“O que estamos vendo hoje é um fenômeno novo, que surge com a redução dos juros e as mudanças legais, que deram mais segurança tanto para quem empresta quanto para quem financia, além da estabilidade duradoura da economia, é claro”, diz Fábio Nogueira, presidente da Brasil Real State, uma empresa especializada em financiamento imobiliário. “Estamos no pico, mas ainda há muito espaço para crescer. As condições estão postas.”

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As centenas de pessoas que acordaram cedo na manhã mais fria do ano em São Paulo e foram para a fila horas antes da abertura do VI Feirão Imobiliário da Caixa na quinta-feira 13 são uma prova clara de como há muito espaço para esse setor crescer. De longe, a aglomeração de famílias encasacadas e expostas aos ventos úmidos que vêm da Serra do Mar e atingem em cheio a zona sul de São Paulo parecia a mesma dos dias de promoções especiais de uma grande cadeia de varejo, que acontecem sempre após o Natal. Mas ali não havia ninguém interessado em uma tevê nova ou em um sofá. Todos queriam comprar um imóvel. “Estamos vivendo um círculo virtuoso e este ano, incluindo todos os modelos e fundos de financiamento, a Caixa vai liberar mais de R$ 60 bilhões”, diz a presidente da CEF, Maria Fernanda Ramos Coelho. “Hoje estamos com uma média de mais de 4,5 mil contratos assinados por dia só nas agências da Caixa”, diz ela.

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(a) Este limite aplica-se apenas às capitais, cidades com mais de um milhão de habitantes e cidades das regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Para cidades fora dessas especificações, com população acima de 250 mil habitantes, o limite cai para R$ 100 mil; para municípios com população inferior a 250 mil, o limite máximo é de R$ 80 mil
(b) A taxa de juros é reduzida em 0,5 ponto percentual para titulares com conta vinculada ao FGTS há mais de três anos
(c) O limite da renda familiar é ampliado para R$ 4.900 para moradores das regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e cidades de todo o País com mais de 500 mil habitantes
(d) Aquisição de imóvel novo, usado ou em construção

A auxiliar de contabilidade Denise Oliveira Silva, 27 anos, não mediu esforços para ser a primeira da fila. Chegou ao Centro de Exposições Imigrantes às 19 horas do dia anterior, mas acabou voltando para casa por recomendação dos seguranças do local. Quando retornou com o namorado, Juan Revollo, às 5 horas da manhã, já encontrou meia dúzia de pessoas na sua frente. “Nunca tive uma casa própria. Acho que este é o momento certo, meu salário está bom, quero aproveitar”, disse Denise, pouco antes de embrenhar-se pelos 22 mil metros quadrados da feira onde 122 construtoras e 101 imobiliárias estão expondo.

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INVESTIMENTO
Roberto viu o apartamento que comprou há um ano valorizar 100%

Denise pouco entende de macroeconomia, engenharias financeiras intrincadas ou política monetária. Mas, como milhares de brasileiros que estão se endividando por até três décadas, ela percebe que, a olho nu, não se enxergam tempestades econômicas no horizonte. “Houve um aumento no índice de confiabilidade da economia que, com o Minha Casa, Minha Vida, mudou o setor”, diz Newman Brito, diretor de novos negócios da Tecnisa, que este ano vai colocar no mercado cerca de R$ 1 bilhão em imóveis voltados para a classe média baixa e será a primeira companhia a vender apartamentos pelo cartão de crédito. “A crise passou, nada ocorreu e muitas pessoas começaram a se dar conta de que podiam, sim, comprar uma casa”, diz Rodrigo Martins, diretor do segmento econômico da Rossi Residencial. “É um processo de maturação longo, as pessoas vão se convencendo aos poucos de que podem assumir uma dívida de longo prazo”, diz Martins. “E isso está começando a acontecer agora.”

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BUSCA
Suely e Simone têm R$ 2 milhões na conta, mas não
conseguem achar um imóvel em Ipanema, no Rio

As construtoras, que por muitos anos ficaram apenas erguendo poucos empreendimentos voltados para a classe média alta, estão comemorando. As ações, que haviam caído no início da crise, já recuperaram seu valor. Os investidores voltaram, as companhias novamente se capitalizaram e estão lançando imóveis como nunca em sua história. A Rossi, de Martins, vai colocar no mercado só este ano 25 mil residências novas voltadas apenas para a classe média baixa. A MRV, uma das maiores do País, vai lançar outras 70 mil unidades. Não raro, essas companhias estão vendendo seus edifícios ou condomínios em questão de dias.

A Alphaville precisou apenas de algumas horas para negociar todos os lotes de um condomínio que lançou no início do ano na Grande São Paulo. A procura foi tanta que a construtora teve que montar um esquema de distribuição de senhas para organizar a demanda. A empresária Ângela Spina Vieira precisou usar estratégias pouco ortodoxas para conseguir uma delas e ter o direito de comprar um terreno de 800 metros quadrados por R$ 350 mil. Ela contratou pessoas para passar a noite na fila e, assim, garantir o negócio. “Os contratados chegaram às seis da tarde e ficaram até as seis da manhã”, conta ela.

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MADRUGADA
Ângela Spina contratou guardadores de fila para
conseguir comprar um terreno por R$ 350 mil

Ângela não faz parte do perfil de comprador que está se fiando nas facilidades do Minha Casa, Minha Vida para adquirir um imóvel. O fato é que as mesmas condições que permitiram que pessoas como Vinícius e Denise pudessem comprar seu primeiro apartamento também está permitindo que a classe média-média, que ganha mais de dez salários mínimos, entre na festa. É o caso do empresário Roberto Donatto, 48 anos, que há dois comprou um amplo apartamento, com todas as possibilidades de lazer, para viver com a mulher e os dois filhos. “Morávamos em um prédio antigo, sem lazer, com vizinhos idosos”, diz Sandra Nicoletti, mulher de Roberto. O sonho do apartamento novo só foi possível por conta das facilidades de financiamento. “Esse imóvel já valorizou quase 100%”, diz Roberto, que, empolgado com os potenciais ganhos financeiros, já pensa em comprar outro apartamento para deixar para os filhos ou investir.

Roberto ainda não começou a procurar o novo imóvel, mas sabe que terá dificuldade para fazer um negócio tão bom novamente. Com a demanda aquecida, os preços subiram e até quem tem dinheiro na mão precisa caçar um bom negócio. Suely Monteiro, 75 anos, e sua filha, Simone Monteiro, estão nessa busca. E dinheiro não lhes falta. Mãe e filha têm juntas R$ 2 milhões para comprar um apartamento em Ipanema, mas não conseguem encontrá-lo. “O mercado parece que enlouqueceu, os preços estão altos e a oferta diminuiu”, conta a gaúcha Suely, que quer porque quer uma cobertura no Rio de Janeiro.

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Suely não pretende investir. Ela, como a maior parte dos brasileiros, deseja morar no imóvel que está comprando. É por conta disso, creem os especialistas, que ainda está muito longe de haver uma bolha imobiliária. “Nos Estados Unidos as pessoas estavam comprando para investir, para tentar fazer dinheiro rápido. Não é esse o caso aqui”, diz João Crestana, presidente do Secovi de São Paulo, onde as vendas cresceram mais de 80% nesse primeiro trimestre. Outra diferença era que o crédito americano era para lá de farto e muita gente acabava hipotecando as casas, que subiram de preço de forma abrupta, para ter mais dinheiro para consumir. “A realidade é outra”, diz Fábio Nogueira, da Brasil Real State. “Enquanto lá o crédito imobiliário era de mais de 100% do PIB, aqui não chegamos nem a 3% do nosso Produto Interno Bruto, estamos longe da bolha.” É o que se espera.

Colaboraram: Eliane Lobato, Fabiana Guedes, Francisco Alves, Natália Leão e Verônica Mambrini
Fotos: Orestes Locatel; rafael hupsel/ag. istoé
Produção: l. a. braga júnior (imagemakers) – agradecimentos: l’oeil