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A obsessão do professor Ginpei pelo universo feminino o faz perseguir belas moças pelas ruas da cidade onde vive. Ao contrário do lirismo delicado e voyeur de outros personagens literários, no seu romance “Lago” (Estação Liberdade) o Prêmio Nobel japonês Yasunari Kawabata (suicidou-se em 1972) explora o insólito, as perversões e os delírios humanos. Além dessa publicação, a editora lança obras inéditas de outros dois expoentes da literatura japonesa moderna: Yasushi Inoue e Hiromi Kawakami.

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Leia abaixo os primeiros parágrafos de “O Lago”, de Yasunari Kawabata

Ginpei Momoi chegou em Karuizawa no início do outono, ou melhor, no final do verão. Antes de qualquer coisa, comprou calças de flanela, pelas quais trocou as velhas calças que usava, e vestiu uma camisa de colarinho nova e um suéter; por ser uma noite de neblina gélida, adquiriu ainda uma capa de chuva azul-marinho.
Karuizawa era um lugar ideal para se conseguir roupas de modo improvisado. Encontrou também sapatos que se ajustavam a seus pés, e abandonou na loja de calçados os sapatos velhos que estava usando. As roupas antigas, no entanto, enrolou num furoshiki, ficando indeciso, sem saber o que fazer com elas. Poderia atirá-las para dentro de uma casa vazia de veraneio; só seriam descobertas no próximo verão. Entrou numa viela e pôs a mão na janela de uma casa de veraneio vazia, pois as portas externas corrediças de madeira estavam pregadas. A ideia de arrombar a janela causava um terrível medo em Ginpei. Achou que seria um crime.
Além disso, ele não sabia se estava sendo perseguido como um criminoso. Seu crime podia não ter sido denunciado pela vítima. Jogou o furoshiki na lixeira que havia junto yasunari Kawabata 10 à porta da cozinha. Sentiu-se livre. Por desleixo dos usuários ou por negligência do administrador da casa de veraneio, a lixeira estava cheia, e ele ouviu o barulho de papéis úmidos quando empurrou ali o embrulho com as roupas velhas.
A tampa ficou um pouco levantada por causa do embrulho. Ginpei não se importou com isso.
Depois de caminhar uns trinta passos, virou-se. Pensou ter visto mariposas prateadas esvoaçarem, vindas em bando de perto da lixeira, e se elevarem para dentro da neblina. Ginpei parou, pensando em retornar ao local, mas a visão prateada iluminou as copas de lariços sobre sua cabeça com uma luz vaga e azulada, e desapareceu.
Os lariços estavam enfileirados nas laterais do caminho, no fim do qual havia um pórtico arqueado e decorado com luzes. Era a entrada de uma casa de banho turco.
Ao entrar no jardim, Ginpei levou a mão à cabeça.
O corte de cabelo parecia bom. Ele costumava causar espanto e admiração nas pessoas por sua habilidade peculiar de cortar o próprio cabelo com uma gilete.
Uma atendente — chamada popularmente de “miss turca” — conduziu Ginpei ao quarto de banho. Depois de fechar a porta, ela despiu seu guarda-pó branco. Do ventre para cima, usava apenas um corpete, que cobria os seios.
Instintivamente, Ginpei recuou quando ela começou a desabotoar-lhe a capa de chuva; mas logo deixou-se ficar nas mãos dela, que se ajoelhou a seus pés e tirou-lhe as meias.
Ginpei tomou um perfumado banho de imersão.
A água quente da banheira parecia verde devido à cor dos o lago 11 azulejos. O perfume não era muito agradável, mas para Ginpei, que vinha se escondendo na região de Shinano, passando de uma pensão barata para outra, parecia um aroma de flores. Depois que ele saiu do banho perfumado, a jovem lavou-lhe todo o corpo. Acocorando-se aos pés dele, lavou-lhe entre os dedos com suas mãos joviais. Ginpei ficou olhando do alto a cabeça da moça.
O cabelo dela era cortado um pouco abaixo da base do pescoço e caía naturalmente, num estilo clássico de cabelo lavado.
— Permite que lave sua cabeça?
— Como? Quer lavar também minha cabeça?
— Por favor… Deixe-me lavá-la.
Pensando bem, fazia bastante tempo que Ginpei não lavava a cabeça, só aparava o cabelo com gilete, por isso se assustou ao pensar que devia estar cheirando mal. Mas esticou a cabeça para a frente, apoiando os cotovelos nos joelhos, e, enquanto sua cabeça era massageada com a espuma do sabonete, foi perdendo a timidez.
— Você tem uma bela voz, sabe? — disse para a garota.
— Minha voz…?
— Sim. Permanece em meu ouvido mesmo depois que você para de falar. Sinto pena quando ela se apaga.
Parece algo suave e enternecedor, que vem ao fundo dos ouvidos e se infiltra no cerne de minha cabeça. Se um vilão ouvir sua voz, por pior que ele seja, se tornará uma criatura dócil e boa…
— O senhor acha? Creio que é uma voz de menina dengosa.

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