As últimas três semanas foram particularmente difíceis para o mercado financeiro americano. Entre os dias 7/9 e 8/9, o governo americano estatizou as duas maiores financiadoras de hipotecas do país, a Fannie Mae e a Freddie Mac. No final de semana seguinte dois dos maiores bancos de investimentos do país tiveram problemas de solvência. Um deles, o Lehman Brothers, foi forçado a pedir concordata, e o outro, Merrill Lynch, foi vendido para o Bank of America para evitar a falência. Para completar, a seguradora AIG, a maior empresa de seguros dos Estados Unidos, está em sérias dificuldades financeiras.

Apesar de parecidos, os episódios são bastante diferentes. As duas grandes financiadoras de hipotecas estatizadas eram uma anomalia institucional. Eram empresas com ações nas Bolsas de Valores, dirigidas como empresas privadas, mas cujos títulos tinham garantia implícita do governo. Ou seja, os lucros eram apropriados privadamente pelos acionistas e os prejuízos pagos pelo governo. O resultado deste arranjo institucional foi que as empresas assumiram riscos excessivos, emprestaram 50 vezes o valor de seu patrimônio, se tornaram insolventes, o que forçou o Tesouro a assumir os prejuízos. Segundo o instrumento de estatização, as empresas serão saneadas, reduzidas de tamanho e privatizadas no final do processo.

No caso do Lehman Brothers, a situação é totalmente diferente. O Lehman é um banco de investimentos privado, sem nenhuma garantia governamental. Neste sentido, não existia obrigação da parte do governo dos Estados Unidos de garantir suas dívidas. A questão é que, por ser o quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, existe o risco de que sua falência contamine outros bancos (seus credores). Como é impossível saber quais bancos estão expostos, todos passam a ser suspeitos. O resultado é que ninguém empresta para ninguém, o que pode levar outros bancos à falência, apesar de estarem em boas condições de solvência.

Foi exatamente este risco que induziu o governo a socorrer o Bearn Stearns em março deste ano. E o mercado acreditava que ele faria o mesmo com os outros grandes bancos de investimento, caso fosse necessário. Com o socorro ao Bearn, o risco de falência se evaporou e isto foi incorporado aos preços dos ativos. Ao mesmo tempo, em lugar de resolver seus problemas, os bancos começaram a “empurrá-los com a barriga”, na expectativa de que, se os problemas se intensificassem, o Fed e o Tesouro viriam em seu socorro.

A recusa do Fed e do Tesouro em socorrer o Lehman deixou o mercado financeiro perplexo. Ao não intervir, o governo mostrou que o episódio de socorro ao Bearn Stearns foi uma exceção, ao contrário do que o mercado financeiro acreditava. O sinal é que, provavelmente, nenhum outro banco de investimentos que, porventura, vier a apresentar problemas será socorrido. A queda dos preços dos ativos reflete a volta do risco de falência.

Ao longo da semana, o mercado financeiro pressionou o governo americano a salvar o Lehman e assumir os prejuízos, sob a alegação de que a falência do banco desencadearia um processo de falência generalizada no setor financeiro. O Tesouro e o Fed decidiram pagar para ver. O setor privado terá de resolver seus problemas sozinho. O que significa se apropriar dos lucros e pagar os prejuízos. É o jogo do mercado de volta, com todos os riscos dele decorrentes. O ajuste deverá ser mais rápido e mais profundo. Será mais um setembro negro.