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VISIONÁRIO
Niemeyer em 1959, em frente ao Congresso Nacional

A paternidade de Brasília remete a um de seus principais símbolos, a Praça dos Três Poderes, formada por um triângulo com lados iguais. Os vértices da triangulação na origem da cidade são o presidente Juscelino Kubitschek, o urbanista Lucio Costa e o arquiteto Oscar Niemeyer. Com estilos e vocações distintas, os três se complementaram no desafio sem precedentes de construir a nova capital do País. “Eles tinham em comum o lado visionário”, afirma Claudio Bujunga, autor de “JK – O Artista do Impossível”. “O Oscar adorava o Juscelino porque ele era o poder que banca a criação.” Niemeyer também admirava Lucio Costa, de quem fora estagiário. Dessa convergência, Brasília surgiu nas pranchetas em março de 1957 e, apenas três anos depois, se concretizou no Planalto Central. O plano de transferir a capital do Rio de Janeiro para o interior do Brasil era antigo. Ainda em 1871, fora citado pelo primeiro-ministro de Portugal, o marquês de Pombal. Constava também da Constituição de 1891, a primeira da República. Juscelino acalentava o sonho desde 1946, quando era deputado constituinte. “Meu sogro, Lucas Lopes, mandou para papai o estudo que tinha acabado de fazer sobre a transferência”, lembra Maristela Kubitschek Lopes, filha de JK, referindo-se ao futuro ministro da Fazenda do pai. Não por acaso, em abril de 1955, marcou para a cidade goiana de Jataí o primeiro comício de sua campanha presidencial, onde apresentou o Plano de Metas. Durante o comício, o corretor Antonio Soares Neto, o Toniquinho, perguntou ao presidenciável se ele cumpriria o dispositivo da Constituição que previa a transferência da capital. Era tudo o que Juscelino precisava para anunciar sua meta-síntese.

Eleito, enfrentou todo tipo de crítica, mas não se desviou um milímetro do projeto. Para construir Brasília, criou a Novacap. À frente da estatal e das obras, colocou Israel Pinheiro, ex-secretário de Obras de Minas Gerais. Para dirigir o departamento de arquitetura da Novacap, escolheu Niemeyer. A parceria entre os dois começara nos anos 1940, quando Juscelino era prefeito de Belo Horizonte e Niemeyer levantou o complexo arquitetônico da Pampulha.

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PIONEIROS
JK com Lucio Costa, em 1957, no centro do Plano Piloto a ser construído

Lucio Costa, por sua vez, só participou do concurso do Plano Piloto de Brasília por insistência de Niemeyer. Estava desinteressado do trabalho devido a uma tragédia pessoal. Três anos antes, perdera a mulher em um acidente de carro pelo qual se culpava. Mas o entusiasmo de Niemeyer acabou contagiando Lucio Costa. “A força de Brasília nasceu do simples gesto do homem que se apropria de um lugar: duas linhas que se cruzam em ângulo reto”, esclareceu, após vencer o concurso. Fez então de seu apartamento, no Leblon, o embrião da nova capital. Sua filha Maria Elisa, então estudante de arquitetura, acompanhava o trabalho de perto. “Lucio projetou a cidade sozinho, à mão livre”, conta Maria Elisa, referindo-se à estrutura urbana. Niemeyer, por sua vez, projetou os edifícios, o que faz a filha de Lucio Costa traçar uma comparação singular. “Se Brasília fosse um filme, Lucio seria o roteirista e o diretor, e Oscar o indispensável ator principal.”

Comunista de carteirinha, Niemeyer era chamado por Juscelino de “meu Michelangelo” e passava a maior parte do tempo no planalto. Com frequência, Juscelino deixava o Palácio do Catete, no Rio, para inspecionar a obra de sua vida. “E nós a trabalhar de sol a sol, acompanhando JK altas horas da noite pelas obras em andamento”, registrou Niemeyer em “As Curvas do Tempo”. Em 21 de abril de 1960, ainda havia muita poeira no ar e detalhes a serem finalizados, mas Brasília foi apresentada ao mundo. Marcou seus criadores para sempre. O legado político coube a Juscelino, cujo museu, o Memorial JK, é dirigido por uma de suas netas, Anna Christina, casada com o empresário Paulo Octávio Pereira, ex-vice-governador do Distrito Federal (DF). Falecida há dez anos, Márcia, mãe de Anna Christina, foi deputada federal e vice- governadora do DF. Maristela, a outra filha de JK, é militante do PSDB, pelo qual concorreu a vice-governadora do Rio em 2006. Os dois arquitetos também tiveram a trajetória marcada por Brasília. Discreto, Lucio Costa consolidou seu nome como grande urbanista. Em 1984, 14 anos antes de morrer, de passagem por Brasília, foi reconhecido ao entrar no Moinho, um bar da Asa Sul. “O bar inteiro aplaudiu”, conta a filha Maria Elisa, que dirige a Casa de Lucio Costa, no Rio. Niemeyer, por sua vez, ganhou fama internacional. Aos 102 anos, tem um escritório em atividade no Rio e obras espalhadas pelo mundo inteiro.

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