela burocracia ou é stalinista e fascista.” Estudioso da esquerda mundial, Tarso conhece como poucos a triste história dos partidos da social-democracia européia que sucumbiram com as denúncias de corrupção. “O que ocorreu de negativo no Partido Socialista Operário Espanhol, com vários de seus quadros indo parar nas prisões, deve servir de referência negativa para nós”, advertiu Tarso em um artigo no primeiro ano do governo Lula. A nova direção assumiu cheia de promessas. Mas a descrente opinião pública está como São Tomé: só vai acreditar vendo.