Uma forte discussão toma conta do mundo depois da revelação de que padres conterrâneos do papa, e sob seu comando, quando ele ainda era car­deal, praticaram atos de pedofilia. A questão é se o papa, ao saber do ocorrido e ao não tomar providências, foi ou não conivente com o crime. Independentemente da resposta, de uma maneira ou de outra, não caberá qualquer tipo de pena ao sumo pontífice. Pela natureza de sua condição, efetivamente um homem acima do bem e do mal, a ele não são aplicados os trâmites habituais de um processo de investigação e posterior julgamento. O papa é inalcançável pela Justiça terrena. Inimputável por qualquer acusação que lhe seja feita, de qualquer natureza ou gravidade. Afinal, como representante direto de Deus, herdeiro de Pedro, líder máximo dos católicos e do Vaticano, canonicamente carrega virtudes suficientes para cobrir suas eventuais falhas.

A discussão do problema para então por aí? Naturalmente que não. Sobre os templos sagrados da Igreja – não apenas a católica, é bom lembrar – ainda paira a suspeita de abusos sexuais inaceitáveis, praticados por alguns daqueles que dizem trazer a palavra do Senhor. A aberração é guardada sob o manto do sigilo há séculos, mas o avassalador aumento das práticas de pedofilia levou ao vazamento do problema para fora das grossas paredes dos templos e diz muito do atual estágio de caduquice das regras de conduta impostas aos que abraçam o sacerdócio. A doutrina celibatária que proíbe o casamento de padres, e mesmo de freiras, deveria ser revista à luz dos acontecimentos como maneira de, se não eliminar, ao menos abrandar a escalada do mal. Como demonstração de contemporaneidade, em sintonia com os anseios da sociedade mundial, o papa deveria convocar um novo concílio para debater o tema e, quem sabe, conduzir a reformulação da doutrina que cerceia ao seu corpo eclesiástico aquele que é talvez o mais elementar dos impulsos humanos: o do desejo. Quem sabe assim, com a quebra desse dogma, o distúrbio de práticas sexuais covardes seja enfim banido do ambiente religioso.