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MUDANÇA
Reunião de bispos brasileiros definirá os rumos das comunidades de base

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Uma transformação política silenciosa vem ocorrendo no seio da Igreja Católica do Brasil, cujo papel político nas últimas décadas esteve intrinsecamente ligado ao Partido dos Trabalhadores. É cada vez mais evidente o fim da hegemonia do PT entre as lideranças religiosas e os leigos que atuam nos movimentos sociais ligados à Igreja Católica. Espécie de caixa de ressonância do petismo nas camadas mais pobres da sociedade, boa parte das chamadas pastorais sociais resolveram sair da clausura e proclamar o rompimento com o governo Lula. Com ataques duros direcionados ao Palácio do Planalto, muitas dessas organizações agora apostam suas fichas em outras legendas. Considerada nos bastidores da Igreja como o maior racha político depois da redemocratização do País, a divisão dos católicos ganhará visibilidade a partir do dia 4 de maio, em Brasília, quando mais de 300 prelados brasileiros estarão reunidos na 48ª Assembleia- Geral dos Bispos do Brasil, evento anual tido como o mais importante encontro da cúpula católica do País. “É o fim de uma hegemonia política, os católicos ficaram mais maduros”, entende dom Cristiano Jakob Krapf, bispo de Jequié (BA). “A Igreja nunca esteve tão dividida”, admite dom Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiás, um dos fundadores da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

A portas fechadas, a reunião dos bispos debaterá durante nove dias a conjuntura política nacional e, prioritariamente, o novo papel das comunidades eclesiais de base (CEBs) – grupo interno da Igreja que surgiu na década de 60 incentivado pelo Concílio Vaticano II para ampliar a leitura dos textos litúrgicos. No Brasil, alinhadas à teologia da libertação, as CEBs ganharam musculatura lutando contra a ditadura militar. Assim como o sindicalismo, do qual veio o presidente Lula, as comunidades eclesiais de base tiveram um papel fundamental na construção e fundação do PT. Como braço dos petistas dentro da Igreja, elas assumiram funções importantes em todas as eleições de Lula e, claro, na sua chegada ao poder.

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“O PT, na verdade, não soube tratar a Igreja como parceira histórica”
Toningo Kalunga, líder das comunidades eclesiais de base

No novo cenário político católico, os dirigentes dessas comunidades – elas são quase 50 mil espalhadas pelo Brasil – estão migrando em massa para o PV, o PSOL e até para o PSTU. “Perdemos a capacidade de nos indignar”, escreveram na última semana as lideranças das Cebs em uma carta entregue aos bispos que participarão da reunião da CNBB. “Está tudo muito confuso, existe muito ressentimento com Lula por causa da defesa do neoliberalismo e do lançamento do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH)”, avalia dom Tomás. A defesa da legalização do aborto e da união civil entre pessoas do mesmo sexo, proposta pelo PNDH, indignou todas as correntes da Igreja Católica e as unificou na crítica ao governo petista. “O PT não soube tratar a Igreja como parceira histórica”, avalia o vereador petista Toningo Kalunga, da cidade de Cotia (SP), dirigente das comunidades de base.

Mas, nesse novo cenário, Dilma pode ganhar o apoio de um segmento da Igreja que historicamente esteve ligado ao PSDB: a Renovação Carismática. Com a transferência do vereador paulistano – e provável candidato ao Senado – Gabriel Chalita do PSDB para o PSB, boa parte desse movimento católico que tem como estrelas principais os padres celebridades Marcelo Rossi e Fábio de Melo tende a apoiar a candidata governista. Isso, claro, se o principal nome do PSB, o deputado cearense Ciro Gomes, desistir de disputar a Presidência da República.

“Para evitar uma eleição plebiscitária e assegurar que a questão ecológica entre como prioridade na pauta das eleições, muitos religiosos estão investindo no apoio a Marina Silva e a outras legendas”, explica Sérgio Coutinho, professor de teologia do Instituto São Boaventura, em Brasília. Assessor da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Coutinho alerta que, hoje, as lideranças da Igreja estão divididas basicamente em três setores: os ambientalistas, os desenvolvimentistas e os espiritualistas, esses últimos, defensores da “volta para a sacristia” dos religiosos militantes. “De certa forma, a Igreja se despolitizou”, diz.

Ainda é cedo para avaliar os possíveis estragos que esse racha provocará na campanha eleitoral, mas o certo é que, para não ficar “pagão”, Lula terá que se desdobrar para atrair a cúpula da CNBB e transferir seu prestígio entre os 73% de católicos brasileiros. O PT e o governo sabem disso e não querem comentar a crise entre os dirigentes religiosos, mas estão à procura de um novo Frei Betto, ex-assessor de Lula e uma das vozes mais respeitadas entre os católicos de esquerda, para acenar a bandeira branca para os católicos.