FRANCOIS MOR/APSorria, Mona Lisa, você está sendo filmada. Já muito se falou de seu sorriso que o gênio e a técnica de Leonardo da Vinci lhe deram, sorriso que, nos últimos tempos, só se vê através do vidro de uma vitrine no Museu do Louvre em Paris. Existe a vitrine, existe um anteparo que a isola dos visitantes, e agora a sua pintura acaba de ganhar um monitoramento tecnológico de última geração, mais um instrumento no arsenal de proteção a forçar o público a admirá-la a uma distância cada vez maior. Trata-se do aparelho Lab-mob, sem fio e capaz de filmá-la dia e noite e denunciar a mais leve alteração de umidade e temperatura que ocorra no interior da vitrine. É longa a trajetória até se chegar a esse Lab-mob.

Uma equipe internacional de especialistas, capitaneada pelo Laboratório de Pesquisa e Restauração do Museu do Louvre, descobriu nos últimos anos que esse quadro, um doLE LOUVRE, P BALLIF/APs mais famosos do mundo, estava empenando. Mona Lisa empenada?! Explica-se: pintada sobre madeira, a obra é sensível às mínimas mudanças ambientais. Iniciou-se, então, uma intensa movimentação para protegê-la. Grupos de peritos da Itália e do Canadá se uniram aos franceses e tomou-se a primeira providência: o quadro ganhou um Data-log, sistema de coleta de dados que armazenava todas as alterações. Ficava, é claro, no interior da vitrine, mas havia um problema: o Data-log registrava os dados, mas não os transmitia, ou seja, para saber o que estava ocorrendo com o mais belo e misterioso sorriso do mundo era preciso retirar o vidro e recolher a engenhoca tecnológica. Veio agora a solução: instalou-se o atual Labmob, que também coleta as informações no interior da vitrine, só que ele tem a vantagem tecnológica de transferi-las (via bluetooth e em tempo real) para o banco de dados dos cientistas que cuidam de Mona Lisa. O Lab-mob filma, ao mesmo tempo e ininterruptamente, a obra e o público que a visita. Contra essa raridade temem-se as flutuações ambientais e eventuais ações destrutivas do homem, temem-se enfim quaisquer fatores que possam danificá-la – tudo está seguro nos padrões do século XXI para o tesouro pintado no século XVI. Deve-se tal proteção ao engenheiro italiano Paolo Dionisi Vici, criador do Lab-mob. “Estamos modelando a movimentação da madeira em função de mudanças ambientais, umidade, temperatura”, disse à ISTOÉ Michel Menu, chefe do Setor de Pesquisa Científica do Laboratório de Restauração do Museu do Louvre. Se levarmos em consideração que o quadro já fica em uma sala com controle de temperatura e umidade, dá para imaginar quanto o novo instrumento de monitoração é sensível – é como se a sala em si fosse uma lente geral e o Labmob, uma espécie de lupa a captar riscos imperceptíveis. “Do ponto de vista de pesquisa, Mona Lisa permitiu reunir especialistas em diversos domínios da ciência e da tecnologia, e vai permitir também a definição de melhores parâmetros de conservação”, diz Menu.

Mona Lisa foi pintada por Leonardo da Vinci entre 1503 e 1506 e, portanto, desde então cinco séculos já se passaram – tempo mais que suficiente, e implacável, para que lhe surgissem “rugas”: leiase, marcas profundas na tela. No mês passado, o engenheiro francês Pascal Cotte divulgou os resultados de uma análise do quadro após debruçar-se por quase três mil horas sobre as fotografias feitas por um super-scanner de 240 megapixels, criado por ele (as câmeras digitais do mercado dificilmente passam dos 10 megapixels). As conclusões são surpreendentes. Cotte descobriu, por exemplo, que a Mona Lisa original tinha sorriso mais expressivo e cores bem diferentes daquelas da que está no Louvre – a pele era rósea e os cabelos castanho-claros. Os tons atuais, mais sombrios, seriam conseqüência do tempo, das restaurações e das sucessivas camadas de verniz às quais o quadro foi submetido. Além disso, as pesquisas tocaram em um ponto polêmico: há quem afirme que a imagem original ostentava cílios e sobrancelhas. Cogita-se, então, de que Leonardo da Vinci tenha pintado esses detalhes depois de o quadro estar pronto e que eles estariam ainda úmidos quando Mona Lisa foi submetida a uma infeliz limpeza com solvente, o que lhe teria causado a alopecia no rosto. A trapalhada, se de fato ocorreu, foi lá no século XVI. Agora, 500 anos depois, Cotte anuncia que achou o fragmento de um pêlo pintado, invisível a olho nu, na altura da sobrancelha esquerda. Michel Menu e outros cientistas do Louvre são céticos em relação a essas informações. “Existe um verniz que envelheceu e amareleceu, mas nossa função é conservar o quadro, e não ficar restaurando”, diz ele. “Somos cientistas da restauração, mas temos de respeitar a história da obra”, conclui o especialista em conservação da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, Luiz Antônio Cruz Souza.