Os embalos de sábado à noite
    
No calor das baladas

Robert Stigwood, o empresário australiano de 42 anos conhecido como “o Darryl Zanuck do pop”, tinha perdido o juízo. Pelo menos era o que se comentava em Hollywood, como lembra Bill Oakes, no dia 25 de setembro de 1976, quando seu chefe convocou uma ostentosa coletiva de imprensa no Beverly Hills Hotel para anunciar que a Robert Sitgwood Organisation (RSO) acabava de assinar um contrato de um milhão de dólares com John Travolta para três filmes. Então com vinte e poucos anos, Oakes tinha trabalhado para os Beatles e também como assistente de Paul McCartney. Nessa época, dirigia a RSO Records, que se orgulhava de ter entre suas estrelas Eric Clapton e os Bee Gees. “Todo mundo achou que era loucura”, comenta Oakes, “pois até então ninguém nunca tinha feito a passagem da televisão para o estrelato no cinema. Muita gente achava que pagar um milhão de dólares por Vinnie Barbarino [o personagem de Travolta na sitcom televisiva Welcome Back, Kotter] iria nos expor ao ridículo.”

Stigwood queria que Travolta estrelasse a versão cinematográfica de Grease, o musical da Broadway que vinha fazendo uma longa temporada (do qual Tra¬volta já tinha participado no papel de Doody, um dos membros da gangue T-Bird, durante uma turnê). Cinco anos antes, Stigwood tinha feito um teste com o ator — então com apenas 17 anos — para Jesus Cristo Superstar (Jesus Christ Superstar, 1973) e, embora o papel tivesse ficado com Ted Neeley, Stigwood anotara num bloquinho amarelo: “Esse garoto vai ser um grande astro.”
Mas o contrato de aquisição dos direitos de Grease assinado por Stigwood estipulava que a produção não poderia começar antes da primavera de 1978, pois o musical ainda estava fazendo uma bela carreira. Enquanto esperavam, Stigwood e assessores começaram a buscar um novo projeto.

Alguns meses antes, um crítico de rock inglês chamado Nik Cohn havia publicado um artigo intitulado “Tribal Rites of the New Saturday Night” [Ritos tribais da nova noite de sábado] na edição de 7 de junho de 1976 da revista New York. O artigo descrevia os rituais observados nas noites de sábado por um grupo de trabalhadores ítalo-americanos de Bay Ridge, no Brooklyn, que tinham empregos provisórios mas viviam para as noites de dança numa dis¬coteca local chamada 2001 Odyssey. O preferido de Cohn, Vincent, era um sujeito durão e violento, mas um dançarino talentoso, louco por uma chance de brilhar e de se livrar das ruas decadentes do Brooklyn.

Numa gélida noite de inverno de 1975, Cohn fez sua primeira visita a Bay Ridge na companhia de Tu Sweet, um dançarino de discoteca que lhe serviria como guia. “Segundo Tu Sweet”, Cohn escreveria mais tarde, “aquela mania [das discotecas] tinha começado em clubes gays negros, passando depois pelos heterossexuais negros e gays brancos, para em seguida chegar ao consumo de massa — latinos no Bronx, imigrantes das Índias Ocidentais de Staten Island e também, claro, italianos no Brooklin.” Em 1975, dançarinos negros como Tu Sweet não eram bem-vindos nos clubes italianos; apesar disso, ele gostava dos dançarinos de lá, pelo jeito apaixonado de seus movimentos. “Esses caras às vezes não têm vida”, diria ele a Cohn. “Tudo o que têm é a dança.”

Estava rolando uma briga quando eles chegaram à 2001 Odyssey. Um dos envolvidos se jogou contra o táxi de Cohn e vomitou em sua calça. Com uma recepção dessas, os dois deram meia-volta em direção a Manhattan, mas Cohn teve tempo de vislumbrar uma figura vestindo “uma reluzente calça vermelha e um corpete preto”, que observava os acontecimentos da entrada do clube. “Ele tinha certo estilo, uma força interior, uma fome e a consciência do que tinha de especial. Ele parecia um astro”, recorda Cohn, que acabava de encontrar o seu Vincent, o protagonista de seu artigo no estilo new jornalism.*

* Gênero jornalístico que se caracteriza pela mistura de narrativa jornalística e literária. Surgiu nos Estados Unidos, na década de 1960, e teve como principais expoentes Truman Capote, Gay Talese e Norman Mailer, entre outros. (N. do T.)

Cohn voltaria à discoteca com o pintor James McMullan, cujas ilustrações para o artigo ajudaram a convencer o nada entusiasmado editor-chefe de Cohn, Clay Felker, a publicá-lo. O título, que seria “Another Saturday Night” [Outra noite de sábado], foi substituído por “Tribal Rites of the New Saturday Night”, com uma nota informando que “tudo que é relatado neste artigo é factual”.

Na década de 1970 quase não se ouvia falar de casos de compra de um artigo de revista para servir de base ao argumento de um filme, mas “Tribal Rites” atraiu tanta atenção que o produtor de Funny Girl — A garota genial (Funny Girl, 1968), Ray Stark, e alguns outros fizeram ofertas. Cohn tinha conhecido Stigwood em Londres, e gostava dele. Stigwood vinha de uma família humilde de agricultores de Adelaide, na Austrália. Tinha chegado a Londres no início da década de 1960 e acabou gerenciando a organização dos Beatles para Brian Epstein.

Afastado na luta de poder que se seguiu à morte de Epstein, Stigwood abriu a RSO Records, e em 1968 enveredou pelo ramo do teatro, montando no West End londrino as produções de Jesus Cristo Superstar, Hair e Grease. Sua carreira de produtor de cinema começou cinco anos depois, com a versão cinematográfica de Jesus Cristo Superstar, seguida de Tommy, o musical escrito para a banda de rock The Who e dirigido pelo flamejante Ken Russell, que se transformou num dos filmes de maior sucesso de 1975.

O trato então estava feito, e Cohn recebeu 90 mil dólares pelos direitos.

Era preciso, então, encontrar um diretor.

Em Los Angeles, o assistente de Stigwood, Kevin McCormick, um brilhante jovem de 23 anos vindo de Nova Jersey, começou a busca batendo de porta em porta. “Garoto, os meus diretores fazem filmes, e não artigos de revista”, um agente foi logo dizendo. Mas quando McCormick já estava fazendo as malas para voltar a Nova York, o telefone tocou e era o agente, dizendo: “Garoto, você está com sorte. Meu cliente chegou aqui, deu uma olhada na proposta e ficou interessado. Mas primeiro você terá que ver o filme dele.”

“Foi assim que vimos Rocky, o lutador (Rocky, 1976) na segunda-feira, e chegamos a um acordo”, lembra-se McCormick, atualmente presidente de pro¬dução da Warner Bros. O cliente era o diretor John Avildsen, que trazia consigo o roteirista Norman Wexler, que acabava de receber sua primeira indicação ao Oscar pelo roteiro de Joe — Das drogas à morte (Joe), o popular filme de 1970 sobre um intolerante operário da construção civil, interpretado por Peter Boyle.(A título de curiosidade, o filme deu a Susan Sarandon seu primeiro papel no cinema.) Wexler também tinha participado da adaptação de Serpico (1973), de Peter Maas, para a telona (que lhe rendeu uma segunda indicação ao Oscar). O que parecia combinar perfeitamente, pois Al Pacino era uma es¬pécie de santo protetor do artigo de Cohn, assim como do filme — na história, Vincent fica lisonjeado quando é confundido com Pacino, e no filme vemos o pôster de Serpico no quarto de Tony Manero em Bay Ridge, bem na frente de um famoso cartaz de Farrah Fawcett.

Alto, quase sempre metido numa capa de chuva, Wexler tragava tantos Tarytons que parecia andar envolto em fumaça. McCormick o achava “uma espécie de figura trágica, mas muito simpático”. Maníaco-depressivo, Wexler estava sempre tomando remédios e interrompendo a medicação; e quando isso acontecia era um inferno. Karen Lynn Gorney, que interpretava Stephanie Mangano, a garota por quem Tony se interessa no filme, relembra: “Ele entrava no escritório do seu agente ou tentava jogar um roteiro para alguém, e come¬çava a distribuir calcinhas e chocolates às secretárias.” Às vezes podia ficar vio¬lento, e todos sabiam que carregava uma pistola calibre .32. Uma vez, no auge de um surto maníaco, ele mordeu o braço de uma aeromoça; durante um outro voo, anunciou um plano para assassinar o presidente Nixon. “Já ouviram falar de teatro de rua?”, berrou, segurando uma foto do presidente. “Muito bem, pois aqui temos teatro de avião!” Foi detido e retirado do avião.

Mas McCormick gostou de ler o roteiro. Com 149 páginas, “era longo de¬mais, mas maravilhoso. Na minha opinião, Norman fez muito bem em criar uma situação familiar autêntica, um olhar sincero sobre a relação entre os ho¬mens e as mulheres daquele tempo, de um jeito que nunca seria possível hoje em dia”. Wexler transformou Vincent em Tony Manero e deu a ele uma irmã mais nova e um irmão mais velho preferido da mamãe, mas que lhe parte o coração ao desistir de ser padre. Durante uma briga à mesa do jantar, Tony ex¬plode com a mãe porque ela se recusa a aceitar que o filho mais velho abra mão da batina: “Você só tem três filhos que não prestam para nada!”, grita ele. A mãe — interpretada pela consagrada atriz de teatro Julie Bovasso, também autora de peças off-Broadway — começa a chorar, e Tony é corroído pelo remorso.

Antes de se transformar em ídolo dos adolescentes, John Travolta era dan¬çarino. “Acho que comecei a me interessar pela dança quando vi James Cagney em A canção da vitória (Yankee Doodle Dandy, 1942), quando tinha 5 ou 6 anos”, recorda Travolta numa pausa das filmagens da versão cinematográfica do musi¬cal Hairspray, de John Waters, em Toronto. “Eu costumava imitá-lo na frente da televisão.

Gostava mais das danças negras que das brancas. Assistia à série de TV Soul Train, e o que eu queria reproduzir em Os embalos de sábado à noite (Satur¬day Night Fever, 1977) era aquele clima de Soul Train.” Estaria ele se referindo ao seu famoso passo de dança ao som de “Stayin’ Alive”, dos Bee Gees, na cena de abertura? “Era o passo do sujeito que está na sua. Eu estudei numa escola com 50% de negros, e era assim que os garotos negros caminhavam pelo corredor.”

“Ninguém me obrigou a entrar para o show business”, conta Travolta. “Eu é que queria isso feito um louco.” Nascido em 1954 em Englewood, Nova Jer¬sey, ele tinha cinco irmãos — quatro dos quais, como ele, fizeram carreira no meio artístico. Sua mãe, Helen, era uma atriz que ensinava artes cênicas para o ensino médio e que havia quebrado o recorde de natação no rio Hudson. Seu pai, Salvatore (conhecido como Sam), chegou a jogar futebol americano em regime semiprofissional, sendo coproprietário da Borracharia Travolta. Os pais permitiram que ele abandonasse o Colégio Dwight Morrow em Englewood aos 16 anos, durante um ano, para tentar carreira no teatro.
Ele nunca retomou os estudos. Pouco depois, em 1970, Travolta chamou a atenção do agente Bob LeMond quando interpretava Hugo Peabody numa produção de Bye Bye Birdie [Até logo, Birdie] no Club Benet, em Morgan, Nova York. LeMond logo lhe conseguiu trabalho em dezenas de comerciais de televisão, incluindo um para a Mutual de Nova York, no qual Travolta representava o papel de um adolescente chorando a morte do pai.

Travolta mudou-se para Los Angeles em 1974 e fez um teste para A últi¬ma missão (The Last Detail, 1973), mas perdeu o papel para Randy Quaid. Conseguiu uma ponta como o sádico namorado de Nancy Allen em Carrie, a estranha (Carrie, 1976), de Brian De Palma, pouco antes de fazer um teste para Welcome Back, Kotter, a sitcom da ABC sobre um grupo de estudantes rebeldes do Brooklyn chamado “Sweathog” e seu professor, interpretado pelo criador do programa, Gabe Kaplan.

Depois de assinar contrato para interpretar o garoto italiano meio burrinho mas sexy, Vinnie Barbarino (que alucinava as garotas com o sorriso pateta, o topete ondulado e os meneios de quadril), Travolta conseguiu o papel princi¬pal em Cinzas no paraíso (Days of Heaven, 1978), de Terrence Malick. Só que a ABC não o liberou da produção de Welcome Back, Kotter, e Richard Gere acabou tomando o seu lugar. “Eu fiquei pensando: mas o que está acontecendo? Será que algum dia eu vou conseguir meu grande momento?”, lembra o ator.

O que ele não sabia é que já havia chegado seu grande momento. A rede recebia dez mil cartas de fãs por semana — só para ele. Logo haveria pôsteres de Vinnie Barbarino por toda parte: o queixo rachado, os olhos celestiais. Quando ele aparecia em público, era sempre cercado de multidões. Quando seu álbum de estreia foi lançado em 1976, milhares de admiradoras invadi¬ram a seção de discos da E. J. Korvette em Hicksville, Long Island, e cerca de trinta mil fãs apareceram naquele que era na época o maior shopping fechado do mundo, em Schaumburg, Illinois. No lançamento de Carrie, a estranha, o nome de Travolta aparecia acima do título em algumas marquises.

A ABC propôs a ele um programa inspirado no personagem de Barbarino, mas Travolta recusou, preocupado que isso o impedisse de algum dia conse¬guir um papel importante no cinema. E então Robert Stigwood telefonou.

Embora continuasse a participar de Welcome Back, Kotter, Travolta tinha feito o protagonista de um filme da ABC intitulado The Boy in the Plastic Bubble [O garoto na bolha de plástico], a história real de um adolescente nascido sem sistema imunológico. O filme foi ao ar no dia 12 de novembro de 1976, coestre¬lado por Diana Hyland, que interpretava sua mãe. Hyland — que costumava ser considerada “um tipo Grace Kelly” — havia contracenado com Paul Newman na Broadway, em Doce pássaro da juventude, mas era mais conhecida como Susan, a esposa alcoólatra da série de TV Peyton Place. O romance que surgiu então entre Travolta, de 22 anos, e Hyland, de 40, deixou espantados muitos conhecidos do ator, e foi mais ou menos abafado para não dar muito o que falar na imprensa nem alienar seu fã-clube de adolescentes.

Foi Diana que convenceu Travolta a aceitar o papel de Tony Manero. “Eu recebi o roteiro e o li na mesma noite”, relembra ele. “Fiquei me perguntando se seria capaz de dar dimensão ao papel. Diana o levou para o outro quarto, e mais ou menos uma hora depois voltou entusiasmada. ‘Meu bem, você vai ficar sensacional nisto! É sensacional! Esse Tony é um personagem muito rico! Para começar, está com raiva de alguma coisa. Ele detesta aquela armadilha do empreguinho medíocre no Brooklyn. Enxerga lá fora um mundo de glamour à sua espera, e só é capaz de senti-lo quando dança. E consegue crescer, sair do Brooklyn.’” Travolta se lembra de ter respondido: “Ele também é o rei da disco¬teca, e eu não sou um bom dançarino.” “Você vai aprender!”, disse ela.

Stigwood “simplesmente tinha aquela certeza meio cega de que o filme ia sair”, relata McCormick. “Mas não tinha um patrocinador. Ele mesmo estava bancando o filme, com seus novos sócios, com 2,5 milhões de dólares. Eu sabia que o orçamento já chegava a no mínimo 2,8 [milhões]. Tinha dor de estô¬mago todos os dias. Estávamos fazendo um filme de orçamento baixo no 135 Central Park West — literalmente montamos a trilha sonora na sala de estar de Stigwood.

E era preciso correr: Travolta e Stigwood estavam comprometidos para logo depois com a filmagem de Grease — Nos tempos da brilhantina (Grease, 1978). Aquilo ali não passava de um filminho que tinha que ser encerrado logo.

Depois de seis meses de preparativos, surgiu um enorme problema: o di¬retor não era a pessoa certa para o filme. McCormick notou que o trato com Avildsen ficava cada vez mais difícil. “Para começar, não conseguia imaginar quem poderia ser o coreógrafo. Tivemos infindáveis reuniões com Jacques D’Amboise [principal bailarino do New York City Ballet]. Conversamos bas¬tante com Judith Jamison [estrela do Balé Alvin Ailey]. A coisa chegou a um ponto em que Avildsen queria se ver livre daquela tortura. Para piorar, ele ainda provocava. ‘Travolta está muito gordo. Não sabe dançar, não pode fazer o papel, não pode.’”

Avildsen convocou o treinador e ex-boxeador Jimmy Gambina, que trabalhou com Sylvester Stallone em Rocky, o lutador, para deixar Travolta em forma, “o que foi excelente”, comenta McCormick, “pois Travolta tem uma tendência a se largar, um pouco carente de energia, e Gambina o treinou como se fosse um lutador”. Mas Avildsen ainda não estava satisfeito, e começou a perguntar se não seria melhor que o personagem de Travolta, “em vez de ser dançarino, fosse talvez um pintor. Foi muito estranho. Estava virando Clifford Odets”, relembra McCormick. No fim das contas, Travolta tampouco estava satisfeito com Avildsen; achava que o diretor queria aparar as arestas de Tony, transformando-o num sujeito bonzinho que carrega sacolas para senhoras de idade na vizinhança — um outro Rocky Balboa.

Semanas antes do início das filmagens, Stigwood convocou Avildsen para uma reunião urgente. Soube naquela manhã que Avildsen tinha sido indicado para o Oscar por Rocky, o lutador. “Robert entrou e disse: ‘John, tenho boas e más notícias. A boa é que você acaba de ser indicado para o prêmio da Acade¬mia. Parabéns. A má notícia é que está demitido’”, conta McCormick. Avildsen ganhou o Oscar.

— E agora, que fazemos? — perguntou McCormick a Stigwood.

— Contratamos outro diretor.

Foi assim que John Badham entrou em cena três semanas antes do início das filmagens. Badham nascera na Inglaterra e tinha sido criado no Alabama, formando-se pela Yale School of Drama. Como Travolta, sua família era do meio teatral. A mãe era atriz e sua irmã, Mary, havia interpretado Scout, a filha de Atticus Finch, em O sol é para todos (To Kill a Mockingbird, 1962). Sua ligação com Gregory Peck foi responsável por abrir as portas da indústria para o irmão: para ser mais preciso, a porta da sala de seleção de correspondência da Warner Bros. Aos 34 anos, Badham ainda não tinha aparecido em mui-tos créditos — apenas alguns filmes para televisão e um de baseball em que estrelaram Billy Dee Williams, Richard Pryor e James Earl Jones (The Bingo Long Traveling All-Stars & Motor Kings, 1976). Acabava de deixar — ou de ser induzido a deixar — a direção de O mágico inesquecível (The Wiz, 1978), pois discordava da contratação de Diana Ross, então com 33 anos, para o papel de Dorothy.* McCormick mandou-lhe o roteiro de Os embalos de sábado à noite e logo tratou de botá-lo num avião para Nova York.

Ao ser apresentado a Badham, Travolta ficou surpreso de ver que seu novo diretor conhecia tão pouco de Nova York. O ator resolveu mostrar Manhattan e o Brooklyn a ele. “Eu lhe propus me tornar seu guia: ‘Quero levá-lo para conhe¬cer Nova York e os arredores — a verdadeira Nova York. Eu conheço esta cida¬de.’” E ele aprendia rápido, conta McCormick. “Badham, que era o sujeito menos musical do mundo, arranjou o coreógrafo, que era fantástico” — Lester Wilson. Travolta já vinha trabalhando com Deney Terio, um dançarino de discoteca que mais tarde apresentaria na TV um concurso intitulado Dance Fever, mas foi Wil¬son, segundo acreditam muitos membros da equipe, que deu vida ao filme.

Wilson era um coreógrafo negro que tinha trabalhado com Sammy Davis Jr. como dançarino solista em Golden Boys [Meninos de ouro], na Broadway e em Londres. De mito nas discotecas gays, ele ganhou um Emmy pela coreo¬grafia dos especiais de TV de Lola Falana. “Deney Terio realmente mostrou os movimentos a John, e deve ter seu valor reconhecido. Mas não creio que Lester Wilson tenha recebido o crédito que merecia. O filme era o Lester”, conta Paul Pape, que interpretava Double J., o membro mais agressivo da turma de Tony Manero.

Travolta refere-se a Wilson como “um cara interessante. Ele me ensinou o que chamava de ‘tempo de espera’. Acendia um cigarro para saudar o dia e introduziu ritmos afro-americanos no meu estilo de dançar. Sou o tipo de cara que precisa de ideias para construir a dança. Preciso de um enredo. Lester bo¬tava uma música para tocar e dizia: ‘Mexa-se comigo, seu babaca. Mexa-se!’”

* A menina Dorothy, nessa nova adaptação cinematográfica de O mágico de Oz. (N. do T.)

Antes de começar a filmar, eles precisavam encontrar o set ideal. Lloyd Kaufman, cofundador da Troma Entertainment e encarregado das locações na produção, conta: “Visitamos todas as discotecas de Manhattan, do Brooklyn e do Queens, e chegamos até a considerar a hipótese de adaptar um loft às nossas necessidades, até nos decidirmos pela 2001 Odyssey, em Bay Ridge. Era nossa primeira escolha desde o início, já que foi onde a história tinha acontecido de verdade.” Fora dois dias de filmagens no West Side de Manhattan e as cenas da ponte Verrazano-Narrows, o filme foi inteiramente rodado em Bay Ridge.

Filmar no Brooklyn trouxe novos desafios. Era um bairro violento, e a pro¬dução começou a ter problemas com a vizinhança. Uma bomba foi jogada na discoteca, mas não causou muitos danos. McCormick perguntou a John Nico¬lella, gerente de produção nas filmagens de forte temperamento italiano: “‘Mas que porra é essa?’ E ele respondeu: ‘Bom, é coisa dos moradores. Eles querem que a gente contrate a garotada daqui.’ Até que dois sujeitos apareceram no set e me chamaram. ‘Vocês estão perturbando a vizinhança. Talvez precisem de segurança. E se quiserem instalar luminárias na pista de boliche do outro lado da rua, o Black Stan está precisando de 7 mil paus.’” Eles pagaram.

Tom Priestley, operador de câmera em seu primeiro filme, lembra: “Nós todos crescemos em locações de Nova York, pois todos os estúdios estavam em Hollywood. Tínhamos um ou dois palcos de filmagem decentes. Mas quase sempre trabalhávamos na rua. Não tínhamos toda aquela parafernália hollywoodiana. E foi, em minha opinião, o que nos tornou resistentes e flexí¬veis. Você entende que, se consegue trabalhar em Nova York, consegue traba¬lhar em qualquer lugar.”

Para aprofundar o personagem, Travolta começou a frequentar a 2001 Odyssey com Wexler. Tinha conquistado tanta popularidade como Vinnie Barbarino que precisava se disfarçar com óculos escuros e um chapéu. Antes de ser iden¬tificado, ficava observando os Faces, os dançarinos frios e agressivos nos quais Cohn tinha baseado seu artigo, concentrando-se em cada detalhe de seu com¬portamento.

Quando era reconhecido — “Ei, cara! Ei, é o Travolta!” —, o ator notava que os machos descolados da discoteca mantinham suas garotas bem na mira. “As garotas chegavam e eles diziam: ‘Olha só, fica longe dele, não vai zoar o Travolta’, e tratavam de mantê-las na rédea. Encontrei todo aquele machismo do Tony Manero observando esses caras nas discotecas”, conta o ator.

Priestley se lembra também: “Eu achava que os caras de verdade [no Brooklyn] não iam gostar de um filme assim, como se estivéssemos curtindo com a cara deles ou algo parecido, mas eles adoraram. Havia uma dupla de irmão e irmã que era muito boa. É preciso lembrar que todas aquelas pessoas são figurantes. Eles aparecem dançando ao lado de Travolta e Donna Pescow [que interpretava Annette]. Eram excelentes dançarinos.”

Não havia efeitos especiais em Os embalos de sábado à noite, exceto a fuma¬ça que subia da pista de dança. Bill Ward, o único iluminador do filme, explica que não se tratava de gelo seco ou alguma máquina de fazer fumaça: era “uma mistura tóxica de alcatrão e pneus queimados, encontrados numa alameda de Bay Ridge”. Produzia tanto calor e fumaça que a certa altura foi necessário trazer oxigênio para Travolta. Os realizadores também tiveram muito trabalho e despesas — 15 mil dólares — para instalar lâmpadas na pista que pulsariam com a música. As paredes foram cobertas com folhas de alumínio e lâmpadas de Natal. Quando o dono da discoteca viu as primeiras cenas, comentou: “Ca¬ramba, vocês fizeram o meu clube ficar lindo!”

As filmagens começaram em 14 de março de 1977. “O primeiro dia de locações foi do lado de fora do estúdio de dança”, lembra-se McCormick. “O gerente de produção me ligou, dizendo: ‘Está o maior caos!’ Eu fui lá fora e dei com dez mil garotos na rua, e só tínhamos quatro seguranças. Tivemos então que parar umas duas horas enquanto nos reorganizávamos, tentando encon¬trar uma maneira de fazer a coisa funcionar. Pela primeira vez tivemos noção do que John representava.” No fim do primeiro dia, foi necessário suspender as filmagens e voltar para casa, pois “não tinha como mover a câmera para qualquer direção sem dar com pelo menos quinze mil pessoas. Teríamos de divulgar listas falsas de convocação dos atores e ir para lá às 5:30h da manhã” para evitar a avalanche de fãs.

Nascida no Brooklyn, a atriz Donna Pescow, que emociona no papel de Annette, a garota bobinha que quase se destrói de tanta adoração por Tony, estava no trailer de maquiagem com Travolta quando foram cercados por fãs que começaram a sacudir o trailer. “Foi apavorante”, lembra-se ela. “Eles então foram falar com os chefões do bairro, que mandaram parar com aquilo. Estávamos praticamente comprando proteção. Era uma situação muito esqui¬sita.” Mas Karen Lynn Gorney achava que a energia liberada por milhares de admiradoras de Travolta gritando “Barbarino!” contribuía para o clima no set. “Ajudou o filme”, diz ela. “Tantos hormônios femininos circulando — era um bom sinal. As mulheres não estão acostumadas a expressar sua sexualidade, e o que vemos é isso, toda essa gritaria e choradeira, pois elas estão com as gônadas presas.”

Entretanto, Travolta passava por uma tragédia pessoal: a luta de Diana Hyland contra o câncer de mama. Quando ele começou a se preparar para interpretar Tony Manero, ela estava morrendo. Travolta fez muitas viagens de Nova York a Los Angeles para ficar com ela, e por isso estava constantemente estressado e sofrendo de jet lag. Duas semanas depois do início das filmagens, ele pegou um avião para a Costa Oeste, para estar ao lado de Diana uma última vez. “Quando se apaixonou, ele não sabia que Diana já estava doente”, contaria mais tarde a mãe de Travolta, Helen, à revista McCall, “mas ficou ao lado dela ao descobrir”. No dia 27 de março de 1977, Hyland morreu em seus braços.

Andy Warhol estava no voo em que Travolta voltou para Nova York. Mais tarde, escreveria em seu diário: “John Travolta ia toda hora ao banheiro e voltava com os olhos vermelhos, tomava suco de laranja e bebidas alcoólicas num copo de papel, até que deitou a cabeça no travesseiro e começou a cho¬rar. Também o vi lendo um roteiro, e achei que estivesse atuando, parecendo muito gracioso e sensível. (…) Ele tem mesmo um quê de magia. Perguntei à aeromoça por que ele estava chorando, e ela respondeu ‘morte na família’. Fiquei pensando ser a mãe ou o pai, até chegar em casa e ler no jornal que se tratava de Diana Hyland, a estrela de novelas que era a namorada dele e tinha morrido de câncer aos 41 anos.”

Karen Lynn Gorney diria mais tarde que chegava a sentir o espírito de Diana no set, “protegendo-o, pois ele estava mergulhado em profunda dor e precisava superar. Se se entregasse àquela dor, ele não conseguiria dar a volta por cima. Mas era muito profissional. Lembro a cena na ponte de Verrazano, quando eu me inclino para beijá-lo. O pobrezinho estava sofrendo tanto, e aquele beijo era completamente espontâneo. Não eram Tony e Stephanie que estavam ali: aquilo aconteceu porque eu realmente percebi que ele estava muito triste”.

Há outra cena linda entre Travolta e Gorney, quando Stephanie concorda em ir com Tony a um restaurante do Brooklyn. “Queríamos ver até onde era possível filmar com uma tomada só”, conta Badham referindo-se à cena filmada através das janelas do restaurante, de tal maneira que eles são vistos num des¬lumbrante reflexo onírico dos arranha-céus da cidade — “mágico e distante”. Os dois tentam impressionar um ao outro, querendo se mostrar muito expe¬rientes, mas na verdade chegam a ser cômicos em sua ingenuidade. (Stephanie diz a Tony que os nova-iorquinos sofisticados bebem chá com limão.) “Os dois tentam parecer muito mais sofisticados do que realmente são”, comenta Badham. À medida que a cena se desenvolve, a luz vai sutilmente mudando, o fim de tarde dando lugar à chegada da noite.

Badham e Travolta entraram em confronto algumas vezes. Quando Travolta viu pela primeira vez o copião da cena inicial, na qual um ator substituto — filmado do joelho para baixo — dá a famosa caminhada pela 86th Street, na Broadway, ao som de “Stayin’ Alive”, insistiu que o personagem não anda¬ria daquele jeito. Fez com que Badham gravasse de novo a cena, dessa vez o próprio Travolta descia a avenida.

Mais tarde, ao ver como seu grande solo de dança havia sido montado, Travolta ficou furioso. “Comecei a chorar e fiquei muito irritado com a maneira como o principal número de dança foi filmado. Eu sabia como tudo precisava aparecer na tela, e a cena não foi rodada como devia. Não dava nem para ver os meus pés!” A sequência tinha sido montada de maneira a destacar os primeiros planos, por isso todo o seu incrível trabalho — as quedas em cima do joelho, as pernas abertas em compasso, todo o solo no qual havia trabalhado durante nove meses — estava cortado do joelho para baixo. Travolta sabia que, para a cena funcionar realmente, ele tinha que ser visto da cabeça aos pés, assim ninguém ficaria pensando que outra pessoa havia dançado em seu lugar. Um dos mais famosos números de dança da história do cinema quase não chegou às telas.

“Telefonei a Stigwood”, conta Travolta, “chorando e furioso, e disse: ‘Robert, vou deixar o filme. Não quero mais me envolver com isso.’”
Stigwood o autorizou a remontar a cena, contra a vontade de Badham. Aos 23 anos, Travolta sabia o que queria e o que era capaz de fazer, e tratava de proteger o personagem e sua incrível expressão corporal.

“No início os Bee Gees nem sequer participavam do filme”, relata Travolta. “Eu dançava ao som de Stevie Wonder e Boz Scaggs.” Mas quando eles chegaram, tudo mudou.

Stigwood viria a considerar os Bee Gees como cocriadores do filme. “Aque¬las cinco primeiras canções”, diz Bill Oakes, “que eu botei no primeiro lado do álbum duplo da trilha sonora — ‘Stayin’ Alive’, ‘How Deep Is Your Love’, ‘Night Fever’, ‘More than a Woman’ e ‘If I Can’t Have You’ [composta pelos irmãos Gibb mas cantada pela mulher de Oakes na época, Yvonne Elliman] — são exatamente as músicas que a gente não conseguia parar de ouvir”. Mas em 1976, antes que Stigwood comprasse os direitos do artigo de Cohn, “os Bee Gees estavam quebrados”, lembra-se McCormick. “Faziam turnês pela Malásia e pela Venezuela, os dois países onde ainda eram populares. Estavam muito mal. Todo mundo [no grupo] tinha lá o seu drama.” Mas Stigwood “ainda tinha essa capacidade inata de detectar uma tendência, como se tivesse implantado no cérebro um giroscópio pop”, acrescenta.

Os Bee Gees são formados por três irmãos — Barry, Robin e Maurice Gibb — nascidos na ilha de Man, no Reino Unido, e criados na Austrália, e cujo primeiro grande sucesso, “New York Mining Disaster 1941”, fez muita gente pensar que tinha sido gravado secretamente pelos Beatles sob pseudônimo. Logo depois viriam mais dois outros sucessos: “To Love Somebody” e “How Can You Mend a Broken Heart”. A rápida chegada da fama e do dinheiro representou uma enorme pressão para o grupo: eles se separaram, tentaram carreiras solo, voltaram a se juntar e na época de Os embalos de sábado à noite eram considerados uma banda dos anos 1960 datada, mergulhada em drogas, álcool e problemas jurídicos. Ainda assim, Stigwood os contratou para sua gravadora e mandou “Jive Talkin’” para as estações de rádio anonimamente, pois ninguém mais queria saber deles. Oakes lembra que, no início da década de 1970, “já era difícil conseguir botar os Bee Gees de novo no rádio, pois eles praticamente haviam entrado para uma lista negra”. Mas quando “Jive Talkin’” estourou as pessoas se surpreenderam ao saber que “aqueles carinhas cantando música de discoteca em falsete eram na verdade os bons e velhos Bee Gees — mais uma vez, a genialidade de Stigwood”. A canção e o álbum do qual fazia parte, Main Course, foram um enorme sucesso. Embora eles não fossem na verdade uma banda disco — não frequentavam pistas de dança, nem sequer dançavam! —, Stigwood achava que tinham “a batida da pista no sangue”, comenta Oakes.

Quando Stigwood falou sobre o artigo de Cohn e pediu que compusessem canções para o filme, os irmãos haviam voltado para a ilha de Man, por motivos fiscais. Barry Gibb sugeriu alguns títulos, entre eles “Stayin’ Alive” e “Night Fever”, mas só quando eles se reuniram no estúdio do Chateau D’Heuroville, na França, para fazer a mixagem de um álbum gravado ao vivo, intitulado Here at Last Live, é que eles completaram as canções — tendo-as escrito praticamente num fim de semana.

Stigwood e Oakes apareceram em Heuroville, e os Bee Gees mostraram o que tinham: “How Deep Is Your Love”, “Stayin’ Alive”, “Night Fever”, “More than a Woman”. “Eles ficaram muito entusiasmados e disseram que era genial. Nós ainda não tínhamos a menor ideia do que era o filme, a não ser por um esboço de roteiro que eles traziam”, relata Barry Gibb. “É importante lembrar que, em 1975, nós estávamos completamente estagnados, o som dos Bee Gees já estava esgotado. A gente precisava de alguma coisa nova. Não emplacávamos um disco de sucesso havia três anos. Sentimos que tinha chegado o fim. Cumprimos nosso ciclo de vida, como a maioria dos grupos no fim da década de 1960. Então, precisávamos encontrar alguma coisa. Não sabíamos o que ia acontecer.”

Oakes fez a mixagem da trilha sonora no estúdio da Paramount. Os executivos da companhia o interpelavam no refeitório, perguntando: “‘Como é que vai seu filminho de discoteca, Billy?’ Achavam que era uma bobagem, que a época da discoteca já tinha passado. Hoje em dia, costuma-se achar que Os embalos é que disparou o fenômeno das discotecas, mas não foi bem assim. A verdade é que o filme infundiu nova vida num gênero que estava morrendo.”

A música mexeu profundamente com o elenco e a equipe toda. Recorda-se Priestley: “Todos achavam que tínhamos entrado na maior fria, e de repente ouvimos aquela música. Ela mudava tudo. Só ouvimos a trilha sonora depois de já estarmos filmando há cerca de três semanas. Mas quando ouvimos, todo mundo exclamou: ‘Uau!’ Ela vinha envolta numa aura. Quero dizer que não sou nenhum fã de disco music, mas aquela música transcendia isso.” Pela primeira vez, todo mundo ousava imaginar que o filme podia ser um fenômeno. Gorney, que era filha de Jay Gorney, autor de canções de sucesso como “Brother, Can You Spare a Dime” e “You’re My Thrill”, teve a mesma reação: “Na primeira vez que ouvi a música eu disse: ‘Vai ser um sucesso de arrasar.’”

“Qual foi o alcance de Os embalos?”, vem a pergunta retórica de Karen Lynn Gorney. “Três meses, trinta anos, e a coisa ainda não acabou. Parecia que eu estava sempre trabalhando no filme, por causa da dança. Fisicamente, eu não estava bem quando comecei. Estava apavorada, pois, a primeira vez que dancei com John, ele já estava trabalhando naquilo havia seis meses. Parecia que eu estava tentando dançar com um garanhão selvagem, tão bom ele era.”

Atriz e dançarina, muito conhecida na época como a Tara Martin Tyler Brent Jefferson da interminável novela da ABC All My Children [Todas as minhas crianças], Gorney conseguiu o papel depois de dividir um táxi com o sobrinho de Stigwood. Como ele começou a falar do filme, ela perguntou: “E eu estou nele?” Foi testada por Stigwood em seu apartamento no San Remo, no Central Park West. “Lembro a enorme tela de seda chinesa pendurada na parede, con¬tando toda a história da China. Diante dela, fiz a melhor interpretação da minha vida.” Ela ficou com o papel de Stephanie, a ambiciosa jovem do Brooklyn que já havia conseguido chegar “à cidade” e só pensava em aprender e se aperfeiçoar, fazendo cursos e bebendo chá com limão. Tony a lembra do bairro de que está tentando fugir. É um papel tocante e cômico — a certa altura, tentando mostrar toda a sua erudição com seu sotaque do Brooklyn, ela insiste que Romeu e Julieta foi escrito por Zeffirelli. “A personagem ficava tentando se convencer de ficar longe de Tony”, diz ela, “porque ele não poderia levá-la a lugar algum. Vozes dentro de sua cabeça diziam ‘Mas ele é jovem demais, não tem classe’.”

Houve algumas reclamações a respeito de Gorney quando as filmagens começaram. Certos membros da equipe a consideravam velha para o papel, e também que não dançava tanto assim. (Ela sofrera graves ferimentos num aci¬dente de moto alguns anos antes.) Entretanto, em sua crítica do filme, Pauline Kael considerou seu desempenho comovente: “Gorney nos conquista tanto com seu rosto pequeno e a expressão intensa e preocupada como pela maneira como diz suas falas, às vezes milagrosamente tensa e ardente. A decidida e inquieta Stephanie (…) é uma versão atualizada das moças independentes que Ginger Rogers costumava interpretar.” Sua firmeza, sua ambição e até mesmo sua cômica inocência contribuem para a autenticidade do filme. Assim como seu sotaque, tão carregado que precisa de legendas.

O outro personagem feminino importante é Annette, interpretada por Donna Pescow. Ela fez seis testes para o papel, três com Avildsen e três com Badham. Quando afinal o conseguiu, aos 22 anos, disse que seria o primeiro Natal em muitos anos no qual não teria de trabalhar como vendedora de arti¬gos de decoração na Bloomingdale’s. Ela havia passado dois anos na Academia Americana de Artes Dramáticas, em Nova York, tentando livrar-se do sotaque do Brooklyn, mas quando finalmente conseguiu o papel precisou resgatá-lo. A lendária diretora de elenco Shirley Rich aconselhou-a: “Donna, volte para casa, fique com seus pais. Desse jeito, parece que você não tem raízes.”

“Eu cresci sem usar a palavra ‘Manhattan’, era sempre ‘a cidade’ — ‘Hoje vamos à cidade’”, lembra-se Pescow. “Morava com alguns amigos porque era perto do set, e eu não dirigia. Os caminhoneiros costumavam me apanhar. Na minha primeira noite de filmagem, meu avô, Jack Goldress, me levou para o set em Bay Ridge. Ele tinha trabalhado como iluminador em teatros de vaudeville e depois como projecionista de cinema no RKO Albee, por isso o mundo do cinema não era nenhum bicho-papão para ele. Ele estava mais preocupado em encontrar um lugar para estacionar.”

Badham ensaiou Pescow e os Faces durante algumas semanas, “só para nos integrarmos. Nós frequentávamos juntos as discotecas. Travolta não podia ir porque seria facilmente reconhecido, mas os outros iam. Eu nunca tinha entra¬do numa discoteca antes”.
Uma das primeiras cenas filmadas com Donna foi a do estupro coletivo, até hoje assustadora. Um preparador da Academia Americana lhe disse certa vez: “Se tiver que interpretar uma vítima, está perdida”, e ela parece ter levado a sério a advertência. Embora fiquemos escandalizados com a maneira como seu personagem sofre abusos, vemos perfeitamente sua força e sua capacidade de resistência. No esforço de se tornar o tipo de mulher que atrairia Tony, ela se deixa abusar pelos rapazes com os quais provavelmente cresceu, foi à escola, dançou. Seu personagem é o que tem a mais clara percepção de como vinha mudando o papel das mulheres. Tony lhe pergunta, cheio de desprezo: “Mas o que você é afinal? Uma boa menina ou uma boa boceta?”, e ela retruca: “Não sei… As duas coisas?”
“John Badham e eu discordávamos o tempo todo sobre essa cena”, relembra Pescow. “Eu dizia: ‘Ela é virgem.’ E ele: ‘Não, não é.’ Por isso é que eu não inter¬pretava o papel como se ela realmente tivesse sido estuprada — pois não foi —, ela estava muito longe dali, em seu mundinho”, oferecendo sua virgindade, por caminhos transversos, a Tony Manero.

Pape reconhece que foi muito difícil filmar a cena. “Donna teve ali um momento incrível como atriz. Nós realmente temíamos que aquilo pudesse afetar nossa amizade. Conversamos muito antes de fazer a cena. Tínhamos que entrar naquela situação coreográfica, em que você violenta uma amiga sem levar em conta seus sentimentos. Tínhamos de ir a um lugar onde nenhuma proteção lhe fosse possível. Ela estava disposta a se entregar ao cara errado. E o que que¬ria realmente? Ela só queria ser amada.”

Todos no set pareciam impressionados com a vulnerabilidade de Pescow. Relata Priestley: “A equipe a adorava. Ela era fabulosa. Mas todo mundo sentia pena dela. Tem aquela sequência maravilhosa em que ela vai até Tony e per¬gunta: ‘Não vai me convidar para sentar?’ E ele: ‘Não’, e ela diz: ‘Mas me convi¬daria para deitar…’ Ela estava perfeita — aquilo não podia ser mais Brooklyn. E o vestidinho com jaqueta de pele branca… Faz a gente se sentir culpado pelas garotas que maltratamos.”

A turma de Tony Manero — os Faces —, que o acompanha e protege, admi¬rando sua dança, impedindo que as garotas o incomodem e criando caso com os porto-riquenhos, era interpretada com pathos e humor por Pape (Double J.), Barry Miller (Bobby C.) e Joseph Cali (Joey). “Pacino era o máximo como ator, o mais quente do momento. Era uma espécie de alma do filme. Quando Tony sai do quarto de cueca e sua avó italiana faz o sinal da cruz, ele grita: ‘Attica! Attica!’ — uma fala de Um dia de cão (Dog Day Afternoon, 1975)”, conta Pape, que conseguiu esse seu primeiro papel no cinema logo no primeiro teste — algo praticamente inédito —, e cujo personagem era uma espécie de “assessor prin¬cipal que poderia facilmente ter sido o líder. Mas ele tinha um problema: um temperamento difícil. Por isso é que estava na segunda posição”.

Como seus companheiros, Cali, ator de formação teatral, acabaria sendo confinado num nicho pelo papel de Joey. “As pessoas achavam que eu era mesmo aquele moleque de rua. Eu tinha que ser o Joey”, diria ele mais tarde. No papel do infeliz Bobby C., Miller protagoniza o momento mais chocante do filme, quando cai — ou pula — para a morte da ponte de Verrazano. Ele estava deprimido porque a namorada estava grávida e teria que casar com ela, acabando com aquela vida despreocupada na turma de Tony.

Os atores ensaiaram por algumas semanas em Manhattan, nas imediações da Eighth Street e da Broadway. “Nós só jogávamos basquete e fazíamos a cena em que curtimos com a cara dos gays”, conta Pape. “Estávamos todos começando na vida, novinhos em folha: era exatamente aquilo com que sonhávamos, a chance de mostrar nosso valor. E improvisávamos muito bem juntos.” (Travolta, na verdade, era um inspirado improvisador. Manero é esbofeteado pelo pai dominador durante uma discussão à mesa do jantar. Travolta improvisou: “Quer pelo menos tomar cuidado com o cabelo? Poxa, eu fico um tempão cui-dando do cabelo e você faz isso! Ele acertou no meu cabelo!”)

Preparando-se para os respectivos papéis, os integrantes do Faces foram a Times Square com a figurinista, Patrizia von Brandenstein (que viria a ganhar um Oscar pela direção de arte de Amadeus, em 1984). As roupas foram compradas em lojas, contribuindo para a autenticidade do filme. “Compramos um monte de roupas de poliéster, muita bijuteria. Ela tinha uma sensibilidade incrível para a coisa”, diz Pape. Von Brandenstein encontrou o famoso terno branco de Travolta numa butique de Bay Ridge, bem embaixo do elevado. “Era 1977”, lembra Priestley. “Todo mundo queria aparecer com um brilho, ouro em volta do pescoço, os sapatos pontudos… E não podia faltar o terno. Era o efeito ‘Hollywood está chamando’.”

Pape inspirou-se no assédio dos fãs de Barbarino durante as filmagens. “Eles não estavam ali apenas para ver Travolta”, diz. “Quando conseguiam se aproximar da gente, eles queriam ser tratados com respeito. Não queriam saber daquelas histórias de Hollywood isso, Hollywood aquilo. Era uma gente que frequentava as discotecas nos fins de semana, e que trabalhava em lojas de tin¬tas, em empregos provisórios. Aquilo era importante para eles. Não era só uma questão de chegar perto dos artistas de cinema. Eles pensavam mais ou menos assim: ‘Tudo bem, vocês são bem-vindos por aqui, mas tratem de mostrar res¬peito. É assim que nós vivemos, este é o nosso mundo. Um dos caras disse certa vez: ‘Podem tocar, mas não cuspir.’”

A presença da ponte Verrazano-Narrows em Os embalos de sábado à noite é quase mítica. Batizada em homenagem ao explorador quinhentista italiano Giovanni da Verrazano, é motivo de orgulho para os ítalo-americanos. Ao ser inaugurada, em 21 de novembro de 1964, era a mais longa ponte suspensa do mundo, ligando o Brooklyn a Staten Island. Realização americana com um nome italiano, ela simboliza a concretização de sonhos impossíveis. Tony conhece bem a ponte, e numa das cenas conta afetuosamente sua história, falando de suas dimensões, de sua grandeza. É nela que os garotos da sua turma — bêbados e cheios de uma energia selvagem — se penduram nas vigas e desafiam uns aos outros a subir mais alto. A equipe passou três desgastantes noites filmando na ponte, e foi um verdadeiro pesadelo, pois naquele mês de março o clima oscilava entre o congelado e 32 graus. Os ventos fortes ainda represen¬tavam uma ameaça adicional para as equipes e os dublês nas cenas arriscadas. Acumulando as funções de dublê de Travolta e usando os sapatos e as calças de Tony Manero, Priestley, o operador de câmera dessa cena, subiu na viga principal da ponte com uma câmera na mão e filmou a si mesmo, tendo apenas o chefe dos maquinistas a segurá-lo pela cintura. “Eu era jovem. Nessa idade, a gente não está nem aí para o perigo. Mas estávamos a 180 metros da água. Peguei a câmera e simplesmente filmamos. Queríamos mostrar a Hollywood que éramos capazes de fazer grandes filmes.”

“Eles estavam falando de nos prender a fios”, relembra Pape, “mas eu disse ‘não’ e simplesmente saltei num dos cabos para mostrar que sabia muito bem rodopiar. Não havia rede de segurança. Eu estava dezenas de metros acima da água. Foi tudo improvisado, sem qualquer planejamento. Dei um salto lá para cima e avisei: ‘Vamos em frente, vamos acabar logo com isso.’”

O elenco e a equipe achavam que a Paramount não estava dando a menor importância a Os embalos de sábado à noite. “Reservaram para nós no estúdio um escritório do tamanho de uma despensa”, diz Oakes. “Eles não acreditavam no filme. Só Stigwood sabia que ia ser sensacional. Para o estúdio, não passava de um ‘filminho de discoteca’ — era a frase que não saía da minha cabeça.”

Na verdade, Michael Eisner, recém-nomeado diretor de produção da Paramount, ouvia boatos de que o filme era muito vulgar. Em pré-estreias em Cincinnati e Columbus, metade do público tinha se retirado por causa da linguagem e das cenas de sexo. McCormick lembra-se de ter sido chamado no aeroporto JFK: “Atendo o telefone e é o Eisner, que começa a gritar comigo porque só tínhamos tirado dois ‘foda-se’ do filme. A coisa evoluiu para uma daquelas discussões ridículas nas quais eles diziam: ‘Tirem dois ‘foda-se’ em troca de um ‘cucaracho’.” Stigwood finalmente concordou em tirá-los, e pronto — disso ele não passava. Mas eles resolveram deixar “boquete”, o que, segundo alguns, representava a primeira vez que a palavra era pronunciada num filme de longa-metragem. (As tentativas de contatar Eisner foram infrutíferas até a primeira publicação deste artigo.)

Não era apenas uma questão de linguagem. Alguns dos engravatados da Paramount não gostaram de como Travolta tinha sido filmado numa das cenas — ajeitando-se diante do espelho de cueca, com uma corrente de ouro caindo sobre o peito cabeludo — pelo diretor de fotografia Rald D. Bode. “Sofremos todo tipo de pressão”, lembra-se Badham. “Estávamos filmando o cara de roupa íntima, mostrando o corpo.” A imagem do esbelto Travolta, com toda sua carga erótica, era tão homoerótica que o desenhista de produção, Charles Bailey, resolveu colocar em seu quarto o famoso pôster de Farrah Fawcett só para acalmar o clima.

A Paramount ainda enfrentaria outro probleminha antes da distribuição do filme. Hairspray — Em busca da fama (Hairspray, 2007) não foi a primeira vez em que John Travolta apareceu travestido. Para descontrair no fim das filma¬gens, Travolta e alguns membros da equipe filmaram um “casamento” na disco¬teca — só para se divertir —, no qual John aparecia vestido de noiva e um dos maquinistas, no papel do noivo. “Eles queriam fundir a cuca de todo mundo na Paramount”, conta Bill Ward. Mas quando os executivos do estúdio chegaram, segundo Tom Priestley, “não acharam a menor graça. Mandaram alguém para assumir o controle do filme, e tenho certeza de que pisaram no freio”.

Stigwood lançou a trilha musical antes do filme, numa estratégia que não só funcionou como mudou as regras do jogo. “Ele praticamente inventou um novo modo de negociar a distribuição de filmes, discos, peças e programas de televisão”, pondera Oakes. “Acho que o fato de ele ser australiano influiu muito, com aquele tipo de empreendedorismo meio aventureiro. Não creio que tivesse tido tanto êxito se fosse inglês.”

Eisner estava esquiando em Vail duas semanas antes da estreia do filme, em 7 de dezembro de 1977. “Ouvi ‘Stayin’ Alive’ no elevador, no térreo, e começamos a subir até o último andar, no restaurante, e lá também estava tocando a música. Resolvi telefonar para Barry Diller, o presidente da Paramount, e perguntei: ‘Quem diz que não teremos um sucesso daqueles?’ Então, o filme estreou”, prossegue Eisner, e Travolta “era o maior sucesso já visto”. Quando o filme foi lançado, no Grauman’s Chinese Theatre, foi um fenômeno. Nos 11 primeiros dias, arrecadou mais de 11 milhões de dólares — e chegaria a 285 milhões; a trilha musical seria a mais bem-sucedida de todos os tempos — até O guarda-costas (The Bodyguard), com Whitney Houston, em 1992.

Travolta, que achava que estavam fazendo apenas “um filminho de arte no Brooklyn”, ficou pasmo. Não apenas deu nova vida à disco music como mudou o visual dos jovens americanos. “De uma hora para outra, milhares de jovens de cabelo desgrenhado que vestiam jeans começaram a usar ternos e paletós, penteando o cabelo e aprendendo a dançar”, escreveu a Newsweek. A loja de departamentos Abraham & Straus, no Brooklyn, abriu uma butique de roupa masculina a la “Night Fever”. Os concursos de sósias de John Travolta formavam filas dando volta no quarteirão. Admiradores do calibre de Jane Fonda e Gene Siskel, crítico de cinema do Chicago Tribune que viu Os embalos de sábado à noite nada menos que vinte vezes, fizeram lances pelo terno de Travolta quando foi oferecido num leilão beneficente em 1979. Siskel levou a melhor sobre ela, por 2 mil dólares. (O traje hoje está avaliado em 100 mil, e se encon¬tra na Smithsonian Institution.)

Pape e Pescow foram ver o filme num cinema do Brooklyn. “Era a primeira vez que o via com as pessoas que havíamos retratado”, lembra-se Pape. “Foi incrível. Eles dialogavam com a tela, gritavam, e quando saímos do cinema, fomos agarrados. Mas não era um assédio ruim, pois eles estavam dizendo: ‘Vocês acertaram na mosca! De que parte do Brooklyn vocês são?’ Era um assédio positivo.”
No fim das contas, pondera Karen Lynn Gorney, o filme era tão autêntico que mais parecia um documentário. “Nós improvisamos durante duas semanas, e, quando começamos a filmar, Badham limitou-se a rodar o que estava acontecendo. Era como se não estivéssemos representando.”

Para os Bee Gees, com o sucesso da música, a vida virou um pandemônio. “Os embalos estavam em primeiro lugar toda semana”, lembra-se Barry Gibb. “Não era um álbum de sucesso como outro qualquer. Era o número 1 toda santa semana, durante 25 semanas. Foi uma época muito louca, inacreditável. Lembro que nem podia atender o telefone, e que tinha gente tentando escalar o meu prédio. Fiquei muito feliz quando acabou aquilo. Era irreal demais. A longo prazo, dá para viver melhor quando as coisas não são assim o tempo todo, por mais legal que fosse.”

Quando começaram a sair as críticas, Travolta viu seu agente, Bob LeMond, chorando discretamente na Palm Court do Plaza Hotel. Ele estava lendo a crítica de Pauline Kael publicada na edição de 26 de dezembro de 1977 da New Yorker. Até hoje Travolta guarda com carinho as palavras de Kael: “[Ele] atua como quem realmente adora dançar. E, mais que tudo, atua como quem realmente adora representar. (…) Expressa nuanças emocionais que não cons¬tam nos roteiros e sabe nos mostrar a integridade e a inteligência por trás da rudeza de Tony (…) ele não é apenas um bom ator, mas um ator de coração generoso.”

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas indicou Travolta para o Oscar de melhor ator, ao lado de Richard Dreyfuss, Woody Allen, Richard Burton e Marcello Mastroianni — o prêmio foi para Dreyfuss, por A garota do adeus (The Goodbye Girl, 1977). Mas os Bee Gees foram esnobados. Stigwood ameaçou entrar na justiça e McCormick protestou em sua casa, em Los Ange¬les, com uma “festa anti-Oscar”. Entre os convidados estavam Marisa Berenson, Tony e Berry Perkins, Lily Tomlin e o escritor Christopher Isherwood — até Ava Gardner apareceu. “Foi o último lance envolvendo Os embalos de sábado à noite” para McCormick. “Depois disso, acabou para mim.”

O filme mudou a vida de John Travolta. Ele havia se tornado, para os anos 1970, o que Brando e Dean tinham sido para os 1950. Travolta considera que Os embalos de sábado à noite conferiu uma identidade à década. Pape acha que era simplesmente o destino de Travolta: “Às vezes chega aquele momento que é mes¬mo o seu. Era como se tivesse que acontecer na vida do John, e todo mundo tinha que sair da frente.” Quando o estrelato chegou para Travolta, era como se não tivesse para mais ninguém em sua estratosfera. “Só dava eu”, lembra ele. “Alguns anos depois, viriam Tom Cruise, Tom Hanks e Mel Gibson, mas durante muito tempo não havia mais ninguém. Era mais ou menos como a popularidade do Valentino, uma fama quase inconcebível. Não que eu quisesse concorrência, eu só queria companhia.”

Para Pape, o filme era algo como “ser amarrado a um foguete. Eu quase me tornei vítima de meu próprio sucesso. Todo o meu treinamento de palco, tudo o que eu havia feito começava a funcionar contra mim, pois só me ofereciam papéis semelhantes. Aquilo que nos tornava famosos é que servia para nos aprisionar”. Pescow, que recebeu o prêmio de melhor atriz coadjuvante do Círculo de Críticos
Cinematográficos de Nova York por sua participação no filme, seria muito elogiada posteriormente no papel de uma garçonete num seriado de televisão, Angie, que não durou muito. Depois disso, passou “anos esperan¬do por um papel no cinema. E como não acontecesse, percebi que minha vida tinha se transformado numa sala de espera. E isso eu não podia aceitar”. Atual¬mente, Pape é muito requisitado como narrador na televisão e no cinema, além de presidir sua produtora, a Red Wall Productions. E o retorno profissional de Pescow não passou despercebido. Como se quisesse estabelecer um vínculo entre Tony Manero e Tony Soprano, ela participou do polêmico episódio final de Família Soprano.

No fim da década de 1990, Joseph Cali aparecia eventualmente na televisão, em programas como SOS Malibu e Melrose, mas atualmente se dedica sobretudo à venda de equipamentos de home theater da Cello Music & Film Systems, empresa que fundou há seis anos. Gorney participou de dezenas de filmes independentes desde Os embalos de sábado à noite. Pode ter sido responsável pelo início de uma vertente de heroínas duronas com sotaque do Brooklyn, personificadas por atrizes como Marisa Tomei, Debbie Mazar e Lorraine Bracco.
McCormick afirma que trabalhar em Os embalos “foi o momento mais empolgante da minha vida. Eu nunca acordei tão cedo e mal podia esperar para ver as tomadas à noite. Passei de um período sombrio a uma fase gloriosa. E no fim a gente nem sabia como a coisa ia funcionar. Eu só ficava rezando para que o filme fizesse bastante sucesso e eu conseguisse trabalhar num outro”. Suas preces foram atendidas. Na Warner Bros., McCormick supervisionou filmes como Syriana (2005), A fantástica fábrica de chocolate (Charlie and the Chocolate Factory, 2005), Mar em fúria (The Perfect Storm, 2000), Divinos segredos (Divine Secrets of the Ya-Ya Sisterhood, 2002), Clube da luta (Fight Club, 1999) e Diamante de sangue (Blood Diamond, 2006).

O cometa de Stigwood também continuou a brilhar — por algum tempo. Os embalos foi seguido de Grease — Nos tempos da brilhantina, cuja arrecadação foi ainda melhor. Mas, talvez inevitavelmente, Stigwood e os Bee Gees se desentenderam. A banda moveu contra ele uma ação judicial pedindo 120 milhões de dólares, mas o caso seria resolvido fora dos tribunais. A RSO fechou em 1981. “Pensei que estivesse trabalhando para um mago, um alquimista”, diz McCormick, mas depois de Os embalos de sábado à noite “não era mais possível fazê-lo se interessar por nada. Ele não se empenhava para valer. Queria se sentir seguro. E aquele dinheiro todo foi parar nas Bermudas”, onde Stigwood manteve uma propriedade senhorial durante alguns anos. Comenta Oakes: “Ele se distanciou da vida cotidiana, quase como Howard Hughes. Literalmente vivia no seu iate, ou em alguma suíte. Conseguir que ele saísse era um verdadeiro acontecimento.”

Travolta considera que “a grande diferença entre Stigwood e eu era que, quando se consegue algo grande assim, as pessoas preferem se abster se não for para repetir aquele sucesso incrível. Ele tirou o time de campo, transferiu-se para as Bermudas, decidiu pendurar as chuteiras”. No caso de Travolta, a coisa foi diferente.

“Nunca foi apenas uma questão de dinheiro. A vida inteira eu quis ser ator de cinema. Já para Stigwood, se não fosse para estar sempre no auge, ele preferia partir para outra.”

Depois do sucesso de Grease — Nos tempos da brilhantina, Travolta também amargou um período de vacas magras. Seu terceiro filme para a RSO, Vivendo cada momento (Moment by Moment, 1978), com Lily Tomlin, foi uma decep¬ção tanto de crítica quanto de público. Em 1983, Stigwood coproduziu uma continuação de Os embalos de sábado à noite intitulada Os embalos de sábado continuam (Staying Alive), cujo autor-diretor era Sylvester Stallone. Embora o roteiro tivesse a participação de Norman Wexler, o filme foi um desastre. “O filme era mais curto, cinco vezes mais caro e nada bom”, lembra-se Oakes, que se afastou de Hollywood logo depois. “Foi quando eu decidi: ‘Vou parar por aqui.’” Depois de escrever um filme para Arnold Schwarzenegger — Jogo bruto (Raw Deal, 1986) —, Wexler começou a recusar trabalho. “Fui demitido pelo meu agente”, comunicou ele todo satisfeito aos amigos, para em seguida voltar a escrever peças. A última, em 1996, foi uma comédia, Forgive Me, Forgive Me Not [Me perdoe, não me perdoe]. Ele morreria três anos depois.

A carreira de Travolta obteve certo impulso com duas comédias, Olha quem está falando (Look Who’s Talking, 1989) e Olha quem está falando também (Look Who’s Talking Too, 1990), mas em 1994, ao chamar a atenção de um jovem cineasta cheio de ideias que acabava de chegar a Hollywood, o preço de seu cachê tinha caído para 150 mil dólares. Quentin Tarantino era um grande fã de Travolta, e lhe deu o papel de Vincent Vega, um assassino de aluguel com talento para a dança, em Pulp Fiction — Tempo de violência (Pulp Fiction). Depois da série Welcome Back, Kotter e de Os embalos de sábado à noite, era a terceira vez que um personagem chamado Vincent transformava a carreira de Travolta.

Quanto a Nik Cohn, ele reconhece que, “nos Estados Unidos eu sempre fui e continuarei a ser aquele cara de Os embalos de sábado à noite”. Vinte anos depois do lançamento, ele publicou na revista New York um artigo explicando como tinha criado o personagem de Vincent, juntando todos os Faces com que esbarrara em suas idas e vindas pelo mundo da cultura pop no Reino Unido e nos Estados Unidos. Não existia um Tony Manero de verdade, apenas aquele que havia se transformado em carne e osso graças ao roteiro de Wexler e ao desempenho de Travolta. Para Cohn, “o fenômeno todo se resumia a Travolta, pois o seu dom especial é a simpatia. Existe algo de especial naqueles olhos de cãozinho de estimação e no sorriso que desarma. Os outros ingredientes — o meu personagem, a música dos Bee Gees, o roteiro de Wexler — tinham cada um a sua função. Mas o filme não teria sido um marco, não teria funcionado com qualquer outra pessoa. Ninguém mais poderia tê-lo feito”.

No início da década de 1980, o furor das discotecas acabou de repente, seguido de um retrocesso do qual os Bee Gees nunca mais se recuperariam. Aqueles canhestros ternos brancos e os sapatos de plataforma foram para o fundo do armário ou acabaram sendo vendidos no eBay, e o som da disco music evoluiu para a batida característica das divas club, como Madonna, e de artistas hip-hop, como Wyclef Jean (que transformou “Stayin’ Alive” em “We Trying to Stay Alive”). Em 2005, uma empresa de souvenirs chamada Profiles in History leiloou a pista de dança da 2001 Odyssey, mas a tentativa acabou em processo judicial. A boate continuou em funcionamento, pelo menos por algum tempo, no número 802 da 64th Street, no Brooklyn, com um novo nome — Spectrum —, e acabou como boate gay e black.

Mas os personagens de Os embalos de sábado à noite continuam vivos na imaginação coletiva. Lembro que, quase dez anos depois do lançamento do filme, o poeta Allen Ginsberg perguntou a Joe Strummer, do Clash, se ele acreditava em reencarnação, e Strummer nem esperou o fim da pergunta, respondendo que gostaria de voltar como “Tony Manero, aquele cara de Os embalos de sábado à noite — com aquela cabeleira inacreditável”. Era a atração irresistível de Bay Ridge!

Vanity Fair’s Movies Rock, outono de 2007