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RÉPLICA
Barco construído por pesquisadores americanos
navega pela antiga rota do Mar Arábico

A contribuição da Pérsia, da Mesopotâmia e da civilização hindu para o mundo contemporâneo é inegável. Aquela parte do Oriente Médio já era uma importante rota comercial quando a civilização ocidental apenas engatinhava. Seus tesouros arqueológicos são conhecidos há tempos. Uma outra história, porém, continuava obscura. Cidades antigas, encravadas nos atuais territórios de Omã e dos Emirados Árabes Unidos, estão revelando uma sociedade que existiu há seis mil anos, dotada de vasta riqueza cultural. Segundo os arqueólogos, ela teve papel crucial no comércio daquela região.

Reportagem publicada na edição da semana passada da revista especializada “Science” revela que pesquisadores encontraram pedaços de louça de 4.500 anos em um pequeno oásis localizado em Omã, país no sudeste da península árabe. O mais surpreendente é que os artefatos vieram de locais d’além-mar, mais exatamente da província de Kerman (Irã) e do vale do rio Indo (berço da civilização hindu). As peças, aparentemente modestas, são uma evidência de que a seca e pedregosa região era uma importante rota de comércio no terceiro milênio antes de Cristo.

“Estamos falando de um lugar bastante dinâmico, cheio de gente transitando”, disse Gregory Possehl, da Universidade da Pensilvânia, que dirige a escavação na cidade de Bat. Os novos estudos lançam uma pá de cal sobre a visão tradicional de que as primeiras civilizações humanas – formadas por egípcios, mesopotâmicos e hindus – eram isoladas umas das outras e com populações dispersas por desertos e montanhas.

Escavações no Irã e na Ásia Central, cujos resultados foram publicados em 2007, revelaram uma grande quantidade de cidades ancestrais que comercializavam mercadorias e tecnologias com seus vizinhos. Descobertas mais recentes em Omã e nos Emirados Árabes Unidos mostram que uma rota marítima ligava o Mar Arábico ao Golfo Pérsico. Cobre e tecidos eram transportados por essa via. Todo esse movimento mexia profundamente com lugares como Bat, uma cidade apenas modesta hoje em dia. No ano 2400 a.C., porém, ela ostentava sólidas torres e tumbas circulares de pedra, além de um engenhoso sistema de gerenciamento de água.

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Mas como esses povos navegavam? Foi quase por acidente que o arqueó­logo italiano Maurizio Tosi, da Universidade de Bolonha, na Itália, começou a desvendar o mistério. Viajando de férias, em 1987, ele encontrou um assentamento de 4.500 anos a 200 quilômetros de Bat. O sítio, chamado R’as Al Jinz, foi escavado durante a década seguinte e revelou pentes de marfim e cacos de louça típicos das civilizações do vale do rio Indo, enterrados numa casa feita de tijolos rústicos. A maior revelação, no entanto, estava por vir na forma de blocos de betume – substância derivada do petróleo usada para fazer asfalto, comum na Mesopotâmia. Eles estavam cobertos de conchas e uma das peças tinha as marcas de uma corda. Era o que faltava para provar a existência de barcos feitos de junco e tábuas unidas pela substância impermeável e importada. Para espanto dos pesquisadores, o bote ancestral foi construído no remoto ano de 2200 a.C. – cerca de mil anos antes do que eles supunham.

Em outro sítio arqueológico, Bisya, ao sul de Bat, Jeffery e Jocelyn Orchard, da Universidade de Birmingham (Inglaterra), estão escavando uma área com meia dúzia de torres. Eles acreditam que uma delas tinha uma rampa em espiral que levava a um templo desaparecido, semelhante a outro existente na Mesopotâmia. Bisya seria ligada a outras cidades antigas por uma série de oásis, alguns com até 400 hectares. A riqueza do interior de Omã, portanto, viria de transações locais, regionais e internacionais, centradas em cobre e calcário, além das pedras clorita e diorito, a favorita de escultores sumérios. Colares e produtos perecíveis como vinho, óleo e grãos também eram comercializados.

Por volta do ano 200 a.C., mudanças severas assolaram aqueles povos. A cidade mesopotâmica de Ur se rendeu a invasores e a rota comercial sofreu um golpe irrecuperável. Comunidades iranianas entraram em colapso e os hindus caíram em ruína. O clima desértico, o crescente número de batalhas e a fragilidade econômica completaram o pacote de desgraças. Em um século ou dois, a região retrocedeu a uma cultura simples, baseada em agricultura e na criação de animais. Um final de história que os relegou aos porões da arqueologia.