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O declínio do terrorismo e de sua expressão máxima – a rede Al-Qaeda –, defendido até poucos meses atrás pelas principais agências internacionais de inteligência, acaba de revelar-se uma quimera. A sucessão de ataques à bomba registrados na Rússia na semana passada mostrou que o terror continua enraizado no mundo. Sem hierarquia global, células dormentes de grupos autônomos entram em atividade quando menos se espera. “A renovação dos ataques na Rússia foi uma surpresa, pois uma certa calma havia se estabelecido no país”, afirma o bielo-russo Alexander Zhebit, coautor de “Neoterrorismo: Reflexões e Glossários” e doutor em história de relações internacionais. “Mas o terror não tem um centro de comando. Cada grupo age de acordo com a doutrina da violência, que é a doutrina do terrorismo.”

O cientista político Gunther Rudzit, ex-assessor do Ministério da Defesa, concorda, lembrando que as células espalhadas pelo mundo se renovam, a despeito da prisão ou morte de lideranças terroristas. Seguem, na prática, uma dinâmica de oscilação. “Quando há um atentado, as autoridades reforçam as medidas de defesa e segurança. Mas ninguém consegue manter esse nível de prontidão e monitoramento por muito tempo. Quando há um relaxamento, os terroristas voltam a atacar”, pondera Rudzit. Muitos grupos usam o nome da Al-Qaeda sem nem mesmo pertencer diretamente à organização. Conseguem, no entanto, atingir a meta de chamar a atenção para a causa que defendem.

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Nos últimos tempos, o terrorismo deu sinais de que estava prestes a despertar. Cinco dias antes das explosões no metrô de Moscou, o líder da rede Al-Qaeda, Osama Bin Laden, ameaçou os americanos em áudio divulgado pelo canal árabe Al-Jazeera. Disse que haveria retaliação, caso Khalid Sheikh Mohammed, acusado de planejar os ataques de 11 de setembro de 2001, fosse executado pelos Estados Unidos. A mensagem de Bin Laden foi antecedida por duas tentativas frustradas de ataque. No Natal, o nigeriano Umar Farouk Abdulmutallab tentou sem sucesso explodir um voo com destino à cidade americana de Detroit. No final de fevereiro, forças de segurança da Espanha desbarataram um plano terrorista do grupo separatista bas­co ETA, na cidade de Óbidos. No esconderijo dos etarras foram encontrados mais de 300 quilos de explosivos e componentes químicos.

Na Rússia, os atentados à bomba no metrô de Moscou, executados por duas mulheres-bombas na manhã da segunda-feira 29, foram seguido, dois dias depois, por novos ataques suicidas na República Autônoma do Daguestão, no norte do Cáucaso. As explo­sões ocorreram pró­ximo a escritórios do Ministério do Interior e do Serviço Fe­deral de Segurança (FSB, o antigo KGB, o serviço secreto russo). No total, 51 pessoas morreram. O alvo, porém, não era a população, mas o governo do presidente Dmitri Medvedev. Isso ficou evidenciado na quarta-feira 31, quando Doku Umarov, líder de militantes islâmicos da Chechênia, reivindicou a autoria do ataque. Em comunicado divulgado pela internet, Umarov disse que a ação foi um “ato de vingança” pelo assassinato de civis por parte de forças de segurança russas. “Unidades do FSB e do Ministério do Interior assassinaram no início de março Said Buryatsky, um dos líderes ideológicos da resistência armada no norte do Cáucaso. Por isso a reação”, explica o historiador checheno Mairbek Vatchagaev, da Jamestown Foundation, centro de estudos de terrorismo sediado em Washington.

“Estamos vivendo uma guerra não declarada”, acredita o historiador Yuri Prestes, filho de Luís Carlos Prestes que vive em Moscou e dirige o escritório russo da Apex, a agência brasileira de promoção de exportações. Apesar de os atentados terem pego de surpresa a população e o governo, Yuri avalia que ações como essas são previsíveis. “Desde 1999 – quando 118 pessoas morreram num atentado de separatistas chechenos –, ocorreram diversos ataques em outras regiões do país e, como a situação de conflito não é resolvida, não há cessar-fogo”, afirma. Uma das peculiaridades do terrorismo na Rússia é o grupo Viúvas Negras, formado por mulheres cujos irmãos, pais e outros parentes morreram em combate contra forças do governo. Para Zhebit, porém, o papel dessas mulheres, também chamadas shaheedas, é exagerado, visando convertê-las em mito. “Elas seriam movidas pelo sentimento de vingança, mas também sofrem uma pressão psicológica muito dura”, diz. “Tanto que, nos atentados de Moscou, ambas foram acompanhadas até as estações.”

Ao contrário dos extremistas do Oriente Médio, movidos pelo fanatismo religioso, os terroristas que atacaram a Rússia têm aspirações separatistas. De qualquer forma, convicto de que o caso russo é um problema global, o presidente americano, Barack Obama, declarou apoio imediato ao colega russo Medvedev. Para o especialista em segurança Salvador Raza, consultor do governo Obama, o mundo não aprendeu a lição deixada pelo 11 de setembro. Investiu demais em segurança, mas relegou questões fundamentais que estão na origem do terror. “As reais causas do terrorismo não foram combatidas”, diz Raza. Entre essas causas, ele aponta os processos de exclusão, opressão e marginalização em pelo menos sete diferentes dimensões: humana, econômica, energética, territorial, tecnológica, informacional e ambiental.

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