Na história atual das relações entre homens e mulheres há algumas situações clássicas e praticamente universais. Uma delas: ela chega do trabalho e começa a contar sobre as dificuldades do dia. O marido logo a interrompe, sugerindo soluções e dando o assunto por encerrado. Ela sai irritada com o que considera falta de atenção por seus sentimentos. Outra cena típica: ele nitidamente tem algum problema. Está irritado e quer se manter isolado. Ela insiste em saber o que tanto o incomoda e reclama de seu afastamento. Ele fecha a porta do quarto, nervoso por não se sentir compreendido. Na verdade, o que eles e elas precisam saber é que o que está por trás das duas circunstâncias não é necessariamente o fim do carinho ou respeito mútuos, como a maioria supõe. É simplesmente o fato de que homens e mulheres reagem de forma absolutamente diferente diante do stress.

Até há pouco tempo observado empiricamente, o fenômeno se tornou um dos mais interessantes campos de estudo da psicologia e da medicina.

Os psicólogos querem entender como se processa o stress em cada um dos sexos para preparar estratégias que diminuam os conflitos. Os médicos almejam decifrar os processos cerebrais desencadeados pelas tensões para conhecer suas repercussões e trabalhar para reduzir danos.

Mesmo sendo relativamente nova – estudos mais profundos começaram a ser feitos a partir da década de 90 -, essa linha de investigação já produziu resultados importantes. O primeiro diz respeito ao que ocorre no cérebro deles e delas diante do stress. Em um estudo da Universidade da Pensilvânia (EUA), a ciência descobriu que cada um responde de um jeito. Os cientistas verificaram as mudanças cerebrais em 16 homens e 16 mulheres diante de uma situação estressante (eles tinham de fazer contas matemáticas difíceis, com pouco tempo e sob pressão).

As conclusões surpreenderam. Nos homens, a tensão aumentou a atividade no córtex pré-frontal, área associada à razão e a uma resposta conhecida como fight-or-flight (lutar ou fugir/esquecer). Isso deixa claro por que eles tendem muito mais a não titubear sobre o que fazer, quando se deparam com um obstáculo. Na cabeça masculina, há duas opções: resolvê-lo de maneira lógica ou, se isso não for possível naquele momento ou nunca, simplesmente esquecê-lo.

Na mulher, o caminho foi outro. A região acionada foi o sistema límbico, o responsável pelo processamento das emoções. A descoberta explica por que a resposta feminina é mais carregada pelos sentimentos do que pela razão e por que elas apresentam maior dificuldade para reagir usando a lógica. O sistema límbico também está relacionado a uma reação tradicionalmente vinculada à mulher batizada de tend-and-befriend (cuidar, estar atento e proteger). Ou seja, elas manifestam a propensão de resolver as questões levando em consideração outras pessoas envolvidas. Os pesquisadores concluíram que os resultados têm origem em tempos remotos, quando homens tinham de caçar para conseguir comida e as mulheres cuidavam da prole. Diante de uma ameaça de perigo, eles eram obrigados a reagir rápido, escolhendo entre enfrentá-lo ou fugir. Já as mulheres precisavam ficar atentas aos filhos e se manter prontas para protegê-los.

A história da evolução também ajuda a explicar outras manifestações típicas. O homem não gosta de falar sobre o que o incomoda e quase sempre acha melhor ficar sozinho quando está estressado. Afinal, ao longo dos tempos, foi incentivado a ser independente, a não expressar sentimentos e a ter mais tempo para si. A mulher, ao contrário, precisa se expressar e buscar apoio com familiares ou amigos porque era dessa maneira – falando e formando uma rede de suporte com outras famílias – que ela fortalecia a rede de proteção em torno de seus filhos.

No passado, quando saíam para caçar, os homens eram obrigados a reagir ou a fugir diante de uma ameaça. A mulher precisava ficar atenta aos filhos e se manter pronta para protegê-los

Os estudos estão revelando que reside também nas diferenças cerebrais a explicação para o fato de que a ala feminina manifeste extrema dificuldade de se desligar do problema, mesmo que não possa solucionálo. A questão é que as conexões entre os hemisférios direito – relacionado aos sentimentos e à fantasia – e esquerdo – o lado da lógica e praticidade – são maiores do que nos homens. A conseqüência é que o trânsito de informações é grande demais entre os dois lados, o que dificulta a chance de ela simplesmente esquecer o assunto, relaxar e partir para outra. "Elas ficam carregando o problema consigo", atesta a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da Isma-BR, entidade internacional que se dedica à prevenção e ao tratamento do stress. Por isso é tão freqüente que o parceiro reclame que a mulher volte constantemente a um tema que ele já havia considerado resolvido.

No livro Por que Marte e Vênus colidem, como homens e mulheres podem driblar o estresse, sucesso de vendas nos EUA e que acaba de chegar ao Brasil, o terapeuta John Gray descreve outra característica associada à distinção de reações. Segundo ele, nos homens está mais desenvolvida uma região cerebral ligada à percepção do tempo e da velocidade. Esta seria uma das razões pelas quais eles pressionam as mulheres para chegar rapidamente ao foco do assunto. "Ele fica atento ao tempo que ela leva para falar. Enquanto ouve, está se empenhando para determinar o que precisa ser feito para resolver o problema dela. Isso não é porque ele não se importe com ela, mas porque se importa", escreve Gray. A questão, porém, é que em geral a mulher não recebe a interrupção como uma demonstração de amor. Pelo contrário, avalia que ele não se interessa por suas dificuldades.

Enquanto parte dos cientistas se esmera em desvendar o que acontece no cérebro de homens e mulheres, vários outros grupos querem compreender os aspectos culturais que levam à diferença de respostas. E neste campo também há constatações interessantes. "Hoje sabemos que as mulheres tendem a interpretar os estímulos como mais perigosos", afirma o neuropsiquiatra José Alexandre Crippa, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto. Esta é uma das razões pelas quais elas manifestam mais stress do que os homens. De acordo com uma pesquisa da psicóloga Marilda Lippi, da PUC de Campinas, do total de indivíduos estressados, 65% são mulheres e 35%, homens.

O que leva um e outro a se estressar também é diferente. Uma investigação da psicóloga espanhola Pilar Matud, da Universidade de La Laguna, na Espanha, deixou isso claro. Embora para ambos os relacionamentos encabecem a lista, os outros motivos são distintos. "Para eles, contam as questões financeiras e de trabalho", explicou Pilar à ISTOÉ. Para as mulheres, a morte de um familiar ou o nascimento de um bebê estão entre as principais circunstâncias estressantes. Além disso, as causas de stress no trabalho diferem. "A mulher se estressa pela sobrecarga. O homem, pelo medo de perder o emprego", afirma o psicoterapeuta Ari Rehfeld, da PUC/SP.

As pesquisas sobre o tema estão elucidando ainda as repercussões hormonais em um e em outro durante a exposição crônica ao stress. Nas mulheres há uma queda nas taxas de estrógeno, o hormônio responsável pelas características femininas. "Elas acabam ficando mais desinteressadas e desinteressantes", afirma o endocrinologista Tércio Rocha, do Rio de Janeiro. Outra conseqüência é a redução nos níveis de serotonina, substância envolvida em vários processos importantes, como os relativos às emoções e à dor. Um dos efeitos dessa baixa é o aumento do mau humor, da irritação e da vulnerabilidade à depressão. Nos homens, ocorre uma diminuição da testosterona, o hormônio masculino. Isso leva à piora da irritação, impaciência e queda no desejo sexual.

É interessante saber, no entanto, que é possível atenuar essas conseqüências, de acordo com o terapeuta Gray. Segundo ele, o homem pode recuperar parte da testosterona perdida ao longo do dia se tiver um tempinho para descansar assim que chegar em casa. Mais testosterona, menos nervoso. A mulher poderia ser beneficiada se conseguisse elevar as taxas da oxitocina, hormônio que, no organismo feminino, está vinculado ao sentimento de bem-estar. No final do expediente, entretanto, ele também está reduzido por causa do stress. Em seu livro, Gray lista situações que serviriam como "estimulantes produtores de oxitocina". Entre elas, sentirse segura, cuidados com a beleza, trabalho de equipe, receber afeto e compartilhar responsabilidades.

Sob tensão, o corpo masculino produz menos testosterona. Isso eleva a irritação. No organismo feminino, cai a serotonina. Ela fica mal-humorada

As informações que vêm sendo obtidas também estão aprimorando as abordagens psicológicas no tratamento do stress e dos conflitos entre casais. "Com os homens, traço um plano de combate mais racional, prático", explica a psicóloga Edina Bom Sucesso, de Belo Horizonte. "Nas mulheres, enfoco a reflexão sobre a vida", diz. Autor do trabalho que desvendou os circuitos cerebrais acionados pelo stress, o cientista Jiongjiong Wang defende esse tipo de mudança. "Os psicólogos devem considerar as diferenças, como o fato de a mulher ficar ruminando os problemas", disse à ISTOÉ. "Além disso, outro fator a ser respeitado é o fato de que o cortisol, hormônio liberado nessas situações, tem impactos mais intensos nos homens. Isso deve ser lembrado nas pesquisas para a criação de drogas contra o stress", argumentou. Como se vê, o que se espera é que as descobertas mudem para sempre a forma pela qual homens e mulheres enfrentam as dificuldades cotidianas – e aquelas surgidas nos relacionamentos por causa disso. Afinal, aos poucos a ciência fornece a eles e a elas informações preciosas que os auxiliam pelo menos a entender a reação de cada um.