Às portas do céu, em algum lugar do futuro, travou-se o seguinte diálogo entre o porteiro, São Pedro, e o ex-ministro Geddel Vieira Lima:
– Quem é o senhor? – perguntou o velho barbudo.
– Venho da Bahia, fui deputado, ministro do presidente Lula e já fiz muito pelo meu povo, trabalhando dia e noite. Acho que mereço uma vaga.
– Quem julga não é o senhor – respondeu o santo, pedindo a um de seus assistentes que buscasse a ficha corrida do candidato.
Com as chaves na mão, São Pedro espantou-se com o prontuário, mas fixou os olhos sobre um inquérito de abril de 2010. Um dossiê com o seguinte título: Programa de Prevenção e Preparação para Desastres.
– Consta aqui que o senhor dispunha de um orçamento de R$ 646,6 milhões para prevenir enchentes no Brasil e remover famílias carentes das áreas de risco. É verdade?
– Sim, senhor.
– E gastou só 22% do total? Vejo aqui que foram R$ 143,7 milhões.
– Bom, lá embaixo as coisas são mais difíceis do que no céu. Tem que licitar, passar pelo TCU…
– Não me venha com desculpas. Vejo ainda que 50% dos recursos foram para prefeituras da Bahia. E só 1% para o Rio de Janeiro. O senhor não sabe que eu concentro minhas chuvas na região do Trópico de Capricórnio?
– Dai primeiro aos seus, São Pedro. Quem há de ser contra isso? Além do mais, eu era pré-candidato ao governo da Bahia. E, desde que ACM morreu, não surgiu outro líder no nosso Estado com a mesma envergadura.
– Que desfaçatez! E o senhor ainda tem a coragem de tentar entrar aqui? Para seu governo, ACM também não passou por aquele portão. Eu mesmo fiz questão de barrá-lo.
– Mas é assim que se faz e sempre se fez política no Brasil. Cada ministério é um feudo particular, uma espécie de capitania. E depois que o Mensalão acabou… bom, tivemos que caminhar com as próprias pernas.
– Quanta cara de pau! O senhor é bem mais petulante do que parecera à primeira vista.
– Olhe, São Pedro, como Vossa Santidade não dá ouvidos aos meus argumentos, devo dizer que acumulei um patrimônio razoável lá   embaixo, no mundo terreno. Quem sabe se…
Impaciente e estarrecido, o homem de barbas interrompeu a conversa.
– Se o senhor ousar atravessar aquela porta, estarão lhe esperando centenas de homens, mulheres e crianças que foram enterrados vivos no Rio de Janeiro. E não foi a força da Natureza ou das águas que os matou. Foram a crueldade e o descaso de homens como o senhor. Entenda-se com eles.
Geddel não quis pagar para ver.
– Onde é a saída, São Pedro? Pode me dizer onde eu desço?