Ministro teme que oposição use mensalão na campanha somente para atacar Lula e não para discutir ética pública

O gaúcho de São Borja Tarso Genro, ministro das Relações Institucionais e Articulação Política, é hoje o homem mais forte do governo Lula. Principal conselheiro do presidente, ele ocupa o espaço mais cobiçado do Planalto: um gabinete no terceiro andar bem ao lado do de Lula. Sua principal missão é articular uma base de sustentação no Congresso para um eventual segundo mandato. Mas não é só de articulações que vive o ministro. Em passagem por São Paulo, Tarso Genro falou a ISTOÉ. Ele está preocupado com o nível da campanha eleitoral no pós-mensalão. Segundo ele, explorar o escândalo com a intenção de só atacar o presidente Lula é baixar o nível do debate. Educado e calmo, deixou escapar que, se a oposição insistir no tema, o PT poderá rebater explorando as denúncias que marcaram os governos FHC: a compra de votos para aprovação da emenda da reeleição e o escândalo das privatizações das teles.

ISTOÉ – O presidente Lula está reeleito?
Tarso Genro

Não. O presidente tem boas condições de se reeleger, mas não é possível dizer que ele tem um favoritismo absoluto. A campanha não começou.

ISTOÉ – Como aproveitar essas condições?
Tarso Genro

Se ele conseguir transmitir para a sociedade tudo aquilo que foi conquistado nesse período, apesar de erros e equívocos, provavelmente ele será reeleito. As mudanças que foram feitas no País – crescimento, distribuição de renda, educação e inclusão social – têm um impacto altamente positivo na vida das pessoas, que, certamente, responderão elegendo Lula.

ISTOÉ – Quais os grandes perigos para a reeleição do presidente?
Tarso Genro

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Que o baixo nível do debate proporcione um afastamento da cidadania do processo eleitoral. Há uma tendência à simplificação quando se debatem determinados assuntos. A simplificação significa acusações de baixo calão. Elas despolitizam o pleito e afastam a população, principalmente as camadas médias e mais desprovidas. Setores em que o presidente tem um acolhimento muito grande.

ISTOÉ – Qual a saída?
Tarso Genro

Não permitir que o debate baixe de nível porque isso favorece a democracia e, na minha opinião, a reeleição.

ISTOÉ – O que o sr. chama de baixar o nível? Explorar o envolvimento do PT no mensalão?
Tarso Genro

Não se pode transformar a eleição numa espécie de corruptômetro. Caso contrário, vamos reduzir o processo eleitoral a acusações. Por exemplo: a partir de determinados ataques, se começa a discutir compra de uma emenda constitucional para reeleição ou a selvageria e ilegalidades nas privatizações. Não se trata, com isso, de temer um debate sobre ética pública. Mas os grandes problemas sobre esse tema no Brasil derivam da falência do atual sistema político e não apenas do planejamento de meia dúzia de indivíduos. A corrupção no Estado brasileiro é sistêmica. Para que baixemos a taxa de ilegalidade, proveito pessoal em cargos públicos e até mesmo de corrupção, temos que prosseguir no caminho do desenvolvimento, das reformas, da educação, do crescimento econômico e no aprofundamento do controle da sociedade sobre o Estado.

ISTOÉ – O PT não está pagando o preço de um padrão que ele mesmo estabeleceu?
Tarso Genro

Esse padrão é do udenismo, um elemento da cultura política do País que as oposições, em regra, utilizam. Quero deixar claro que não se deve excluir o debate da ética política. Ele deve ser realizado e apontar inclusive as responsabilidades. O que não pode acontecer é transformar o debate eleitoral apenas em debate sobre a ética pública. Essa discussão tem que estar embutida em um programa de País.

ISTOÉ – Será possível fazer campanha sem caixa 2?
Tarso Genro

Em termos absolutos não, porque existem caixas 2 que são inevitáveis. Você chega em uma cidade e lá tem um jantar de campanha, cobra-se por ele determinado valor e o troco da despesa é usado para gasolina do candidato a deputado. Isto é uma ilegalidade. Ilegalidades que estão embutidas no modo por meio do qual se organizou o sistema político brasileiro e através do qual se realizam as eleições. De outra parte, creio que o caixa 2 será extremamente residual. Pelo menos é essa pretensão que tem o meu partido. A partir de 1988 houve uma espécie de naturalização do paralelismo no financiamento de campanha. Essa naturalização envolveu todos os partidos. O que devemos fazer é aproximar essas finanças paralelas das finanças legais.

ISTOÉ – Como se faz isso?
Tarso Genro

Com o controle rigoroso do partido e com o controle duríssimo da Justiça Eleitoral. Um grande passo para resolver essa questão seria o financiamento público de campanha. Na verdade, direta ou indiretamente, quem paga essas campanhas é o cidadão e, parte dela, o Estado.


ISTOÉ – Não seria natural, diante desse quadro, que os custos das campanhas baixassem?
Tarso Genro

Os partidos estão com uma preocupação maior de realmente declarar o que eles vão gastar e até de não aceitar ou aceitar menos recursos que não sejam contabilizados, que sejam ilegais. Os candidatos vão ter uma preocupação muito grande de aceitar recursos ilegais por temerem as conseqüências depois do processo eleitoral.

ISTOÉ – Os escândalos jogaram os políticos na vala comum. Não se corre o risco de eleger um Congresso pior do que na última eleição?
Tarso Genro

O prejuízo da classe política é contingente, não é estrutural. Quando ocorrem denúncias como essas a população passa a odiar a política em geral e, conseqüentemente, as pessoas que participam da esfera da política. Mas é preciso observar que não são partidos que são corruptos, não são direções inteiras nem parlamentos inteiros. Quando existe um surto de sadio moralismo ou moralismo udenista, evidentemente as pessoas se cuidam mais e aquele porcentual de pessoas dentro dos partidos que estão propensas à ilegalidade se contém. Isso que aconteceu agora, o que não justifica o ilícito, são acontecimentos históricos no Brasil, que ocorrem em todos os partidos. Portanto, a política vai ser melhor. O que aconteceu não deixa de ser didático para todo mundo.

ISTOÉ – O sr. sempre criticou abertamente os erros do PT e de dirigentes. Como o sr. define o mensalão?
Tarso Genro

Tenho certa dificuldade para compreender o que aconteceu, mas penso que o mensalão foi principalmente um recurso paralelo de campanha cuja origem até agora não é sabida. Todas as apurações feitas não constataram de onde veio esse dinheiro nem desde quando – porque já se sabe que o histórico remonta às eleições anteriores em Minas. A CPI não fez as investigações mais preciosas para que isso pudesse ser extirpado radicalmente: Quem deu o dinheiro? Por quê? E por onde ele transitou? Daí poderíamos ter tido uma análise mais verdadeira da deformidade do sistema político, do sistema partidário.

ISTOÉ – Não fez por quê?
Tarso Genro

Fizeram investigações superficiais, suficientes para abalar o PT, para cassar determinados mandatos e para tentar envolver o presidente da República. Portanto, foram investigações muito limitadas.

ISTOÉ – Qual a estratégia do PT para trazer de volta o eleitor desiludido?
Tarso Genro

Estou ainda curioso para saber qual prejuízo eleitoral o PT vai ter nesse processo. Há um problema grave do PT principalmente junto aos formadores de opinião e à intelectualidade. São duas as causas do afastamento: uma foi a denúncia do mensalão e a outra a linha socioeconômica do governo. Isso causou um certo deslocamento em direção ao PSDB, ao PSOL e ao PSTU. Na minha opinião, isso não será resolvido em um curto espaço de tempo. Esse processo de refundação e reconstrução do PT mal começou – ainda que alguns jornalistas pensem que ele já terminou. Esse processo se dirige em direção ao Congresso do partido. Será a primeira etapa de um movimento de reconstituição do imaginário utópico democrático e socialista do PT.

ISTOÉ – É suficiente para o PT se recuperar?
Tarso Genro

Se o presidente Lula tiver uma votação consagradora essa recuperação poderá ser mais rápida porque o PT poderá participar de um governo que será superior ao primeiro. Será um governo com capacidade de fazer mudanças socioeconômicas com mais visibilidade. Se as eleições derem um baque na votação para os parlamentares do partido, mesmo elegendo Lula, essa recuperação será mais lenta, porque aí o eleitor separou o governo Lula do PT. Portanto, isso depende de um conjunto de variáveis
que não estão definidas.


ISTOÉ – O sr é o articulador de uma eventual base de sustentação do próximo governo. Qual a diferença nesse entendimento?
Tarso Genro

Hoje, o governo não é de coalizão. É um governo de frente de lideranças, com partidos e frações de partidos e personalidades. O próximo deverá ser originário de um acordo de diretrizes. O atual se constituiu a partir da necessidade que o presidente Lula tinha de ter maioria no Congresso para governar com certa estabilidade. Essa gestão teve que enfrentar uma situação econômica na qual o País estava à beira do abismo, adotar medidas duras nas políticas monetária e econômica para que o País pudesse decolar, lentamente, pesadamente, mas numa direção correta.

ISTOÉ – O que garante uma mudança na política econômica?
Tarso Genro

O próximo governo vai pegar uma situação de estabilidade consolidada e maior capacidade de crescimento. O presidente Lula assumiu um governo com uma expectativa de desequilíbrio financeiro global sem a confiança dos agentes econômicos. No próximo governo, esse medo estará vencido. Portanto, eu diria: nunca se integraram tantos elementos positivos para fazer um governo melhor que o primeiro num processo de reeleição.

ISTOÉ – Mas é possível um governo melhor com os mesmos parceiros políticos?
Tarso Genro

Tem que haver um reequilíbrio nas relações entre os partidos, balizado por um programa definido, que os obrigue a cumpri-lo sob pena de saírem da coalizão ou do governo. Creio que hoje há maturidade política para isso. Mas nada está garantido no processo político, principalmente num país com a enorme diversidade que temos.

ISTOÉ – Qual o principal problema do adversário tucano Geraldo Alckmin?
Tarso Genro

É representar o que foram os dois governos FHC, tanto para o bem quanto para o mal.

ISTOÉ – O PT vai insistir em comparar as duas gestões?
Tarso Genro

A comparação de projetos para o futuro é o que pode promover uma eleição altamente politizada. É o que atrai a população a participar mais do processo democrático. Quando Alckmin diz, por exemplo, “vou continuar as privatizações” e logo depois esquece o que disse, algo está se engendrando na cabeça dele em relação ao futuro. Mas ele não deixa claro.


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