Memória: rebocadores da Wilson, Sons transportam peça de 13 mil toneladas da ponte Rio-Niterói (à esq.). A acervo da Bunge tem fotos de Mário Quintana

Quem atravessa os 13 quilômetros da ponte Rio–Niterói, no Rio de Janeiro, não imagina a saga dos engenheiros e operários para finalizar aquela que seria uma das maiores aventuras da engenharia brasileira. Um dos grandes desafios foi o transporte do vão central, uma peça gigantesca de 13 mil toneladas, construída em terra firme. A solução foi ousada: o vão foi colocado sobre dois rebocadores e levado pela Baía de Guanabara adentro, até o local indicado. Foi instalado a 70 metros de altura e permitiu a conclusão da ponte em 1974, cinco anos e meio depois da inauguração simbólica das obras pela rainha Elizabeth da Inglaterra. A aventura foi eternizada em fotos encomendadas pela Wilson, Sons, empresa de navegação que cedeu os rebocadores. São alguns dos quatro mil registros históricos do recém-criado Centro de Memória da empresa. Nele, é possível encontrar vários documentos que jogam luz sobre o funcionamento dos portos brasileiros, coletados nos 170 anos de existência da companhia. “Temos peças que não dizem respeito apenas à trajetória da empresa, mas à história do Brasil”, afirma Cláudio Viveiros de Castro, coordenador do projeto. Uma das relíquias é uma carta da princesa Isabel, datada de 1878.A iniciativa da Wilson, Sons segue uma nova tendência entre as empresas brasileiras. Inspirada na responsabilidade social – termo que definiu as práticas solidárias das companhias com as pessoas carentes e as comunidades –, a responsabilidade histórica é um conceito novo de benefício à sociedade. O objetivo é valorizar a história da região ou do ramo de negócio em que a companhia está inserida. São projetos de recuperação do patrimônio, criação de centros de memória e edição de livros para resgatar tradições. É um passo além da tradicional memória empresarial, voltada à própri a firma. “A diferença é que a responsabilidade histórica representa o compromisso da empresa com as tradições da comunidade onde atua”, explica Paulo Nassar, professor de comunicação da USP. Em sua tese de doutorado sobre o assunto, Nassar constatou que 40% das 119 empresas pesquisadas tinham alguma ação desse tipo.

Maria fumaça: trem da Vale resgata tradição em Minas Gerais

No ano passado, a Vale do Rio Doce recuperou o trecho de 18 quilômetros de
linha férrea que liga as cidades mineiras de Ouro Preto e Mariana e reconstituiu
uma locomotiva Maria Fumaça dos anos 40 para trafegar por ali. “Aquela região é importantíssima, ali nasceu o barroco brasileiro”, explica Olinta Cardoso, diretora
da Fundação Vale do Rio Doce. O projeto Trem da Vale, inaugurado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Roger Agnelli, principal executivo da Vale, está ensinando
o valor do patrimônio histórico aos alunos da rede pública de ensino. No Maranhão,
a empresa tem um trabalho voltado para preservar a arte dos azulejos coloniais
do Império.

A Votorantim tem o Projeto Memória, em que a vida da empresa é resgatada com depoimentos dos funcionários. A Natura está recuperando um trecho da estrada de ferro que liga Perus a Pirapora (SP), com trens que rodam ainda no antigo sistema de bitola estreita. Outro bom exemplo é o da Bunge, gigante agroindustrial. Desde que chegou ao Brasil, em 1905, a multinacional incorporou várias empresas com tradição centenária e herdou documentos importantes. Seu Centro de Memória guarda preciosidades como as fotos comemorativas dos 80 anos de Mário Quintana, imagens de Érico Verissimo e uma edição de Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, em litografia. “Recebemos quatro mil pesquisadores por ano”, comemora a historiadora Daniele Joaçaba, que coordena o trabalho e tem uma verba de R$ 400 mil para 2007. Há dois anos, a Fundação Bunge criou um ciclo de palestras para disseminar na população a idéia de preservação. Um dos frutos dessa iniciativa está na Escola Barnabé, de Santos, que reuniu e expõe documentos importantes do Movimento Constitucionalista de 1932.

Além da importância para a história do País, esses projetos valorizam as marcas das empresas. “Nenhuma reputação é construída da noite para o dia. A corporação é valorizada ao mostrar que tem raízes”, afirma Levi Carneiro, diretor da Troiano Consultoria de Marca.