Cidade de contrastes, a capital federal chega à meia-idade com um projeto que, por um lado, consagrou a interiorização do desenvolvimento no País, mas por outro marcou em definitivo o imenso fosso de paradoxos sociais que ainda hoje rege a vida dos brasileiros. Brasília da expansão desordenada de suas cidades-satélites – algumas convertidas em verdadeiras favelas – e do modelo de superquadras para a elite de moradores do seu Plano Piloto segue como palco de convivência encenada entre ricos e pobres, entre poderosos e comandados. Entre os que podem e os que dependem. E cada um deles, no seu papel, irradia para o resto do País a imensa dívida de cidadania ainda não quitada, a ferida da desigualdade que não cicatriza. Como diz agora o mestre Oscar Niemeyer, que desenhou suas curvas e realizou o sonho: “Brasília perdeu o sentido da solidariedade.” A crítica, feita em entrevista exclusiva à ISTOÉ na pág. 53, deve servir de alerta aos governantes porque tem a força de uma mensagem de quem entende a cidade nas suas entranhas.

Na banda mais positiva da trajetória de 50 anos, Brasília cumpriu o papel vital de viabilizar o progresso mapa adentro. Se hoje o País tem o Cerrado como celeiro do agronegócio, que tomou estatura e conquistou o mundo, Brasília foi a alavanca. Com a capital plantada no coração do nada, se adiantou um processo de integração regional que, do contrário, demoraria décadas. Foi uma epopeia extraordinária, inacreditável e corajosa do então presidente Juscelino Kubitschek. Brasília virou realidade em seu mandato, para espanto dos que não acreditavam.

Na coluna dos reveses, o Distrito Federal comemora a efeméride de meio século com o seu último governador tendo ido parar atrás das grades, pilhado em flagrante ao receber sacos de dinheiro, como pivô de um escândalo de corrupção sem precedentes. Talvez hoje Brasília esteja pagando o preço do seu maior pecado: o do isolamento. Como uma capital do poder que ficou longe da realidade dos cidadãos, longe da fiscalização e das cobranças, tal e qual uma ilha da fantasia com recursos fartos, ela se transformou numa autêntica disneylândia de aventuras para a atuação de alguns políticos erráticos. O fato da distância provavelmente também contribuiu para que o regime militar prosperasse e perdurasse além do esperado. Afinal, ali o comando militar era outro que se via livre da pressão popular direta.

Nos idos dos anos 60 e 70, ir a Brasília representava uma odisseia. Para lá seguiam apenas os que participavam do poder e os que serviam a esse poder. Hoje é possível dizer que Brasília tem vida além dos que orbitam por seus gabinetes. Em um marco histórico, guardado ainda na lembrança de muitos, o povo tomou as ruas da capital federal no começo dos anos 90 para pedir o impeachment do então presidente Collor. Foi o mais consistente protesto popular na cidade até então. De lá para cá, marchas e caravanas à capital tornaram-se corriqueiras, a favor da democracia e contra os desmandos dos que se imaginam acima do bem e do mal naquele reino.