Denúncias de pagamento de propinas a parlamentares, duas CPIs simultâneas, um Roberto Jefferson enfurecido, indícios de corrupção em estatais, quedas sucessivas de ministros, cadáver sacando fortunas para um publicitário cheio de intimidade com o partido do presidente, malas e cueca recheadas de dinheiro cruzando os ares da Nação. Era de se esperar que fatos com tamanho potencial explosivo causassem danos consideráveis ao coração de qualquer República. Mas, quando se trata do Brasil, nada é previsível. Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi às lágrimas na Praça da Bastilha, em Paris, emocionado com os aplausos e gritos do público ao recebê-lo em um show de artistas brasileiros.

Talvez porque, na algibeira, levava números surpreendentes: os da pesquisa CNT/Sensus, dando conta de que a população tem consciência do caráter crônico da corrupção, mas, em vez de rejeitar o presidente, reafirma a intenção de reelegê-lo.

Blindagem – A pesquisa embaralhou as cartas da oposição e as análises
dos especialistas em política. E todos buscam explicações. A estabilidade econômica e a forte identificação popular com o torneiro mecânico que chegou
à Presidência despontam como os fatores mais determinantes. “A inflação baixa,
o Bolsa-Família, o aumento do salário mínimo e do nível de emprego são uma blindagem forte”, diagnostica o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro.
Ele também aponta a inexistência de denúncias envolvendo Lula diretamente e a percepção de que os protagonistas dos escândalos são os partidos e o Congresso como outras razões importantes.

Os petistas, que andavam cabisbaixos, começaram a enxergar luz no fim do túnel. Para o deputado estadual Carlos Minc (PT-RJ), o furacão não arrastou o Palácio da Alvorada porque “as pessoas se identificam com Lula, entendem a língua que ele fala”. O diagnóstico coincide com o do cientista político Claudio Couto, da PUC-SP:
“A forma simpática como ele se comunica com a população é importante. Ele sensibiliza por seu estilo pessoal e pela origem pobre.” As raízes de Lula são apontadas até pela oposição como fonte de simpatia popular. O ex-governador
do Rio de Janeiro Marcello Alencar, presidente regional do PSDB, disse não ter
se espantado com a pesquisa. “Lula veio da humildade. Isso ajuda.” Já o cientista político Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj), se disse surpreso com sua aprovação. “Acho difícil que ele não
sofra abalo diante de tantas denúncias.” Na contramão da maioria dos analistas, Nicolau não concorda que a estabilidade econômica seja o único item levado em conta pelo eleitorado.

Montenegro é um dos que acreditam que a economia tem ajudado Lula. “A estabilidade é vital no Brasil. Se ela vai abaixo, não há carisma que resista.”
Neste ponto, Claudio Couto é definitivo: “Se a economia estivesse mal, nada
seria perdoável.” O cientista político Fabiano Santos, do Iuperj, diz que “Lula teve aquela votação esmagadora porque acenava para o aumento da renda e do emprego. Enquanto isso não fracassar, ele vai contar com este apoio.” A idéia de
que Lula foi “traído” é outra possível versão para explicar o teflon do presidente.
Para Couto, “a população acha natural que os auxiliares do presidente se locupletem.” Isso porque a tendência do eleitorado é encarar a política como algo problemático. “O sentimento geral é de que sempre houve e sempre haverá corrupção. Daí o presidente não seria responsável por isso.” Surpreendente. E
olha que nem o deputado Chico Alencar (PT-RJ) isenta Lula: “Ele errou. No mínimo, deixou operadores agirem de forma irresponsável.”

Punições – Mas a blindagem mais efetiva, garante Carlos Minc, é o comportamento do presidente diante da crise. “Ele está mandando apurar tudo.” Ricardo Guedes, do Instituto Sensus, concorda: “Nas qualitativas, as pessoas apontam que ele está agindo.” E o deputado federal Sigmaringa Seixas (PT-DF) entoa o mesmo coro. “Ele deixou claro que os responsáveis têm que ser punidos. Isso mostrou à opinião pública que ele não é conivente”, afirma. É claro que só a imagem pessoal de Lula e sua reação à crise não têm garantido sua blindagem. A oposição também está fazendo sua parte. Não porque seja boazinha, mas porque a ela também não interessa ver um presidente derrubado. “A oposição prefere que ele chegue fraco nas eleições”, diz o cientista político Rubens Figueiredo, do Centro de Pesquisa, Análise e Comunicação (Cepac). Nas palavras do líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN), é possível entender um pouco do que os opositores esperam: “O PT está se vangloriando do teflon do Lula, mas esquece que o partido do presidente está desgastado. Na hora que casar a pessoa com o partido, em uma eventual campanha, a derrota será inevitável.”

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A cientista política Lucia Hippolito também vê a blindagem como resultado de
um interesse geral em manter o presidente com capacidade para continuar governando. “Ninguém quer um zumbi no Planalto”, diz. O deputado Moreira
Franco (PMDB-RJ) vê uma ação das lideranças políticas para preservar sua figura. “Até a oposição contribuiu”, diz. Claro que amores não duram para sempre. E o pefelista Agripino anuncia: “O desgaste vai chegar ao Lula, é inevitável. Não estou agourando. Essa é a lógica.” Resta saber se o teflon tem prazo de validade. Mas
isso é coisa complicada, dizem os analistas. “Ele é o que eu chamo de presidente-ídolo, um fenômeno. E quando se lida com fenômenos, fica difícil fazer previsões”, afirma Rubens Figueiredo.


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