i89653.jpg

"Mamãe saiu com Alcida antes do almoço, para fazer compras. Esteve cá o sr. Quintino Bocaiúva: papai apresentou-nos todos a ele." O tal Quintino, citado nesse trecho de diário datado de 27 de outubro de 1889, é aquele mesmo que o leitor está imaginando. Trata-se do político envolvido na Proclamação da República, ocorrida no dia 15 de novembro do mesmo ano, e quem escreveu essas linhas despretensiosas foi Bernardina Botelho de Magalhães (1873-1928). Ela era filha de Benjamin Constant, outro líder do movimento militar que afastaria do poder o imperador dom Pedro II. Tinha 16 anos de idade e agora sua visão adolescente daqueles acontecimentos vêm à luz com a publicação do livro O diário de Bernardina (Zahar, 120 págs, R$ 29).

A bem-cuidada edição reproduz dois dos quatro cadernos nos quais Bernardina registrava o cotidiano de sua casa. São anotações sobre aulas de piano, sapatinhos de tricô e doces-de-abóbora, entre outros afazeres domésticos, com referências constantes ao tempo chuvoso do Rio de Janeiro e às frequentes visitas para almoços e jantares.

i89655.jpg

DETALHES Segundo Bernardina (à dir.),
seu pai (à esq.) não gostava de andar fardado
e teve apenas um arranhão na
sobrancelha, "coisa leve", no conturbado
dia 15 de novembro
.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Entre os convidados aparecem figuras como o citado Quintino Bocaiúva, Marechal Deodoro e Rui Barbosa. Esses escritos com odor de alfazema ganharam feição de relatos históricos em meados de novembro de 1889. "Acordei hoje ao toque de trombetas de soldados e assustada levantei-me e soube por mamãe que vieram de madrugada alguns oficiais para irem com papai para o quartel-general", escreveu Bernardina naquela sexta-feira, 15 de novembro. "Pelo meio do dia o Exército em peso (…) prendeu os ministros em reunião de conselho e proclamou a República Brasileira pacificamente e de modo nobre."

Mais do que o ângulo histórico, no entanto, o que impressiona nesse Diário de Bernardina são os pequenos detalhes de hábitos e costumes revelados nas entrelinhas. Fica-se sabendo, por exemplo, que o grande sucesso teatral da época era a ópera abolicionista O escravo, de Carlos Gomes, vista diversas vezes por Bernardina que, no entanto, trata a filha de sua ex-ama de "crioulinha". Prendada nos bordados, ela e suas irmãs, sempre acometidas de enxaquecas e dores de cabeça, ficaram encarregadas de fazer as novas bandeiras nacionais. Alcida, por exemplo, sofria tanto desses humores que chegou a ser levada a um médico especializado em hipnose. Mas ele nunca conseguia fazê-la dormir. "O médico foi quem cochilou", escreveu ela, com humor.

"Consta que ele (dom Pedro II) manifestou desejo de falar com papai, porém papai não foi porque ficaria muito comovido" Bernardina Botelho de Magalhães

i89657.jpg

"Consta que ele (dom Pedro II) manifestou desejo de falar com papai, porém papai não foi porque ficaria muito comovido" Bernardina Botelho de Magalhães


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias