“Nunca vi fazer tanta exigência, nem fazer o que você me faz, você não sabe o que é consciência, nem vê que eu sou um pobre rapaz…” No samba de Ataulfo Alves e Mário Lago, composto para o Carnaval de 1942, mulher de verdade era a Amélia, aquela que não tinha a menor vaidade. Os anos se passaram, veio a igualdade entre os sexos e eis que o Brasil tem uma nova Amélia. Chama-se Flávia Arruda. Alta, morena e muito sestrosa, ela é também conhecida em Brasília como a Camila Pitanga do Cerrado. Uma mulher vaidosa, mas ao mesmo tempo maternal, compreensiva e especialmente dedicada ao marido. Não houve um único dia, dos 60 em que José Roberto Arruda esteve preso, em que ela não aparecesse na cadeia para levar ao ex-governador do Distrito Federal um pijaminha macio, uma comidinha quente ou uma palavra de conforto. E quando Arruda saiu, com a aparência de ter envelhecido 50 anos em cinco, invertendo a plataforma de governo criada por Juscelino Kubitschek, lá estava Flávia. Altiva, corajosa e sem medo de enfrentar as lentes dos fotógrafos. Como única proteção, óculos escuros de grife.

Arruda tem sorte. Foi abandonado pelo partido que ajudou a sustentar, pelo vice-governador que conseguiu eleger e pelos aliados a quem pagou régias mesadas, mas, ainda assim, encontrou um porto seguro na saída da cadeia – o que muitos homens livres, incluindo aqueles que o traíram, como o ex-secretário Durval Barbosa e o radialista Edson Sombra, talvez não tenham em casa. E Flávia, a Amélia de Arruda, jamais se intimidou. Quando foi perguntada sobre o vídeo em que Arruda aparece saltando sobre um maço de R$ 50 mil, respondeu com naturalidade: “Não me surpreendeu em nada porque eu sei que todo mundo recebe, e que política no Brasil é assim, pois as pessoas precisam receber dinheiro para campanha.” Na prática, a mesma resposta que o presidente Lula deu, em 2005, quando foi indagado sobre o caixa 2 de seu partido. À época, ele disse que “o PT fez do ponto de vista eleitoral o que se faz sistematicamente no País” – e, na semana passada, com cinco anos de atraso, reconheceu ter sido alertado por Roberto Jefferson sobre a existência do esquema petista de compra de apoio parlamentar.

É evidente que os “mensalões” do DEM e do PT são diferentes. Um dá cadeia, o outro não. Mas o do Democratas ao menos revelou a existência dessa Amélia dos tempos modernos. Uma mulher a quem falta apenas passar por um último e derradeiro teste de lealdade ao lado do marido: o da Amélia do samba de 1942. “Às vezes passava fome ao meu lado, e achava bonito não ter o que comer, e quando me via contrariado, dizia: meu filho, que se há de fazer.”