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PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE
A Esplanada dos Ministérios iluminada e um detalhe do Museu Nacional

No terreno da arquitetura, a capital do Brasil, 50 anos de idade, levanta a nossa autoestima – mesmo que suas linhas, recortes e moldes urbanísticos frequentem invariavelmente polêmicas e discussões acadêmicas. Para uma cidade, convenhamos, cinco décadas não são nada, e é nova assim que Brasília já ostenta o status de local tombado historicamente pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade – e isso se deu em 1987, quando tinha tão somente 27 anos de existência. Estilo vem do berço, e o tombamento deve-se ao estilo de sua arquitetura que significa a mais complexa experiência modernista, sobretudo em seu Plano Piloto assinado pelo urbanista Lucio Costa, determinando o tratamento do solo como propriedade pública, o rigoroso zoneamento da cidade e a predileção pelo transporte motorizado. Já o conjunto arquitetônico de Oscar Niemeyer sintetiza a monumentalidade, também moderna, em obras como a Catedral, o Palácio da Alvorada e a Praça dos Três Poderes. Já se falou que a capital brasileira é vedete de discussões acadêmicas, e é justamente a sua radical característica moderna que alimenta os prós e os contras. Não há meiotermo: ou apaixona-se por Brasília ou detesta-se Brasília. “Ela é moderna, mas leva em conta particularidades brasileiras”, diz o arquiteto Milton Braga, autor do livro “O Concurso de Brasília: Sete Projetos para uma Capital” (Editora Cosac-Naify), que será lançado no mês que vem.

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TRAÇO
Um dos primeiros esboços da Catedral feitos por Oscar Niemeyer

Brasília foi moderna. Brasília ainda é moderna? Há meio século, a expressão sustentabilidade era uma raridade na boca dos terráqueos e nas pranchetas dos urbanistas – eram tempos de se queimar sutiãs, de rock e da guerra do Vietnã, ninguém estava preocupado se a água do planeta se escassearia. Lucio Costa estava e fez de Brasília uma precursora nesse setor. “Ele criou uma cidade incrivelmente sustentável e permeável às águas pluviais”, diz Abílio Guerra, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, em São Paulo. Mais: a capital reúne em suas superquadras uma clara valorização da vegetação urbana. Para a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, relatora especial para o direito à moradia da Organização das Nações Unidas (ONU) e ex-moradora de Brasília, a cidade deu relativamente certo. Ela olha para ricos e pobres. “A superquadra é a ilha da fantasia da classe média, mas não acolhe sequer 500 mil moradores. Há dois milhões de pessoas que vivem mal nas cidades-satélites e elas também estão ligadas à arquitetura porque são consequência dela”, diz Raquel. O professor Guerra preconiza uma revolução arquitetônica: “Inevitavelmente o Plano Piloto será engolido por outro plano urbanístico”.

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HISTÓRIA
Com essas linhas nasceu a Praça dos Três Poderes,
um dos símbolos da democracia no Brasil

 

“Brasília mudou muito”
Eliane Lobato

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NIEMEYER
O arquiteto lamenta os contrastes sociais

Com 102 anos de idade, o arquiteto Oscar Niemeyer tem esperança de que possa surgir uma nova classe política e fala à ISTOÉ sobre a sua criação mais famosa:

ISTOÉ — Depois de 50 anos, Brasília é o que o sr. gostaria que a cidade se tornasse?
Oscar Niemeyer — Infelizmente, tenho de lhe dar uma resposta negativa. Brasília mudou muito em relação ao que havíamos idealizado ou, pelo menos, em relação àquele ambiente de solidariedade que se criou no início de sua construção. As cidades-satélites cresceram de modo preocupante e exibem notáveis contrastes sociais, e praticamente ficaram “coladas” com o Plano Piloto.

ISTOÉ — Se fosse começar o projeto de uma cidade hoje, seria igual ao de Brasília?
Niemeyer — Pode ser que não… Mas não podemos desconsiderar o fato de Brasília ter representado algo significativo – a vontade do presidente JK de levar o progresso para o interior do País.

ISTOÉ — Quando foi a última vez que esteve na cidade e o que achou?
Niemeyer — Foi no ano passado, por ocasião do lançamento da revista de cultura “Nosso Caminho” – uma revista que eu e Vera, minha mulher, editamos. Agradou-me bastante rever Brasília, ser acolhido por amigos queridos que lá residem, ser bem recebido por brasilienses das mais diversas camadas sociais.

ISTOÉ — Brasília faz 50 anos no momento em que seu último governador deixa a cadeia, flagrado em corrupção. A política brasileira envergonha a capital?
Niemeyer — Vou me limitar a responder-lhe que esse clima de degradação não se faz presente apenas em Brasília. Para tristeza dos cidadãos brasileiros, a corrupção se tornou um lugar-comum no noticiário, um indicador do baixo nível dos que compõem a nossa classe política e deveriam primar pela correção ética e pelo compromisso com os interesses públicos. Mas tenho esperança de que tal quadro possa se modificar. Temos de apostar na possibilidade de renovação, na capacidade de o nosso povo escolher melhor os dirigentes do País, que poderão proceder de gente jovem, consciente da importância da política e dos problemas nacionais, que devem ser enfrentados e superados.