O sentimento entre os premiados da Mega-Sena é de muita irritação. E preocupação. A CPI dos Bingos, antes do encerramento de seus trabalhos, entregou ao Ministério Público os nomes de todos os ganhadores da Mega-Sena. O MP informou em Brasília que vai analisar o material, numa investigação a ser realizada nos respectivos Estados dos ganhadores. A Polícia Federal já avisou que também vai entrar nesta força-tarefa. Segundo as denúncias recebidas pela CPI, alguns prêmios eram usados para lavar dinheiro e parte deles teria abastecido o caixa 2 de partidos. ISTOÉ teve acesso à lista completa dos milionários. Juntos, embolsaram R$ 1,5 bilhão. No relatório final, a CPI levanta indícios de lavagem de dinheiro nas loterias.

Quem mais demonstra irritação com a notícia sobre a investigação da Mega-Sena é o milionário Blainer Raggiotto, 49 anos. “Pode investigar à vontade”, diz Blainer. “Eu não tinha nada a ver com a safadeza desse povo que está aí hoje.” Em novembro de 1999, ele ganhou R$ 50,9 milhões na Mega-Sena. Ex-gerente de multinacional em Mato Grosso do Sul, ele afirma que ficou com R$ 17 milhões e dividiu o resto do prêmio com outros 11 colegas da empresa que ajudaram a pagar os bilhetes. Ele comprou quatro fazendas em Umuarama, no Paraná. Lá, cria seis mil cabeças de gado e investe em melhoramento genético. Na política, é prudente: doou R$ 5 mil ao comitê financeiro do PRP de Querência do Norte na eleição de 2004.

Um dos milionários que têm mais dinheiro no banco é Antônio Oliveira, de Minas Gerais. Ele ganhou R$ 31,9 milhões em fevereiro do ano passado. Aplicou todo o dinheiro na conta bancária e desde então vem acumulando juros. “Fiquei mais rico e hoje tenho no banco mais que a quantidade que ganhei.” Ele não doa dinheiro para políticos. Outro que poderá frustrar os investigadores é João Mendonça Domingues, 52 anos. Ganhou R$ 6,4 milhões em 2004 e aplicou o dinheiro em imóveis e na empresa de reciclagem de papel, em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo. A cidade o chama de João do Papel. Na última eleição para vereador, aplicou 1% do prêmio (R$ 60 mil), ganhou 1.500 votos e não levou.

Quem também escolheu o caminho da política foi Mário Lúcio Guimarães de Jesus, 46 anos. Em julho de 2.003, ganhou R$ 6,7 milhões. Veio a primeira eleição e elegeu-se vereador em Cuiabá, em Mato Grosso. Gastou R$ 154 mil na campanha. “Não concordo em investir um dinheiro que eu não ia recuperar com os salários de vereador”, diz Mário Lúcio. Ele não demonstra preocupação com a investigação sobre seu patrimônio. “Se houve eventuais esquemas envolvendo a Mega-Sena, que apareçam”, diz Mário Lúcio. O milionário Almerindo Medrado, de Uberlândia, também não demonstra preocupação. Ele repartiu com um ganhador de Rondônia um prêmio de R$ 19,9 milhões, em outubro do ano passado. “Não acredito que haja fraude na Mega-Sena”, diz ele.

A investigação pode trazer outra dor de cabeça aos milionários. Este tipo de apuração envolve a Receita Federal. Apesar dos milhões, vários premiados da Mega-Sena não se preocupam em deixar as finanças em dia. Alguns estão impedidos de retirar certidão negativa de débitos na Receita Federal. Tem ganhador que está com o CPF pendente de regularização desde fevereiro último. A investigação da Mega-Sena poderá derrubar um mito: o perfil dos ganhadores de loteria. A maioria dos milionários entrevistados por ISTOÉ aplicou o dinheiro no próprio negócio, continua trabalhando no mesmo ramo de atividade e mantém o casamento. Bem longe do sonho do brasileiro, de ganhar na loteria e fugir para uma ilha paradisíaca com o ator preferido. ISTOÉ conseguiu contato com outros milionários. Mas eles pediram para que seus nomes não sejam publicados. Eles têm medo de virar alvo de bandidos.

Os ganhadores dos maiores prêmios da mega-sena:
Rene Senna, R$ 51,8 milhões; Blainer Raggiotto, R$ 50,9 milhões; Jorge de Aguiar, R$ 46,6 milhões; Luiz Carlos Laurindo, R$ 42,7 milhões; Charles Shayeb e Artur Cavalieri, R$ 34,2 milhões; Antônio de Oliveira, R$ 31,9 milhões; João Quaresma,
R$ 26,1 milhões; José Carlos de Almeida, R$ 24,7 milhões