Em estado de calamidade urbana, marcado por uma tragédia humana sem precedentes no passado recente e à mercê dos humores do clima, o Rio de Janeiro desperta para uma realidade da qual não tem mais como fugir. Fica clara, em meio ao drama de milhares de habitantes, a urgência de uma remoção planejada, dentro de um amplo plano de reurbanização metropolitana que contemple investimentos em infraestrutura básica para populações carentes, em localidades mais seguras. No Rio de topografia tão especial, abençoado pela natureza, a transferência imediata das comunidades dos morros e encostas em áreas de risco responde a uma dívida histórica provocada pela ocupação irregular. Sob o beneplácito de governantes populistas que por décadas incentivaram uma espécie de glamourização das favelas no alto e ao pé dessas matas suspensas, o Rio viu crescer geometricamente, de maneira desordenada, imprevidente e inconsequente, as habitações improvisadas, sem estrutura mínima, que aceleraram o processo de caos. O preço a pagar, como ficou evidente pelas inaceitáveis cenas da catástrofe, foi alto demais.

O Rio transbordou. Montanha abaixo, nas espremidas ruas, sem malha de esgoto de es­coamento adequada, virou um mar de lama e escombros – que colocou em colapso todo o seu sistema de funcionamento e deixou sitiada e perplexa uma população vítima da sucessão de desmoronamentos. À luz da triste calamidade, a alternativa da remoção tem de deixar de ser tabu. Uma remoção que não signifique a mera retirada de moradores dessas localidades. Que esteja inserida em um planejamento responsável de expansão fluminense. Contemplando os serviços básicos para o resgate da dignidade de vida dessas populações. Passou da conta a espera por uma alternativa de combate à ocupação ilegal. E a omissão das autoridades ao longo da história levou ao desenfreado crescimento do problema. O último dado de que se dispõe é um levantamento da GeoRio, de dez anos atrás, que calculava em 13 mil a quantidade de casas em áreas de risco. Hoje esse número, estima-se, é ao menos três vezes maior. O governador Sérgio Cabral, diante da tragédia, entrou em negociação com o governo federal para que seja editada uma medida provisória de emergência permitindo a injeção de recursos da União em projetos de reurbanização e reassentamentos dos desabrigados. Os recursos também deverão ser usados no pagamento de moradores das áreas de risco para que deixem esses locais. O momento chegou. Antes tarde do que nunca.