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“Não se engane, a literatura é uma
ocupação muito perigosa”

Roberto Bolaño (1953-2003)

A conceituada revista britânica “The Economist” chama de bolañomania a euforia do mercado literário americano diante da obra do rebelde escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003). Ilustre desconhecido em língua inglesa até a sua morte, há sete anos, o escritor se tornou o latinoamericano de maior sucesso nos EUA desde que seu primeiro livro, “Os Detetives Selvagens”, foi editado naquele país em 2004. Comparado em importância ao escritor colombiano Gabriel García Márquez, a revista “Time” o elegeu o melhor escritor do ano. Ele foi premiado postumamente com o destacado National Book Critics Circle Award e teve sua última obra, o monumental romance intitulado “2666” (de mil páginas), comparada aos grandes clássicos da literatura mundial, entre eles “O Homem Sem Qualidades”, do austríaco Robert Musil, e “Em Busca do Tempo Perdido”, do francês Marcel Proust.

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MONUMENTAL
Com mil páginas, “2666” foi escrito nos últimos
cinco anos de vida do autor, morto em 2003

Bolaño passou os últimos cinco anos de sua vida lutando contra uma aguda insuficiência hepática causada por alcoolismo. Nesse período, ele escreveu “2666”, livro que sai agora no Brasil pela Companhia das Letras e que narra cinco diferentes histórias. A ideia original do autor era que fossem editadas separadamente. Em nada perderam em qualidade, no entanto, saindo reunidas num único volume. Duas histórias se destacam. A primeira trata de um grupo de amigos obcecado por um lendário autor alemão recluso. A segunda refere-se a uma cidade mexicana que assiste a uma sucessão de violentos crimes sexuais contra mulheres – fato inspirado em história real ocorrida na década de 1990 no município de Ciudad Juarez. Bolaño viveu em diversos países e fazia uso do psicotrópico heroína. Apresentava-se como poeta e vagabundo. Perto dos 40 anos achou que precisava ganhar dinheiro e para isso tinha de abandonar os poemas e se dedicar aos romances. Com a saúde debilitada pelas drogas, Bolaño morreu ao completar 50 anos. Costumava dizer: “Não se engane, a literatura é uma ocupação muito perigosa.”

Confira trecho do livro

A primeira vez que Jean‑Claude Pelletier leu Benno von Archimboldi foi
no Natal de 1980, em Paris, onde fazia estudos universitários de literatura
alemã, aos dezenove anos de idade. O livro era D’Arsonval. O jovem Pelletier
então ignorava que esse romance era parte de uma trilogia (formada por O
jardim, de tema inglês, A máscara de couro, de tema polonês, assim como
D’Arsonval era, evidentemente, de tema francês), mas essa ignorância ou esse
vazio ou esse desleixo bibliográfico, que só podia ser atribuído à sua extrema
juventude, não subtraiu em nada o deslumbramento e a admiração que o
romance lhe causou.
A partir desse dia (ou das altas horas noturnas em que deu por encerrada
aquela leitura inaugural), se converteu num archimboldiano entusiasta e deu
início à peregrinação em busca de mais obras desse autor. Não foi tarefa fácil.
Conseguir, mesmo em Paris, livros de Benno von Archimboldi nos anos 80 do
século xx não era de forma alguma um trabalho que não acarretasse múltiplas
dificuldades. Na biblioteca do departamento de literatura alemã da sua universidade
não se encontrava quase nenhuma referência sobre Archimboldi. Os
professores não tinham ouvido falar nele. Um deles disse que o nome não lhe
era estranho. Com furor (com espanto), Pelletier descobriu ao cabo de dez
minutos que o que não era estranho a seu professor era o nome do pintor italiano,
ao qual, aliás, sua ignorância também se estendia de forma olímpica.
Escreveu à editora de Hamburgo que havia publicado D’Arsonval e
jamais recebeu resposta. Percorreu, também, as poucas livrarias alemãs que
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pôde encontrar em Paris. O nome de Archimboldi aparecia num dicionário
de literatura alemã e numa revista belga, dedicada, nunca soube se de brincadeira
ou a sério, à literatura prussiana. Em 1981, com três amigos da faculdade,
viajou pela Baviera e lá, numa livrariazinha de Munique, na Voralmstrasse,
encontrou outros dois livros, o magro volume de menos de cem páginas
intitulado O tesouro de Mitzi e o já mencionado O jardim, o romance inglês.
A leitura desses dois novos livros contribuiu para fortalecer a opinião que
tinha sobre Archimboldi. Em 1983, aos vinte e dois anos, deu início à tarefa
de traduzir D’Arsonval. Ninguém lhe pediu que o fizesse. Não havia então
nenhuma editora francesa interessada em publicar esse alemão de nome estranho.
Pelletier começou a traduzi‑lo basicamente porque gostava, porque era
feliz fazendo isso, embora também tenha pensado que podia apresentar essa
tradução, precedida por um estudo sobre a obra archimboldiana, como tese e,
quem sabe, como o primeiro passo do seu futuro doutorado.
Acabou a versão definitiva da tradução em 1984, e uma editora parisiense,
após algumas hesitantes e contraditórias leituras, aceitou‑a, e publicaram
Archimboldi, cujo romance, destinado a priori a não passar da cifra de
mil exemplares vendidos, esgotou depois de um par de resenhas contraditórias,
positivas, até mesmo excessivas, os três mil exemplares da tiragem,
abrindo as portas para uma segunda, terceira e quarta edição.
Por então, Pelletier já tinha lido quinze livros do autor alemão, traduzido
outros dois, e era considerado, quase unanimemente, o maior especialista em
Benno von Archimboldi que havia em toda a extensão da França.
Então Pelletier pôde se lembrar do dia em que leu Archimboldi pela
primeira vez e se viu a si mesmo, jovem e pobre, morando numa chambre de
bonne, compartilhando a pia, onde lavava a cara e escovava os dentes, com
outras quinze pessoas que moravam na escura água‑furtada, cagando num
banheiro horrível e pouco higiênico, que de banheiro não tinha nada, estava
muito mais para cloaca ou fossa séptica, compartilhado igualmente com os
quinze residentes da água‑furtada, alguns dos quais já haviam voltado às
províncias, munidos do correspondente diploma universitário, ou então
tinham se mudado para lugares um pouco mais confortáveis na própria
Paris, ou então, uns poucos, continuavam ali, vegetando ou morrendo lentamente
de asco.
Viu‑se, como foi dito, a si mesmo, ascético e debruçado sobre seus dicionários
alemães, iluminado por uma lâmpada fraca, magro e obstinado, como
se todo ele fosse vontade feita carne, ossos e músculos, nada de gordura, fanático
e decidido a chegar a bom porto, enfim, uma imagem bastante normal de
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estudante na capital, mas que agiu nele como uma droga, uma droga que o
fez chorar, uma droga que abriu, como disse um poeta cafona holandês do
século xix, as eclusas da emoção e de algo que à primeira vista parecia autocomiseração
mas não era (o que era, então? raiva?, provavelmente), e que o
levou a pensar e repensar, não com palavras mas com imagens dolorosas, seu
período de aprendizado juvenil e que depois de uma longa noite talvez inútil
forçou em sua mente duas conclusões: a primeira, que a vida tal como ele
havia vivido até então tinha se acabado; a segunda, que uma brilhante carreira
se abria diante dele e que, para que esta não perdesse o brilho, devia conservar,
como única recordação daquela água‑furtada, sua vontade. A tarefa não
lhe pareceu difícil.
Jean‑Claude Pelletier nasceu em 1961, e em 1986 já era catedrático de
alemão em Paris. Piero Morini nasceu em 1956, num lugarejo próximo de
Nápoles, e embora tenha lido Benno von Archimboldi pela primeira vez em
1976, isto é, quatro anos antes de Pelletier, foi só em 1988 que traduziu seu
primeiro romance do autor alemão, Bifurcaria bifurcata, que passou pelas
livrarias italianas em brancas nuvens, branquíssimas.
A situação de Archimboldi na Itália, há que ressaltar, era bem distinta da
francesa. Na verdade, Morini não foi o primeiro tradutor que ele teve. Mais
ainda, o primeiro romance de Archimboldi que caiu nas mãos de Morini foi
uma tradução de A máscara de couro feita por um tal de Colossimo para a
Einaudi no ano de 1969. Depois de A máscara de couro, foi publicado na Itália
Rios da Europa, em 1971, Herança, em 1973, e A perfeição ferroviária, em 1975,
e antes havia sido publicada, por uma editora romana, em 1964, uma seleção de
contos em que não escasseavam as histórias de guerra, intitulada Os bas‑fonds
de Berlim. De modo que se poderia dizer que Archimboldi não era um completo
desconhecido na Itália, embora também não se pudesse dizer que fosse
um autor de sucesso ou de mediano sucesso ou de pouco sucesso, mas antes de
nulo sucesso, cujos livros envelheciam nas estantes mais bolorentas das livrarias
ou eram vendidos na bacia das almas ou esquecidos nos depósitos das editoras
antes de serem guilhotinados.
Morini, é claro, não se intimidou com as baixas expectativas que a obra
de Archimboldi provocava no público italiano e depois de traduzir Bifurcaria
bifurcata enviou dois estudos archimboldianos, um a uma revista de Milão,
outro a uma de Palermo, um sobre o destino em A perfeição ferroviária, outro
sobre os múltiplos disfarces da consciência e da culpa em Leteia, um romance
de aparência erótica, e em Bitzius, um romance de menos de cem páginas, de
certo modo similar a O tesouro de Mitzi, o livro que Pelletier encontrou numa
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velha livraria de Munique, cujo argumento se centrava na vida de Albert Bitzius,
pastor de Lützelflüh, no cantão de Berna, e autor de sermões, além de
escritor sob o pseudônimo de Jeremias Gotthelf. Ambos os ensaios foram
publicados e a eloquência ou o poder de sedução empregados por Morini ao
apresentar a figura de Archimboldi derrubaram os obstáculos, e em 1991 uma
segunda tradução de Piero Morini, dessa vez de São Tomás, veio à luz na Itália.
Por essa época, Morini dava aulas de literatura alemã na Universidade de
Turim, e os médicos já haviam detectado nele uma esclerose múltipla e ele já
havia sofrido um espetacular e estranho acidente que o tinha pregado para
sempre numa cadeira de rodas.
Manuel Espinoza chegou a Archimboldi por outros caminhos. Mais moço
que Morini e que Pelletier, Espinoza não estudou, pelo menos nos dois primeiros
anos da sua carreira universitária, filologia alemã, mas sim filologia espanhola,
entre outras tristes razões porque Espinoza sonhava ser escritor. Da literatura
alemã só conhecia (e mal) três clássicos, Hölderlin, porque aos dezesseis
anos acreditou que seu destino estava na poesia e devorava todos os livros de
poesia a seu alcance, Goethe, porque no último ano do colégio um professor
piadista recomendou que lesse Werther, onde encontraria uma alma gêmea, e
Schiller, de quem tinha lido uma peça de teatro. Depois frequentaria a obra de
um autor moderno, Jünger, sobretudo por simbiose, pois os escritores madrilenhos
que ele admirava e, no fundo, odiava com toda a sua alma, falavam de Jünger
sem parar. De modo que se pode dizer que Espinoza só conhecia um autor
alemão, e esse autor era Jünger. A princípio, a obra deste lhe pareceu magnífica,
e como grande parte de seus livros estava traduzida em espanhol, Espinoza não
teve problema para encontrar e ler todos. Gostaria que não tivesse sido tão fácil.
A gente que ele frequentava, aliás, não só eram devotos de Jünger, alguns eram
também seus tradutores, algo a que Espinoza não dava a mínima, pois o brilho
que ele cobiçava não era o do tradutor e sim o do escritor.
A passagem dos meses e dos anos, que costuma ser calada e cruel, lhe
trouxe algumas desgraças que fizeram variar suas opiniões. Não demorou, por
exemplo, a descobrir que o grupo de jüngerianos não era tão jüngeriano
quanto ele tinha acreditado, mas que, como todo grupo literário, estava sujeito
à mudança das estações, e no outono, efetivamente, eram jüngerianos, mas
no inverno se transformavam abruptamente em barojianos, e na primavera
orteguianos, e no verão inclusive abandonavam o bar onde se reuniam para
sair à rua entoando versos bucólicos em homenagem a Camilo José Cela,
coisa que o jovem Espinoza, que no fundo era um patriota, teria estado disposto
a aceitar sem reservas se houvesse um espírito mais jovial, mais carnava19
lesco em tais manifestações, mas que de modo algum podia levar tão a sério
quanto os jüngerianos espúrios levavam.
Mais grave foi descobrir a opinião que seus próprios ensaios narrativos
suscitavam no grupo, uma opinião tão ruim que em certas ocasiões, uma
noite de insônia, por exemplo, chegou a se perguntar seriamente se aquela
gente não estava lhe pedindo nas entrelinhas que caísse fora, que parasse de
enchê‑los, que não voltasse mais.
Mais grave ainda foi quando Jünger em pessoa apareceu em Madri e o
grupo de jüngerianos organizou para ele uma visita ao Escorial, estranho
capricho do mestre, visitar El Escorial, e quando Espinoza quis se juntar à
expedição, na função que fosse, essa honra lhe foi negada, como se os pretensos
jüngerianos não o considerassem com méritos suficientes para fazer parte
da guarda de honra do alemão ou como se temessem que ele, Espinoza,
pudesse deixá‑los em maus lençóis com alguma tirada de rapazola abstruso,
embora a explicação oficial que lhe deram (vai ver que ditada por um impulso
piedoso) tenha sido a de que ele não sabia alemão e todos que iam ao piquenique
com Jünger sabiam.
Aí se acabou a história de Espinoza com os jüngerianos. E aí começou a
solidão e a chuva (ou o temporal) de propósitos muitas vezes contraditórios ou
impossíveis de realizar. Não foram noites cômodas muito menos prazenteiras,
mas Espinoza descobriu duas coisas que o ajudaram muito nos primeiros dias:
jamais seria um narrador e, à sua maneira, era um jovem valente.
Também descobriu que era um jovem rancoroso e que estava cheio de
ressentimento, que supurava ressentimento, e que não lhe teria custado nada
matar alguém, quem quer que fosse, contanto que aliviasse a solidão, a chuva
e o frio de Madri, mas preferiu deixar essa descoberta na obscuridade, centrar‑se
na sua aceitação de que jamais seria um escritor e tirar todo partido do
mundo de sua recém‑exumada coragem.
Continuou, pois, na universidade estudando filologia espanhola, mas ao
mesmo tempo se matriculou em filologia alemã. Dormia de quatro a cinco
horas diárias e o resto do dia era dedicado a estudar. Antes de terminar filologia
alemã, escreveu um ensaio de vinte páginas sobre a relação entre Werther e a
música, que foi publicado numa revista literária madrilenha e numa revista universitária
de Göttingen. Aos vinte e cinco anos havia terminado ambos os cursos.
Em 1990, obteve o doutorado em literatura alemã com um trabalho sobre
Benno von Archimboldi, que uma editora de Barcelona publicaria um ano
depois. À época, Espinoza era um habitué de congressos e mesas redondas sobre
literatura alemã. Seu domínio dessa língua era, se não excelente, mais do que
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aceitável. Também falava inglês e francês. Como Morini e Pelletier, tinha um
bom emprego e rendimentos consideráveis, e era respeitado (até onde isso era
possível) tanto por seus alunos como por seus colegas. Nunca traduziu Archimboldi
nem qualquer outro autor alemão.
Além de Archimboldi, Morini, Pelletier e Espinoza tinham uma coisa
em comum. Os três possuíam uma vontade de ferro. Na realidade, tinham
mais outra coisa em comum, mas disso falaremos mais tarde.
Liz Norton, pelo contrário, não era o que comumente se chama uma
mulher de grande vontade, isto é, não fazia planos a médio ou longo prazo
nem punha em jogo todas as suas energias para realizá‑los. Era isenta dos
atributos da vontade. Quando sofria uma dor, facilmente se percebia, e
quando era feliz, a felicidade que experimentava se tornava contagiosa. Era
incapaz de traçar com clareza uma meta determinada e de manter uma
continuidade na ação que a levasse a coroar essa meta. Nenhuma meta, por
sinal, era suficientemente apetecível ou desejada para que ela se comprometesse
totalmente. A expressão “alcançar um fim”, aplicada a algo pessoal,
lhe parecia uma arapuca repleta de mesquinharia. A “alcançar um fim”
antepunha a palavra “viver” e em raras ocasiões a palavra “felicidade”. Se a
vontade se relaciona a uma exigência social, como acreditava William
James, e portanto é mais fácil ir à guerra do que parar de fumar, de Liz Norton
se podia dizer que era uma mulher para quem era mais fácil parar de
fumar do que ir à guerra.
Uma vez, na universidade, alguém lhe contou isso, e ela ficou encantada,
se bem que nem por isso tenha começado a ler William James, nem antes nem
depois nem nunca. Para ela a leitura estava relacionada diretamente com o prazer
e não diretamente com o conhecimento ou com os enigmas ou com as construções
e labirintos verbais, como acreditavam Morini, Espinoza e Pelletier.
Sua descoberta de Archimboldi foi a menos traumática ou poética de
todas. Durante os três meses que morou em Berlim, em 1988, aos vinte anos
de idade, um amigo alemão lhe emprestou um romance de um autor que ela
desconhecia. O nome lhe causou estranheza, como era possível, perguntou
ao amigo, que existisse um escritor alemão com sobrenome de italiano e no
entanto tivesse o von, indicativo de certa nobreza, precedendo o nome? O
amigo alemão não soube o que responder. Provavelmente era um pseudônimo,
disse. E também acrescentou, para somar mais estranheza à estranheza
inicial, que na Alemanha não eram comuns os nomes próprios masculinos
terminados em vogal. Os nomes próprios femininos sim. Mas os nomes próprios
masculinos certamente não. O romance era A cega e lhe agradou, mas
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não a ponto de sair correndo até uma livraria para comprar o resto da obra de
Benno von Archimboldi.
Cinco meses depois, já instalada na Inglaterra, Liz Norton recebeu pelo
correio um presente de seu amigo alemão. Se tratava, como é fácil adivinhar,
de outro romance de Archimboldi. Leu, gostou, procurou na biblioteca do
seu college mais livros do alemão de nome italiano e encontrou dois: um deles
era o que já havia lido em Berlim, o outro era Bitzius. A leitura deste último,
sim, a fez sair correndo. No pátio quadriculado chovia, o céu quadriculado
parecia o ricto de um robô ou de um deus feito à nossa semelhança, no gramado
do parque as oblíquas gotas de chuva deslizavam para baixo, mas daria
no mesmo se deslizassem para cima, depois as oblíquas (gotas) se transformavam
em circulares (gotas) que eram tragadas pela terra que sustentava o gramado,
o gramado e a terra pareciam conversar, não, conversar não, discutir, e
suas palavras ininteligíveis eram como teias de aranha cristalizadas ou brevíssimos
vômitos cristalizados, um rangido apenas audível, como se Norton, em
vez de chá preto, naquela tarde houvesse tomado um chá de peiote.
Mas a verdade é que só havia tomado chá preto e que se sentia oprimida,
como se uma voz houvesse repetido no seu ouvido uma oração terrível, cujas
palavras fossem sumindo à medida que se afastava do college e a chuva
molhava sua saia cinzenta e os joelhos ossudos e os formosos tornozelos e
pouca coisa mais, pois Liz Norton, antes de sair correndo através do parque,
não tinha esquecido de abrir o guarda‑chuva.
A primeira vez que Pelletier, Morini, Espinoza e Norton se viram foi
num congresso de literatura alemã contemporânea realizado em Bremen, em
1994. Antes, Pelletier e Morini tinham se conhecido durante as jornadas de
literatura alemã realizadas em Leipzig em 1989, quando a ddr estava agonizando,
e depois tornaram a se ver no simpósio de literatura alemã realizado
em Mannheim em dezembro do mesmo ano (e que foi um desastre, com
hotéis ruins, comida ruim e péssima organização). No encontro de literatura
alemã moderna, realizado em Zurique em 1990, Pelletier e Morini se encontraram
com Espinoza. Espinoza voltou a ver Pelletier no balanço da literatura
europeia do século xx realizado em Maastricht em 1991 (Pelletier levava uma
comunicação intitulada “Heine e Archimboldi: caminhos convergentes”,
Espinoza uma comunicação intitulada “Ernst Jünger e Benno von Archimboldi:
caminhos divergentes”), e se poderia dizer, com pouco risco de equívoco,
que a partir daquele momento não só se liam mutuamente em revistas
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especializadas como ficaram amigos ou que entre eles cresceu algo similar a
uma relação de amizade. Em 1992, na reunião de literatura alemã de Augsburg,
Pelletier, Espinoza e Morini tornaram a se encontrar. Os três apresentavam
trabalhos archimboldianos. Durante uns meses falou‑se que o próprio
Benno von Archimboldi pensava comparecer a essa grande reunião que congregaria,
além dos germanistas de sempre, um nutrido grupo de escritores e
poetas alemães, mas na hora da verdade, dois dias antes da reunião, chegou
um telegrama da editora hamburguesa de Archimboldi pedindo desculpas
pela ausência dele. Aliás, a reunião foi um fracasso. Na opinião de Pelletier, a
única coisa interessante foi uma conferência pronunciada por um velho professor
berlinense sobre a obra de Arno Schmidt (eis um nome próprio alemão
terminado em vogal) e pouca coisa mais, opinião compartilhada por Espinoza
e, menos, por Morini.
O tempo livre que sobrou, que foi muito, eles dedicaram a passear pelos,
na opinião de Pelletier, pífios lugares interessantes de Augsburg, cidade que
também pareceu pífia para Espinoza, e que para Morini só pareceu um pouco
pífia, mas pífia afinal de contas, empurrando, ora Espinoza, ora Pelletier, a
cadeira de rodas do italiano, cuja saúde naquela ocasião não estava muito boa,
mas antes pífia, de modo que seus dois companheiros e colegas estimaram
que um pouco de ar fresco não ia lhe cair mal, aliás pelo contrário.
Do congresso seguinte de literatura alemã, realizado em Paris em janeiro
de 1992, só participaram Pelletier e Espinoza. Morini, que também havia sido
convidado, se encontrava naqueles dias com a saúde mais quebrantada que de
costume, de modo que seu médico o desaconselhou, entre outras coisas, a viajar,
ainda que a viagem fosse curta. O congresso não foi ruim e apesar de Pelletier
e Espinoza estarem com a agenda lotada, encontraram uma brecha para
jantar num restaurantezinho da rue Galande, perto de Saint‑Julien‑le‑Pauvre,
onde, além de falar de seus respectivos trabalhos e gostos, se dedicaram, durante
a sobremesa, a especular sobre a saúde do melancólico italiano, uma saúde
ruim, uma saúde quebradiça, uma saúde infame que no entanto não o havia
impedido de começar um livro sobre Archimboldi, um livro que, conforme
Pelletier explicou que o italiano lhe dissera na outra ponta da linha telefônica,
não sabia se a sério ou de brincadeira, podia ser o grande livro archimboldiano,
o peixe‑piloto que ia nadar por muito tempo ao lado do grande tubarão negro
que era a obra do alemão. Ambos, Pelletier e Espinoza, respeitavam os estudos
de Morini, mas as palavras de Pelletier (pronunciadas como que no interior
de um velho castelo ou como no interior de uma masmorra escavada sob o
fosso de um velho castelo) soaram como uma ameaça no aprazível restaurantezinho
da rue Galande e contribuíram para botar um ponto final numa noitada
que tinha se iniciado sob os auspícios da cortesia e dos desejos satisfeitos.
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* * *
Nada disso azedou a relação que Pelletier e Espinoza mantinham com
Morini.
Voltaram a se encontrar os três na assembleia de literatura de língua
alemã realizada em Bolonha, em 1993. Também participaram os três do
número 46 da revista Estudos Literários de Berlim, um número monográfico
dedicado à obra de Archimboldi. Não era a primeira vez que colaboravam
para a revista berlinense. No número 44 havia aparecido um texto de Espinoza
sobre a ideia de Deus na obra de Archimboldi e Unamuno. No número
38 Morini publicou um artigo sobre o estado do ensino da literatura alemã na
Itália. E no 37 Pelletier trouxe a lume uma perspectiva dos escritores alemães
do século xx mais importantes na França e na Europa, texto que, diga‑se de
passagem, suscitou mais de um protesto e até alguma grosseria.
Mas o número 46 é o que nos importa, pois nele não só ficaram patentes
os grupos archimboldianos antagônicos, o de Pelletier, Morini e Espinoza
contra o de Schwarz, Borchmeyer e Pohl, mas também porque nesse número
foi publicado um texto de Liz Norton, brilhantíssimo segundo Pelletier, bem
argumentado segundo Espinoza, interessante segundo Morini, e que, além
do mais (e sem que ninguém pedisse), se alinhava às teses do francês, do espanhol
e do italiano, que eram citados em várias ocasiões, demonstrando que
ela conhecia perfeitamente bem seus trabalhos e monografias aparecidos em
revistas especializadas ou em pequenas editoras.
Pelletier pensou em lhe escrever uma carta, mas afinal não o fez. Espinoza
telefonou para Pelletier e perguntou se não seria conveniente entrarem
em contato com ela. Inseguros, ficaram de perguntar a Morini. Morini se absteve
de dizer o que quer que fosse. De Liz Norton a única coisa que sabiam
era que dava aula de literatura alemã numa universidade de Londres. E que
não era, como eles, catedrática.
O congresso de literatura alemã de Bremen foi agitado. Sem que os
estudiosos alemães de Archimboldi esperassem, Pelletier, secundado por
Morini e Espinoza, passou ao ataque como Napoleão em Iena e as derrotadas
bandeiras de Pohl, Schwarz e Borchmeyer não demoraram a debandar
para as cafeterias e tabernas de Bremen. Os jovens professores alemães que
participaram do congresso, de início perplexos, tomaram o partido, embora
com todas as devidas reservas, de Pelletier e seus amigos. O público, grande
parte do qual era formado de universitários que haviam vindo de Göttingen
de trem ou em vans, também optou pelas inflamadas e lapidares interpreta24
ções de Pelletier, sem nenhum tipo de reserva, entregue com entusiasmo à
visão dionisíaca, festiva, de exegese de último carnaval (ou penúltimo carnaval)
defendida por Pelletier e Espinoza. Dois dias depois Schwarz e seus
cupinchas contra‑atacaram. Contrapuseram à figura de Archimboldi a de
Heinrich Böll. Falaram de responsabilidade. Contrapuseram à figura de
Archimboldi a de Uwe Johnson. Falaram de sofrimento. Contrapuseram à
figura de Archimboldi a de Günter Grass. Falaram de compromisso cívico.
Borchmeyer, inclusive, contrapôs à figura de Archimboldi a de Friedrich
Dürrenmatt e falou do humor, o que pareceu a Morini o cúmulo do descaramento.
Então apareceu, providencial, Liz Norton e desbaratou o contra‑ataque
como um Desaix, como um Lannes, uma amazona loura que
falava um alemão corretíssimo, talvez rápido demais, e que dissertou acerca
de Grimmelshausen, de Gryphius e de muitos outros, inclusive Teophrastus
Bombastus von Hohenheim, que todo mundo conhece melhor pelo
nome de Paracelso.
Essa mesma noite jantaram juntos numa estreita e comprida taberna
situada perto do rio, numa rua escura ladeada por edifícios hanseáticos, alguns
dos quais pareciam postos abandonados da administração pública nazista, à
qual chegaram descendo uma escada molhada pelo chuvisco.
O lugar não podia ser mais atroz, pensou Liz Norton, mas a noitada foi
longa e agradável, e a atitude de Pelletier, Morini e Espinoza, nada arrogante,
contribuiu para que Norton se sentisse à vontade. Claro, ela conhecia a maior
parte dos trabalhos deles, mas o que a surpreendeu (agradavelmente, decerto)
foi que eles também conhecessem alguns trabalhos seus. A conversa se desenrolou
em quatro fases: primeiro riram da descompostura que Norton tinha
passado em Borchmeyer e do espanto crescente de Borchmeyer ante as acometidas
cada vez mais impiedosas de Norton, depois falaram de futuros
encontros, em especial de um muito estranho que ia se realizar na Universidade
de Minnesota, onde se pensava reunir mais de quinhentos professores,
tradutores e especialistas em literatura alemã e sobre o qual Morini tinha fundadas
suspeitas de que se tratava de um blefe, depois falaram de Benno von
Archimboldi e da sua vida, da qual tão pouco se sabia: todos, começando por
Pelletier e terminando em Morini, que apesar de costumar ser o mais calado,
naquela noite se mostrou loquaz, explicaram anedotas e fofocas, compararam
pela enésima vez vagas informações já sabidas e especularam, como quem
torna a falar de um filme querido, sobre o segredo do paradeiro e da vida do
grande escritor, finalmente, enquanto andavam pelas ruas molhadas e luminosas
(isso sim, de uma luminosidade intermitente, como se Bremen fosse
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uma máquina a que só de quando em quando percorriam vívidas e breves
descargas elétricas), falaram de si mesmos.
Os quatro eram solteiros, e isso lhes pareceu um sinal alentador. Os quatro
moravam sozinhos, embora às vezes Liz Norton compartilhasse seu apartamento
de Londres com um irmão aventureiro que trabalhava numa ong e
que só uma ou duas vezes por ano voltava à Inglaterra. Os quatro se dedicavam
às suas carreiras, embora Pelletier, Espinoza e Morini fossem doutores, e
os dois primeiros, além disso, dirigissem seus respectivos departamentos,
enquanto Norton estava começando a preparar seu doutorado e não esperava
chegar a chefe de departamento de alemão de sua universidade.
Naquela noite, antes de adormecer, Pelletier não recordou as pendengas
do congresso mas pensou em si mesmo caminhando pelas ruas adjacentes ao
rio e em Liz Norton, que caminhava a seu lado, enquanto Espinoza empurrava
a cadeira de rodas de Morini e os quatro riam dos animaizinhos de Bremen,
que os observavam ou observavam suas sombras no asfalto, montados
harmoniosamente, candidamente, um no lombo do outro.
A partir desse dia e dessa noite não passava uma semana sem que se falassem
regularmente, os quatro, sem reparar na conta telefônica, e em certas
ocasiões nas horas mais intempestivas.
Às vezes era Liz Norton que ligava para Espinoza e perguntava por Morini,
com quem havia falado no dia anterior e que havia achado um pouco deprimido.
Nesse mesmo dia Espinoza telefonava a Pelletier e lhe informava que
segundo Norton a saúde de Morini havia piorado, ao que Pelletier respondia
ligando imediatamente para Morini, lhe perguntando sem rodeios por seu
estado de saúde, rindo com ele (pois Morini procurava não falar nunca a sério
sobre esse tema), trocando algum detalhe sem importância sobre o trabalho,
para depois telefonar à inglesa, à meia‑noite, por exemplo, após retardar o prazer
do telefonema com um jantar frugal e gostoso, e lhe assegurar que Morini,
dentro do que se podia esperar, estava bem, normal, estável, e que aquilo que
Norton havia tomado por depressão não era mais que o estado natural do italiano,
sensível às mudanças climáticas (talvez em Turim fizesse um dia feio, talvez
Morini naquela noite houvesse sonhado vá saber que tipo de sonho horrível),
encerrando de tal maneira um ciclo que no dia seguinte ou dois dias depois
tornava a recomeçar com um telefonema de Morini a Espinoza, sem pretexto
algum, um telefonema para cumprimentá‑lo, simplesmente, um telefonema
para falar um pouquinho e que se consumia, indefectivelmente, em coisas sem
importância, observações sobre o tempo (como se Morini e o próprio Espinoza
estivessem se apropriando de alguns dos costumes dialógicos britânicos), reco26
mendações de filmes, comentários desapaixonados sobre livros recentes, enfim,
uma conversa telefônica mais para soporífera ou pelo menos desanimada, mas
que Espinoza escutava com insólito entusiasmo ou com fingido entusiasmo ou
com carinho, de qualquer modo com civilizado interesse, e que Morini estendia
como se nela jogasse sua vida e a que se seguia, ao cabo de dois dias ou de
algumas horas, um telefonema mais ou menos nos mesmos termos que Espinoza
dava a Norton, e que esta dava a Pelletier, e que este retribuía a Morini,
para voltar a recomeçar, dias depois, transmutado num código hiperespecializado,
significado e significante em Archimboldi, texto, subtexto e paratexto,
reconquista da territorialidade verbal e corporal nas páginas finais de Bitzius,
que no caso era o mesmo que falar de cinema ou dos problemas do departamento
de alemão ou das nuvens que passavam incessantes, da manhã à noite,
pelas respectivas cidades de cada um.
Tornaram a se encontrar no colóquio de literatura europeia do pós‑guerra
realizado em Avignon no final de 1994. Norton e Morini foram como espectadores,
embora a viagem fosse financiada por suas respectivas universidades,
e Pelletier e Espinoza apresentaram trabalhos críticos sobre a importância da
obra de Archimboldi. O trabalho do francês era centrado na insularidade, na
ruptura que parecia ornar a totalidade dos livros de Archimboldi em relação à
tradição alemã, mas não a certa tradição europeia. O trabalho do espanhol,
um dos mais amenos que Espinoza jamais escreveu, girou em torno do mistério
que velava a figura de Archimboldi, de quem virtualmente ninguém, nem
seu editor, sabia nada: seus livros apareciam sem fotos na orelha ou na quarta
capa; seus dados biográficos eram mínimos (escritor alemão nascido na Prússia
em 1920), seu local de residência era um mistério, se bem que em certa
ocasião seu editor, num deslize, tenha confessado a uma jornalista do Spiegel
ter recebido um dos manuscritos da Sicília, nenhum dos seus colegas ainda
vivos nunca o tinha visto, não existia nenhuma biografia dele em alemão, apesar
de a venda de seus livros estar em linha ascendente tanto na Alemanha
como no resto da Europa e até nos Estados Unidos, que gosta dos escritores
desaparecidos (desaparecidos ou milionários) ou da lenda dos escritores desaparecidos,
e onde sua obra começava a circular profusamente, já não só nos
departamentos de alemão das universidades, como também nos campi e fora
dos campi, nas vastas cidades que amavam a literatura oral ou visual.
De noite, Pelletier, Morini, Espinoza e Norton iam jantar juntos, às
vezes acompanhados por um ou dois professores de alemão que conheciam
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havia tempo e que costumavam se recolher cedo a seus hotéis ou permaneciam
até o fim das noitadas, mas num discreto segundo plano, como se
entendessem que a figura de quatro ângulos que os archimboldianos compunham
era impenetrável e também, àquela hora da noite, capaz de se virar
violentamente contra qualquer ingerência alheia. No fim, sempre restavam
eles quatro caminhando pelas ruas de Avignon com a mesma despreocupada
felicidade com que haviam caminhado pelas enegrecidas e burocráticas
ruas de Bremen, e como caminhariam pelas variegadas ruas que o futuro
lhes tinha reservado, Morini empurrado por Norton, com Pelletier à sua
esquerda e Espinoza à sua direita, ou Pelletier empurrando a cadeira de
rodas de Morini, com Espinoza à esquerda e Norton, à frente deles, andando
de costas e rindo com a plenitude dos seus vinte e seis anos, um riso magnífico
que eles não tardavam em imitar embora certamente tivessem preferido
não rir e só olhar para ela, ou então os quatro alinhados e parados junto à
mureta de um rio historiado, isto é, um rio que não era mais selvagem,
falando da sua obsessão alemã sem se interromperem uns aos outros, exercitando
e degustando a inteligência do outro, com longos intervalos de silêncio
que nem mesmo a chuva podia alterar.
Quando Pelletier voltou de Avignon em fins de 1994, quando abriu a
porta do seu apartamento de Paris e pôs a mala no chão e fechou a porta,
quando se serviu um copo de uísque e correu as cortinas e viu a paisagem de
sempre, um fragmento da place de Breteuil e o edifício da unesco ao fundo,
quando tirou o blazer e deixou o copo de uísque na cozinha e ouviu os recados
na secretária, quando sentiu sono, as pálpebras pesadas, mas em vez de ir
para a cama e dormir, tirou a roupa e tomou uma chuveirada, quando ligou o
computador vestindo um roupão branco que chegava quase aos tornozelos, só
então se deu conta de que sentia saudade de Liz Norton e de que teria dado
tudo o que tinha para estar com ela naquele momento, não só conversando
mas também na cama, para dizer a ela que a amava e para ouvir da sua boca
que seu amor era correspondido.
Espinoza sentiu algo semelhante, com duas ligeiras diferenças em relação
a Pelletier. A primeira foi que não esperou até chegar a seu apartamento
de Madri para sentir a necessidade de estar junto a Liz Norton. Já no avião
soube que ela era a mulher ideal, a que ele sempre havia procurado, e começou
a sofrer. A segunda foi que nas imagens ideais da inglesa que passavam
em velocidade supersônica por sua cabeça enquanto seu avião voava a setecentos
quilômetros por hora rumo à Espanha, havia mais cenas de sexo, não
muitas, porém mais do que as imaginadas por Pelletier.

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