Enquanto isso, exames mais simples, como raio X e ultrassom, estão ficando para trás. “Os planos pagam pouco por eles. Ninguém quer fazer”, diz Sebastião Tramontin, presidente do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. “Estão sendo substituídos por testes mais sofisticados.” Porém, muitos não são cobertos pelos convênios. Sobra para o paciente bancá-los diretamente do bolso. É o caso do PET CT, tomografia para detectar metástase de câncer de pulmão, linfoma e mama, entre outros. “É caro. Custa em média R$ 3,5 mil”, diz Romeu Domingues, diretor-médico das clínicas CDPI e Multi-Imagem, no Rio de Janeiro.

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ORÇAMENTO
O garoto dorme no berço porque os pais não
puderam comprar uma cama hospitalar

Sofisticação não significa, necessariamente, melhora na qualidade. Um estudo citado no relatório do Banco Mundial feito por Bernard Couttolenc, doutor em economia da saúde pela Universidade Johns Hopkins (EUA) que dirige o Instituto Performa, em São Paulo, e Gerard La Forgia, economista-sênior do Banco Mundial para a área da saúde, mostra que a aplicação inadequada de novas tecnologias pode até piorar os resultados. O trabalho realizado em uma UTI de recém-nascidos revelou que, quando a implantação de novos recursos foi acompanhada de treinamento dos profissionais e mudanças nas rotinas, o risco de morte dos bebês caiu. Naquela em que foi apenas colocado mais um equipamento, sem melhoria dos processos e cuidados, ele triplicou. Por quê? “Introduzir novas tecnologias onde já existe despreparo e os processos são de má qualidade acentua os riscos para o paciente”, afirma Couttolenc.

Assumir a coordenação do tratamento e outros cuidados com o filho – como trocá-lo, dar banho e a medicação – foi a maneira que Shirley e o marido encontraram de otimizar o tempo de reabilitação e os recursos financeiros da família. Peláez usa os seus conhecimentos de neurocientista para estimular David e ensinar as técnicas para a equipe de enfermagem. Shirley lança mão de sua experiência em farmacologia para controlar, entre outras coisas, o anticonvulsivo e a assepsia do local. Se não fosse a participação ativa do casal, os gastos seriam muito maiores. Apesar de David ter acompanhamento 24 horas, apenas um auxiliar de enfermagem por plantão não daria conta de tudo sozinho.

Shirley e o marido decidiram cuidar do filho em casa por acreditar que poderiam contribuir na recuperação e ao perceber que o custo emocional de mantê-lo no hospital estava pesado demais. David ficou um ano e três meses internado. Nesse tempo, os pais viram muitas crianças morrer. Em casa, apesar das limitações, eles poderiam ter uma vida em família e continuar atuando em suas profissões. Shirley não reclama de viajar quase três horas diariamente de trem e metrô para trabalhar em São Paulo porque não tem carro. Peláez também não lamenta por ser obrigado a usar o transporte público.

Há uma enorme variação de preços de internação, conforme levantamento feito pelo pesquisador Couttolenc a partir de dados de 25 hospitais nacionais e 16 mil pacientes. Uma análise criteriosa da questão expôs a raiz do problema: a baixa utilização de protocolos para atender os doentes. “Isso acontece porque cada médico aprendeu que é soberano na determinação da conduta a seguir, ainda que a tendência seja estabelecer protocolos para padronizar o tratamento e assim garantir a qualidade, custos e eficiência”, explica o especialista. Hospitais de primeira linha já fazem isso com bons resultados gerenciais. “A implantação de protocolos de atendimento melhora a eficiência, salva vidas e permite o gerenciamento das informações e custos”, diz Lottenberg, do Albert Einstein. Em UTIs, outro fator que encarece a estadia são os remédios. “Em geral, usa-se medicação de alto custo por causa da gravidade dos pacientes”, diz José Roberto Guersola, vice-presidente da Rede D’Or, composta por 14 hospitais.

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Peláez e Shirley se revezam. Quando um não está em casa, o outro sempre está. Em quase uma década de tratamento, eles aprenderam que precisam ficar de olho em todos os detalhes para garantir o bem-estar do filho. E que a relação com os prestadores de serviços de saúde é delicada. A empresa de home care que os atendia anteriormente foi dispensada porque uma das auxiliares de enfermagem desligou, aparentemente de propósito, o aparelho respirador de David. Outra começou a unhá-lo. Às vezes, a empresa atual manda menos material – como sondas – do que o necessário. E eles têm de tirar mais dinheiro do bolso para comprar o que falta.

Referência no mercado de home care, a Dal Ben tem os preços mais altos, mas é apontada como padrão de qualidade. Por 24 horas de atendimento, feito por uma equipe de quatro pessoas, a empresa cobra R$ 380. O valor não inclui remédio, aparelhos e materiais como fraldas. São itens que alguns convênios pagam, outros não, assim como o próprio home care. “Você encontra home care por um terço do preço, mas não tem ideia do que vai levar para casa”, diz a enfermeira Luiza Dal Ben, que criou a empresa há 17 anos. Como diferenciar? Às vezes, salta aos olhos. Luiza já entrou em casas onde o soro do paciente foi colocado em um suporte de vassoura. Atualmente, dos seus 80 clientes atendidos em domicílio, 41 pagam diretamente pelos serviços. O que puxa os custos para o alto? “Encargos trabalhistas com a contratação de enfermeiros-supervisores e compra de equipamento, na maioria importado”, diz Diego Dótoli, diretor-financeiro da empresa.

Os planos de morar na Espanha, ouvindo concertos de música na velhice, talvez não vinguem para Peláez e Shirley. Ele tem 47 anos. Ela, 46. Ambos sabem que terão de continuar brigando pela reabilitação de David e seguir trabalhando para pagar as altas contas do tratamento. “Não fazemos mais porque não podemos”, lamenta Shirley.

De modo geral, as famílias brasileiras gastam dez vezes mais com a compra de medicamentos do que o governo, conforme o IBGE. Em 2007, elas investiram R$ 44,7 bilhões em remédios. O governo gastou R$ 4,7 bilhões. Muitas vezes, pagar os medicamentos mais caros representa o acesso ao tratamento mais avançado. É nessa categoria que se enquadram alguns dos remédios de última geração contra o câncer. Um deles é o Nexavar, droga indicada para tratar tumores renais e hepáticos. A substância é vendida em caixas de 60 comprimidos ao preço médio de R$ 6 mil. Cada uma é suficiente para apenas 15 dias de tratamento. Outro é o Avastin, contra câncer de mama, pulmão, rim e cólon. Um frasco com 400 mg custa R$ 4,6 mil e pode ser necessário tomar toda semana. “Essas drogas são receitadas de acordo com o peso do paciente. Às vezes é preciso mais de um frasco”, explica o oncologista Sérgio Simon, do Centro Paulista de Oncologia. Há casos em que são pagos pelos convênios ou obtidos com liminares. E por que os remédios de última geração são tão caros? A indústria responsabiliza o investimento feito para sua pesquisa e desenvolvimento.

O uso crônico de remédios também é uma carga. Seu ônus no orçamento familiar varia em razão da renda. A título de exemplo, pessoas com artrite reumatoide ou psoriática que precisam tomar o que a medicina tem de mais avançado gastam uma pequena fortuna por mês. Se recorrerem ao Humira, por exemplo, gastarão em média R$ 7,5 mil mensais. Se tomarem o Enbrel, pagarão cerca de R$ 7 mil por mês. Apenas obtém esses remédios na rede pública quem já tentou outros tratamentos sem sucesso. Se eles forem a primeira opção, o próprio paciente tem que pagar.

No início da década, Peláez e Shirley estiveram nos EUA para aprender uma técnica de estimulação em crianças que têm o mesmo problema do filho. O ideal seria que, de tempos em tempos, eles retornassem ao país para se atualizar. Mas o orçamento apertado não permite. Enquanto isso, Peláez estuda como pode. A partir do computador, ele bolou uma terapia que eliminou a rigidez muscular de David. Trata-se de uma técnica baseada em leves pancadinhas no corpo que estimulam os neurônios do menino. “Daquela caminha no quarto, o David mexe com muita gente. Ele mexe comigo como pai e como pesquisador. Esse é o desafio da minha vida.”

O que mais leva os brasileiros a buscar ajuda no Exterior são os casos de câncer. Os EUA são o destino mais comum. Lá, três clínicas têm destaque no tratamento: M. D. Anderson Cancer Center, em Houston, Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York, e a Clínica Mayo, que tem unidades em Rochester, Phoenix e Jacksonville. “Qualquer tratamento oncológico nos EUA custa mais de US$ 100 mil”, afirma o médico Paulo Hoff, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês e do Instituto do Câncer de São Paulo. “Uma das razões para serem tão caros é o fato de os médicos, lá, serem muito processados. Por isso, eles têm seguro contra má prática”, diz. Segundo o especialista, para se proteger, os colegas americanos praticam uma medicina defensiva. “Às vezes, o médico nem acha tão necessário, mas pede exames adicionais para se proteger”, conta Hoff. Na prática, significa mais custo.

“Quando acontece algo ruim, a gente tem de seguir em frente com determinação. O touro tem de ser pego pelo chifre”, diz o espanhol Peláez. Ao conduzir o filho nos exercícios de fisioterapia, ele recorre à língua materna para incentivá-lo: “Fuerza, fuerza, fuerza. Lucha, lucha, lucha. Muy bien, Davidzinho.”
 

O alto custo dos acidentes

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INVESTIMENTO
No caso de Osmar Santos, vítima de um acidente de carro,
a conta da UTI ficou em R$ 500 mil. E ele continua gastando em reabilitação

Na lista dos tratamentos médicos mais onerosos estão os traumato-ortopédicos. Decorrentes de acidentes, dos quais os automobilísticos são os mais frequentes, eles envolvem custos hospitalares altíssimos. “Quase tudo o que usamos no atendimento a esses pacientes é importado, principalmente dos Estados Unidos e da Suíça. Preferimos utilizar o que vem de fora porque o controle de qualidade no Exterior
é muito mais rigoroso do que no Brasil”, diz o ortopedista Carlos Giesta, 72 anos – 48 de profissão –, um dos médicos mais respeitados do Rio de Janeiro.

Um tratamento de politraumatismo (quando há duas ou mais lesões traumáticas) custava, há dez anos, cerca de R$ 1 milhão, incluindo 50 dias de internação, UTI e uma cirurgia abdominal. “Esta conta, hoje, é o dobro”, diz Giesta.
“Sem contar os honorários médicos.”
Só o primeiro dia de um paciente com trauma, em um hospital de ponta, pode custar até R$ 15 mil. Os governos também pagam altas contas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o trauma consuma 13% dos gastos com saúde em todo o mundo. Isso equivale a um percentual que vai de 1% a 3% do PIB dos países. Fechando a conta, são US$ 518 bilhões por ano, segundo o Global Status Report on Road Safety, relatório da OMS realizado no ano passado com base em dados de 178 países.

Segundo o ortopedista Marcos Musafir, consultor da OMS para traumas e professor de ortopedia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o que encarece o tratamento é o custo da estrutura geral dos hospitais. “Um aparelho de ressonância magnética custa cerca de US$ 2,5 milhões. A UTI também torna o processo mais caro. Sem falar nos salários de toda a equipe médica”, diz. Ele também cita próteses importadas utilizadas na substituição de articulações. “As próteses de última geração, mais anatômicas, tornam o procedimento cirúrgico mais rápido. Custam cerca de R$ 15 mil por unidade, mas não podemos deixar de comprá-las, porque elas são menos invasivas e diminuem os riscos de complicações.”

A mais difícil das lesões traumato-ortopédicas é a fratura da coluna cervical com lesão medular. “Se houver esmagamento de medula, é irreversível. Não há solução para isso”, diz Giesta. Outras frequentes, causadas por acidentes de trânsito, são as fraturas de crânio, tórax e abdome. E, depois do atendimento no hospital, o paciente ainda tem pela frente em geral uma longa e custosa recuperação.

O apresentador Osmar Santos, por exemplo, tem até hoje os números da fisioterapeuta, do fonoaudiólogo e do terapeuta ocupacional anotados na primeira página da caderneta de telefones que carrega no bolso. É com esses especialistas que o ex-locutor esportivo se encontra três vezes por semana, há 16 anos, desde que sofreu o acidente de carro que lesionou seu cérebro – o que comprometeu sua fala e a coordenação motora.

Só por esses serviços, ele paga hoje cerca de R$ 1 mil mensais. Logo após o acidente, porém, a família desembolsava até R$ 6 mil por mês. A conta da UTI, paga pelo convênio, foi de R$ 500 mil. Hoje, graças ao tratamento de primeira linha que recebeu desde o início, com ênfase em exercícios de reabilitação, Osmar fez grandes progressos. O ex-locutor já conquistou certa mobilidade e independência e consegue falar algumas palavras. Além disso, cultiva todos os dias o hábito de pintar.
Colaborou Natália Leão