chamada.jpg
DUNGA NO ANÚNCIO DA CONVOCAÇÃO
Treino para enfrentar 450 jornalistas e vídeo
de apresentação preparado por Jorginho, seu braço direito

selo.jpg

Há 20 anos começava a era Dunga na Seleção. Coincidentemente, desde os anos 1990 o futebol brasileiro nunca mais foi o mesmo. Mas, é bom que se diga, de lá para cá bons resultados foram conquistados. Fomos campeões mundiais duas vezes, em 1994 e 2002, e vice em 1998. Jogadores talentosos continuaram brotando por aqui – Romário, Rivaldo, Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho escreveram seus nomes na história. Mas amargamos uma derrota que dói na alma de muitos torcedores e, até hoje, não tem título mundial que a faça ser esquecida: o fim do jeito brasileiro de jogar futebol. A convocação de Dunga para a Copa da África do Sul, divulgada na terça-feira 11, no Rio de Janeiro, reflete este fato.

Ao optar por deixar de fora do Mundial os jovens e hábeis Paulo Henrique Ganso e Neymar, ambos jogadores do Santos e aclamados por torcedores e pela crítica especializada, Dunga segue a tática da teimosia, que já conquistou dois Mundiais, e reza pela  mesma cartilha de treinadores que insistiram em fazer o futebol brasileiro focar no resultado – nem que para isso fosse preciso passar por cima das nossas raízes, fincadas na habilidade e na alegria de jogar dos atletas. São emblemáticos os três zagueiros da equipe de Sebastião Lazaroni, de 1990, que pela primeira vez na história tentou fazer da defesa a cereja do bolo da Seleção, a ausência de um camisa 10 no meio de campo do time de Parreira, quatro anos depois, e o esquema de jogo pragmático armado por Luiz Felipe Scolari em 2002.

G_Copa_Linha.jpg

É necessário destacar, porém, que a teimosia não é necessariamente sinônimo de futebol feio. Insistir em suas convicções a contragosto da maioria acometeu, também, equipes brasileiras que deram espetáculo, como em 1970 e 1982 (leia quadro). No caso de Dunga, sua obstinação é vista com mais reserva porque em campo o futebol do capitão do tetra não empolgava, ao contrário do talento de Ganso, que encanta com seus passes certeiros, visão de jogo e criatividade no toque de bola. O jogador do Santos ainda pode ir ao Mundial, embora não esteja entre os 23 convocados. Ele está entre os sete que ficaram na lista reserva. Irá para a África do Sul se algum companheiro se machucar e Dunga o convocar.

Algo pouco provável, na visão do editor-chefe da versão nacional da revista inglesa de futebol “FourFourTwo”, Odir Cunha. “A premissa de Dunga é a seguinte: o Brasil tem tantos jogadores criativos que dois ou três bastam para decidir um jogo”, diz ele. Autor de sete livros sobre o Santos, Cunha afirma ter conversado por telefone com o técnico da Seleção no início do mês. No papo, o treinador quis saber de Cunha por que deveria chamar Ganso. Ele se derramou em elogios ao jovem talento, mas não adiantou. “A persistência de Dunga termina e a teimosia começa quando ele cega para evidências técnicas e convoca jogadores reservas em seus clubes, como o Julio Baptista, substituto direto de Kaká”, opina um ex-campeão mundial.

Para fazer o anúncio mais esperado da semana, Dunga deixou Porto Alegre rumo ao Rio de Janeiro no domingo 9. Hospedou-se em um quarto com vista para o mar em um hotel da Barra da Tijuca, onde ocorreu a divulgação da lista, pronta, segundo ele, há uma semana. No meio de campo, teremos Kaká como a figura criativa e um punhado de guerreiros escolhidos pelo comprometimento com o general e pela doação em campo. Consciente de que os nomes escolhidos para o maior evento esportivo do planeta causariam polêmica, Dunga passou por um curso de media training para encarar o desafio com calma e sangue-frio, características que ele não costuma ter. Jorginho, seu braço direito na comissão técnica, ficou encarregado de produzir o vídeo que anunciaria os atletas escolhidos, e o preparou em sua própria casa. No dia D, o treinador acordou cedo, tomou café da manhã no restaurante do hotel e deu uma volta no hall. Estava sorridente, segundo relatos de funcionários.

A tensão, porém, reinou durante a entrevista, acompanhada por 450 profissionais de imprensa do mundo todo. Até uma equipe da rede de tevê árabe Al Jazeera cobriu o evento. Dunga foi patriótico nas palavras e no jeito de se vestir – usava terno de veludo marrom sobre uma camisa social verde e, por baixo dela, uma camiseta amarela. Resfriado e fazendo força para sorrir, explicou (maltratando um pouco a língua portuguesa) as ausências de Adriano, o Imperador, Ronaldinho Gaúcho, Ganso e Neymar, principalmente. O contato telefônico de Dunga com o escritor Cunha, santista de carteirinha, e a visita de Jorginho à Gávea, sede do Flamengo, clube de Adriano, em 1º de maio, indicam que dúvidas pairavam sobre a comissão técnica até este mês.

“Provavelmente, Dunga sabe que o time melhoraria em qualidade se chamasse os garotos do Santos. Mas perderia credibilidade com o grupo”, diz um executivo da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Como justificativa para não convocá- los, alegou não ter tido a chance de testar Ganso e Neymar na Seleção principal. “Ele não abriu mão daquilo que sempre o acompanhou: a coerência”, defende Emídio Perondi, 72 anos, padrinho de nascimento e casamento do técnico. Cunha, da “Four- FourTwo”, discorda: “Dunga nunca havia sido testado como técnico antes de assumir o Brasil. Não há coerência na explicação dele”, afirma.

Para Paulo Vinícius Coelho, comentarista dos canais de esporte ESPN, Adriano deixou a lista dos convocados ao faltar ao treino do Flamengo no dia em que o auxiliar Jorginho visitou a Gávea. Até o fechamento desta edição, o Imperador somava 13 faltas a  treinos. “O Ronaldinho Gaúcho, por sua vez, já estava excluído da lista há muito tempo. Ele falhou jogando na posição do Kaká, no meio-campo, em março de 2009”, diz Coelho. “Ele poderia ser chamado como atacante do lado esquerdo, como reserva de Robinho, mas a vaga sumiu de vez quando Nilmar marcou três gols no jogo contra o Chile, em setembro.”

De fato, a última convocação de Ronaldinho foi em abril do ano passado, quando ele ficou na reserva. “Dunga não sofreu muito com isso (não ter chamado o jogador)”, conta Perondi. Segundo ele, seu amigo retornaria para Porto Alegre até o final da semana e, “de bermuda, provavelmente relaxaria tomando chimarrão com a vizinhança”. Em casa, Dunga estaria protegido da grita dos insatisfeitos tanto com as ausências quanto com suas escolhas.

dunga.jpg

Premiar o jogador-camarada e não apostar no talento é a teimosia do treinador da Seleção. É ela que vai, segundo Tostão, campeão em 1970, fazer com que continuemos seduzidos pela grama do jardim do vizinho, em detrimento de nossas raízes. “A globalização deixou a forma de jogar futebol parecida”, diz ele. “Não há mais aquela divisão entre a habilidade do futebol brasileiro e a disciplina do europeu. O Brasil joga como eles, voltado apenas para o resultado.” Mas nesse esporte, no qual se erra ao pensar de forma cartesiana, quem disse que o grande barato é o placar? O técnico Telê Santana fracassou em duas Copas com seus times que privilegiavam o futebol arte. Mas hoje é mais querido e lembrado do que campeões como Parreira e Felipão e, quem sabe, Dunga. 

patrocinio.jpg

 

Colaborou Wilson Aquino