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HISTÓRIA
O Museu do Apartheid dá nomes e faces às vítimas da segregação

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A pouco mais de dois meses do início da Copa do Mundo da África do Sul, brancos e negros se digladiaram na semana passada por causa do assassinato do ativista de ascendência holandesa Eugene Terre’Blanche, morto supostamente por dois jovens negros (leia   quadro). A tensão racial é tão latente naquele país que se materializa em pontos turísticos, visitados por milhares de estrangeiros. Desde que Nelson Mandela ascendeu ao poder, em 1994, o regime que separava brancos e negros passou a ser uma triste história contada por diversos museus. Tanto que hoje o visitante não tem como passar ao largo dessa espécie de turismo da segregação fincada por todo o território sul-africano. “Ir a Johannesburgo e não visitar o Museu do Apartheid, por exemplo, é como vir a São Paulo e não passar na avenida Paulista”, compara Douglas Presto, diretor de operações da agência de turismo Stella Barros.

De fato, nesse local, fotografias, painéis e vídeos documentam conflitos, execuções políticas, a ascensão do Black Consciousness, o movimento de consciência negra, e os levantes de estudantes em 1976, no bairro de Soweto. “O museu tem duas entradas, uma para negros e outra para brancos, como forma de retratar a época em que esses grupos não se misturavam”, conta o antropólogo Kabengele Munanga, diretor do Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo (USP). “É a memória de um tempo tenebroso logo na entrada.”

Ainda em Johannesburgo, o subúrbio de Soweto, fecundado pelos brancos para isolar os negros e atualmente um conglomerado de bairros pobres e favelas com cerca de quatro milhões de habitantes, cativa por ter sido endereço de dois vencedores do prêmio Nobel da Paz: Nelson Mandela (1993) e o bispo da igreja anglicana Desmond Tutu (1984). A antiga casa do ex-presidente é palco de peregrinação da população negra, principalmente. E a igreja do bispo Tutu ainda preserva os vitrais cravejados pelas balas dos policiais da época do apartheid. “Esses espaços representam a  construção de uma memória que era abafada e dão legitimidade social ao povo”, afirma a professora do departamento de antropologia da Universidade de São Paulo (USP) Laura Moutinho.

Mandela é o motor dessa memória. Na Cidade do Cabo, a ilha onde ele passou 18 dos 27 anos em que esteve preso fica lotada nos feriados e fins de semana. É por meio de um ferryboat que o visitante chega a Robben Island. “Eu não consegui visitá-la porque a procura é enorme. Tem de reservar com duas semanas de antecedência”, conta Munanga, da USP. O interessante nesse tipo de turismo é que o guia, na maioria das vezes, viveu as terríveis histórias do apartheid. Nessa prisão que virou museu, por exemplo, ex-presos são os cicerones do passeio, que custa o equivalente a R$ 50.

Para o professor de relações internacionais Paulo Visentini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, graças ao turismo, a segregação gera riqueza hoje à África do Sul. “Já o apartheid era antieconômico”, diz ele. “Gastava-se muito com guerras e com a repressão. E os estrangeiros, claro, não queriam investir lá.” Casos como o assassinato do ativista branco Eugene Terre’Blanche, que provocou comoção a ponto de a polícia ter de levantar uma barreira de arame farpado na porta de um tribunal da cidade de Ventersdorp, onde ele morava, para que centenas de pessoas fossem separadas pela cor da pele, mostram que o apartheid ainda não é só peça de museu na África do Sul.

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GOLPE FATAL

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COLONIZADOR
Defensor do apartheid, Terre’Blanche quase levou o país a uma guerra civil, em 1990

Eugene Terre’Blanche dormia em sua fazenda quando, no sábado 3, recebeu golpes de machado supostamente desferidos por um funcionário negro de 15 anos. Suspeita-se que um outro, de 28, tenha sido cúmplice. Fundador, nos anos 70, do Movimento de Resistência Africâner (AWB), cujo símbolo lembra a suástica nazista, Terre’Blanche era o maior defensor do apartheid. É símbolo de uma época que se quer esquecer. Desde o fim da segregação vivia na obscuridade. “O racismo dele era a fala de uma minoria”, diz Laura Moutinho, da antropologia da USP. As manifestações que ocorreram após seu assassinato, porém, provam que ele ainda toca o coração de muitos sul-africanos. O fantasma de uma nova divisão étnica voltou à tona. Um ditado sul-africano serve para explicar o porquê: “Nós perdoamos, mas não esquecemos.”

RETRATOS DA SEGREGAÇÃO

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EXCLUÍDOS
Os negros foram isolados em Soweto (abaixo). O museu do Sexto Distrito retrata a
expulsão de moradores do centro histórico para a construção do cais do porto
 

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PRISÃO
Nelson Mandela passou 18 dos 27 anos preso em Robben Island, hoje um museu

 

 

 

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