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HORROR
A promotora Vera Lúcia após depoimento

Os processos de adoção no Brasil têm reputação de serem criteriosos e longos. Mas no caso da menina T., de 2 anos e 10 meses, que seria torturada pela mãe adotiva, a procuradora de Justiça aposentada Vera Lúcia de Sant’Anna Gomes, algo deu muito errado. A Justiça renovou a habilitação para adoção dias antes de a menina ir morar com ela. A habilitação é uma das etapas mais importantes do processo de adoção e, segundo a lei, só pode ser concedida após rigorosa investigação psicológica e social da pessoa interessada. A revalidação, concedida em março, teve o parecer favorável do Ministério Público Estadual, do serviço social e de psicologia do Juizado e da própria juíza da Vara da Criança e Juventude. O erro de todos foi pago apenas pela menininha, que era agredida física e psicologicamente – as fotos do exame de corpo de delito são de provocar arrepios e lágrimas. A garota fora adotada por uma mulher considerada irascível e desequilibrada por pessoas que conviveram com ela ao longo de seus 67 anos. Por isso, a pergunta: como essa pessoa foi habilitada a adotar uma criança?

As respostas, na avaliação de especialistas que não quiseram se identificar e também na de Siro Darlan, desembargador que já foi juiz da Vara de Infância no Rio, passam pelo poder econômico da candidata. A procuradora recebe em torno de R$ 25 mil mensais, é solteira, proprietária de um apartamento de 200 metros quadrados em Ipanema, bairro nobre do Rio de Janeiro, avaliado em R$ 1,2 milhão, e de uma bela casa no balneário de Búzios. Ela até teria condições financeiras de proporcionar um futuro à menina, mas – o tempo mostrou – nenhuma condição psicológica de criá-la.

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ABUSO
 T., 2 anos, saindo da delegacia.

Acima, marcas das agressões

Margarida Prado, membro da comissão de direitos humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e conselheira do Conselho Estadual da Infância, discorda de favorecimento em razão de boa situação financeira. “Conheço dezenas de casos de pessoas ricas que não foram habilitadas e, de pessoas simples que foram.” Mas reconhece que houve falha. “Estive com a equipe e vi a indignação e o abatimento de todos que participaram desse processo. Eles foram surpreendidos. Não sei até que ponto alguém é capaz de sustentar uma imagem convincente de que é uma pessoa encantadora, mas ela conseguiu.”

Para o desembargador Siro Darlan “houve falha grave porque a antissociabilidade dessa senhora é conhecida no Ministério Público.” De fato, membros do MP fluminense, onde ela trabalhou durante 25 anos, ouvidos por ISTOÉ, disseram que ela sempre demonstrou desequilíbrio emocional e era conhecida por não tratar bem as pessoas mais simples. “Ela brigava com todo mundo, era grosseira. Quando vimos que tinha adotado uma criança, ficamos perplexos”, disse um procurador que pediu anonimato.

Vera Lúcia já tinha demonstrado não ter limites em uma tentativa anterior de adoção, em 2008. Quando a mãe biológica desistiu de entregar a menina, a procuradora fez falsa comunicação de crime. Ou seja, deu queixa na delegacia acusando-a de pedófila. A denúncia foi investigada, mas ficou constatado que era invenção. Isso é um crime e ela deveria, na época, ter sido processada pelo Ministério Público. Não foi acusada formalmente nem impedida de tentar nova adoção. Na ocasião, Vera Lúcia teve uma atitude que demonstra sua crueldade. Foi à maternidade e tomou todo o enxoval comprado para a recém-nascida, até a fralda que o bebê estava usando, diz a mãe biológica, que prefere não se identificar.

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Vera Lúcia é solitária. Não costuma receber visitas nem dos únicos parentes: dois sobrinhos, filhos de um irmão já falecido. Ela saía pouco com a criança. “Nesse mês em que a menina esteve morando com ela, só a vi umas duas vezes”, revelou um dos porteiros. Ela foi denunciada por quatro ex-empregados – Cláudio Morgado, Maria Isabel de Castilho, Sidilania Borges e Luzia de Almeida. Eles contaram que a garota era diariamente agredida e insultada pela procuradora. O relato das testemunhas é de estarrecer: “Vera Lúcia, rotineiramente e sem motivo, agredia verbalmente a criança, sempre aos gritos bem perto da cara da criança, puxando fortemente seus cabelos e xingando-a. ‘Você não vale nada, sua vaca, cachorra, você é igual à sua mãe, sua piranha, antes meus bichos do que você, mil vezes meus bichos do que você’”, relatou uma das empregadas. Outra, disse que a menina apanha desde que chegou à residência. “No dia de sua chegada, levou muitos tapas na cara. Ela usava de muita força, batendo em sua boca, agarrando T. pelo cabelo, batendo a cabeça dela com força na mesa de mármore, digo, o rosto na mesa e a nuca na cadeira.” Na quinta-feira 6, a Justiça determinou que Vera Lúcia – que teve prisão decretada e estava foragida até a tarde da sexta-feira 7 – arque com as despesas do tratamento psicológico da criança. Mas, todos sabem, dificilmente estes traumas serão apagados.
Colaborou Caio Barretto Briso