Uma semana antes de depor na CPI
dos Correios, na quarta-feira 6 de julho,
o publicitário Marcos Valério Fernandes
de Souza confessou a um amigo em Belo
Horizonte que, sentindo-se abandonado, pretendia abrir o bico. “Na quinta-feira, o Brasil será outro país”, disse ele, nervoso. Valério disse mais: “O Jefferson (Roberto, ex-presidente do PTB) está confundindo as coisas. Não sei de mesada ou mensalão para os deputados e sim de um repasse de dinheiro para as principais lideranças dos partidos.” Ao mesmo amigo, ele afirmou que, desde 2002, financiava candidaturas de políticos para governos estaduais e para o governo federal como contrapartida dos contratos de publicidade que mantinha no setor público. Na conversa com o amigo, Valério deixou claro que estava prestes a adotar para si a mesma estratégia de Jefferson: espalhar a lama para não ficar sujo sozinho. Como alvo principal de seus ataques, escolheu as agências de publicidade paulistas, que, a exemplo da SMP&B e da DNA, também financiariam candidaturas em troca de contratos graúdos com o poder público. “Vou explodir essas agências paulistas. Até agora, só eu estou sendo responsabilizado”, disse. Aconselhado por amigos e militantes do PT, o publicitário recuou de seu roteiro-bomba e deu um depoimento pífio à comissão. Acabou acusado de mentir várias vezes. Chegou a negar o empréstimo ao PT junto ao Banco Rural, que ele mesmo avalizou. No início da última semana, pressionado por dívidas, pela mulher e sócia, Renilda Santiago Fernandes de Souza – ele estaria até dormindo no sofá da sala –, e por seus advogados, Marcos Valério mudou de tática outra vez e desembarcou em Brasília na quinta-feira, como um autêntico homem-bomba, na sede da Procuradoria Geral da República. Ali ficou oito horas diante do procurador-geral Antônio Fernando Souza, a quem entregou documentos, citou nomes, revelou esquemas e jurou contar tudo, em troca de proteção policial e das vantagens da delação premiada como testemunha preferencial.

Max G Pinto 
Delúbio: tentou acalmar o amigo, mas não conseguiu. Lenha na fogueira 

Dias antes, na segunda-feira 15, sentindo que o amigo fraquejava, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares fez uma viagem suicida a Belo Horizonte para uma tensa reunião com Valério. Não avisou a ninguém do partido. No encontro, Valério teria ameaçado contar tudo o que sabe, caso o PT não se empenhasse em resolver seus problemas financeiros. O publicitário estaria exigindo que o Banco Central autorizasse a venda do Banco Mercantil de Pernambuco, em processo de liquidação, para o Banco Rural, coisa que lhe renderia uma boa comissão. A tentativa desesperada de Delúbio fracassou. Na sexta-feira 15, Valério divulgou uma nota e deu uma entrevista ao

Jornal Nacional

na qual apresentou uma nova versão para os saques milionários feitos nas contas de suas empresas: seriam empréstimos ao PT. Ele não quis dizer o montante, mas revelou que tudo foi combinado com Delúbio, inclusive os nomes de quem deveria sacar o dinheiro.

Um dia antes, acompanhado de seus advogados, Marcos Valério se apresentou ao procurador-geral da República e prestou um depoimento sobre as operações que fez com partidos da base aliada. O relato foi reforçado por documentos que mostravam como ele e suas empresas sustentavam o financiamento de campanhas petistas e de outros partidos, além de rechear o bolso de alguns líderes. No meio da papelada, Marcos Valério apresentou extratos bancários, além de operações de ingresso e remessa de dinheiro para o Exterior via doleiros. Uma das contas operadas, segundo a secretária Fernanda Karina Somaggio, foi aberta no banco Merryl Linch. O depoimento caiu como uma luva no MP, que já investiga as movimentações de todas as agências de propaganda que têm contratos com o governo desde 1999. Porém, mais do que isso, ajudou a iluminar como funcionaria o esquema de financiamento de partidos instalados no poder no Brasil.

Como peças de um enorme quebra-cabeça, os depoimentos de Valério e dos principais envolvidos na maior crise política dos últimos 15 anos começam a dar sentido aos documentos obtidos pelo Ministério Público, pela Polícia Federal e pela CPI. Revelam o desenho dos meandros do que Roberto Jefferson denunciou como mensalão, a tal propina que o governo estaria pagando a parlamentares da base aliada para votarem a favor dos projetos de interesse do Palácio do Planalto em tramitação na Câmara. A conclusão a que os investigadores estão chegando é que realmente haveria pagamentos mensais a políticos, mas essa não era a praxe. Também não está clara ainda a relação direta entre a aprovação de projetos e a distribuição de dinheiro que Jefferson estabelece. Parece mais um esquema de luta pela engorda de agremiações. Mas já foi constatado um grande duto de dinheiro entre o PT e os partidos aliados, como PTB, PL, PP e até PMDB. Por trás de tudo figurariam as fontes pagadoras: doações feitas pelo caixa 2 de empresas a título de contribuições para campanhas e até mesmo o dinheiro de propina obtido por funcionários com cargos de confiança no governo e apadrinhados pelos partidos. A crise do mensalão parece ter revelado que o sistema de financiamento político está podre.

Canal direto – Para autoridades envolvidas nas investigações, também há
indícios de que o publicitário tinha um canal direto com o PMDB, por intermédio
do ex-líder do partido na Câmara, José Borba (PR). Suas relações com o partido começaram, anos atrás, com a ajuda do atual vice-presidente da República, José Alencar (PL-MG), ex-PMDB. O sobrinho de Alencar, Daniel Freitas, que morreu em 2002, foi um dos fundadores da DNA. Com sua morte, a participação foi transferida para sua mulher, Margareth Maria Queiroz Freitas, sócia de Valério até hoje. Os vínculos com o vice-presidente não param por aí. Uma outra sobrinha de José Alencar, Simone Freitas, é casada com Márcio Hiram Guimarães Novais, sócio
de Marcos Valério na Estratégica Comunicação Ltda. Criada às vésperas das eleições de 2004, a empresa operou o financiamento de Marcos Valério às candidaturas do PT para as prefeituras de Osasco, Itabira, Petrópolis e São Bernardo do Campo. “O Márcio Hiram era o operador político de Marcos Valério”, disse a
ISTOÉ a ex-secretária Karina. Valério adora um vice. Tanto que foi sócio na agência SMP&B do vice-governador de Minas, Clésio Andrade, dirigente da Sindical Patronal dos Transportes (CNT), hoje seu dileto inimigo.

O publicitário revelou que suas empresas financiaram praticamente todos os gastos das campanhas de Osasco e de outras prefeituras. Além disso, acreditam integrantes da CPI, Valério se encarregava de legalizar com notas frias todo o dinheiro que conseguia. Em Belo Horizonte, a polícia civil apreendeu 12 caixas de notas prestes a ser incineradas. Boa parte delas foi emitida em nome de empresas e órgãos públicos que mantinham contratos com empresas do publicitário. Embora a Estratégica tenha gastado mais de R$ 1 milhão com a campanha de Osasco, o PT comunicou ao TRE despesas de apenas R$ 130 mil com a agência de publicidade. Ou seja, a especialidade do publicitário seria a arrecadação de fundos para campanhas e a legalização da origem do dinheiro e dos gastos feitos. Marcos Valério diz a interlocutores ter prestado os mesmos favores a políticos do PSDB.

Depoimentos colhidos nos últimos dias reforçam a tese de que o publicitário agia como um arrecadador-esquentador de dinheiro para financiar despesas de partidos. Emerson Palmieri, tesoureiro informal do PTB, disse em depoimento à Corregedoria da Câmara, em 28 de junho, que Marcos Valério foi designado pelo PT para conseguir por meio de empresários os R$ 20 milhões ao partido. Segundo Palmieri, caberia ao publicitário buscar meios para legalizar a transação. “O Marcos Valério ia cuidar dos recibos para a doação, ia ajudar a legalizar”, afirmou o tesoureiro. Ele revelou ainda que Marcos Valério chegou a participar de pelo menos uma das quatro ou cinco reuniões entre as cúpulas do PT e do PTB em que foi acertado o repasse. As evidências do esquema começam a brotar, agora, de todos os lados – inclusive dentro do PT. Na semana passada, Delúbio depôs na Polícia Federal e admitiu que desde 2002 Marcos Valério intermediava encontros da direção do partido com empresários. O ex-tesoureiro reconheceu que foi Valério quem apresentou a ele os diretores dos bancos BMG e Rural. A desenvoltura empresarial de Valério era tão grande que, segundo Delúbio, foi ele o promotor de uma visita do ex-presidente do partido José Genoino à siderúrgica Usiminas. Apesar desta intimidade com homens do dinheiro, Valério não ensinou aos executivos do PT como tratar do próprio dinheiro. O novo tesoureiro, deputado José Pimentel (CE), sucessor de Delúbio, encontrou um rombo de R$ 20,4 milhões nos cofres do PT. Gente mais informada diz que o rombo chega a R$ 72 milhões. O novo secretário-geral do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), passou na sexta-feira um atestado público de inépcia ao velho grupo dirigente do partido: “Houve falta de planejamento, houve algum grau de descontrole, de despesas, para um partido que precisa muito mais de militância do que de estrutura física.” Pura verdade: a sede nacional do PT, no Centro Empresarial Varig, fica do outro lado da rua do Brasília Shopping, onde funciona, no nono andar, a modesta sucursal do Banco Rural. O bunker do PT é vistoso e moderno. Muito mais do que a sucursal do banco. Esta confusão explica muita coisa.