i89980.jpg

No salão oval Discurso de posse inspirado
em Lincoln e mesa de trabalho que
foi de Kennedy.

Depois de pedir a colaboração dos americanos para arregaçar as mangas e honrar o trabalho duro dos antepassados que construíram o país, o novo presidente americano Barack Obama mostrou que está disposto a fazer a sua parte. Na terça-feira 20, 1,8 milhão de pessoas foram ao National Mall, em Washington, para participar da cerimônia de juramento e ouvir o primeiro discurso presidencial. A capital do país parou para ver o novo presidente na cerimônia, no desfile que se seguiu, e para acompanhar, ao vivo ou pela televisão, a aparição dele e da primeira-dama nos dez bailes oficiais que aconteceram na cidade. Em seu discurso, Obama citou a diversidade do público presente no Mall e lembrou que há menos de 60 anos seu pai não seria servido num restaurante de Washington (que só acabou com a segregação racial em 1953). Sua própria família é um retrato de diversidade e multiculturalismo. Ele é filho de uma americana branca nascida no Kansas, que se casou primeiro com um queniano, o pai de Obama, e depois com um indonésio. Obama pai, por sua vez, se casou três vezes. Um dos oito meioirmãos do novo presidente só foi localizado pela imprensa na semana passada, depois de tocar piano em um evento filantrópico. Mark Ndesandjo (que usa o sobrenome de seu padrasto) vive há três décadas na cidade de Shenzhen, na China, um dos poucos países a deixar de transmitir, ao vivo, pela tevê a cerimônia de posse.

"O que se exige de nós agora é uma nova era de responsabilidade", anun- D ciou Obama. Os Estados Unidos foram dormir inebriados com o novo presidente, mas, no dia seguinte, os problemas continuavam lá. Às 8h30, Obama já estava no Salão Oval, trabalhando na mesa usada na década de 1960 pelo presidente John Kennedy. Nela, leu a mensagem deixada por George W. Bush – uma tradição do processo sucessório americano – e começou imediatamente a cumprir a promessa de mudança feita durante a campanha.

i89981.jpg

PÚBLICO SEM PRECEDENTES
Cerca de 1,8 milhão de pessoas
acompanharam ao vivo a cerimônia
de juramento ao cargo.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Política externa, a que causou o maior estrago na imagem do país no exterior nos últimos oito anos. A medida mais importante foi divulgada na quinta-feira 22, quando o presidente anunciou o fechamento em no máximo um ano do campo de detenção na base militar americana de Guantánamo, em Cuba, com a libertação ou transferência para outras prisões dos 245 detentos presos há anos sem julgamento. Obama também assinou uma ordem executiva explicitando a proibição da tortura como método interrogatório e subordinando todos os depoimentos ao Manual de Campo do Exército, que segue leis internacionais. "Eu posso dizer sem hesitação ou equívoco que os Estados Unidos não vão torturar", afirmou o presidente. Ele disse também que a medida era um recado ao resto do mundo de que os Estados Unidos vão manter o empenho atual contra a violência e o terrorismo. "Mas vamos fazer isso de uma maneira que seja consistente com os nossos valores e os nossos ideais", disse Obama, depois de se reunir com militares aposentados no Salão Oval. "Não vamos continuar com essa falsa escolha entre a nossa segurança e nossos ideais. Vamos ganhar essa luta, mas vamos ganhar do nosso jeito", ressaltou Obama, repetindo uma ideia que já havia apresentado no discurso de posse.

"Precisamos nos recompor, sacudir a poeira e reiniciar o trabalho de reconstruir a América. O mundo mudou. E nós precisamos mudar com ele", afirmou o presidente no discurso, depois de lembrar que o país não pode ser indiferente ao sofrimento de outros povos nem deve consumir os recursos naturais do mundo sem pensar nas consequências. Ao visitar o Departamento de Estado logo no segundo dia de governo, Obama mandou outra mensagem clara: com políticas distintas das utilizadas por Bush, ele vai se engajar e usar a influência americana para tentar resolver os grandes conflitos mundiais – pelo menos os que têm importância estratégica para o Ocidente.

"Temos que promover não apenas o poder americano, mas os valores e os ideais americanos",

afirmou, antes de alinhavar sua política externa. Ele nomeou George Mitchell, que em 1998 negociou o acordo de divisão do poder entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte, como o enviado especial de seu governo para o Oriente Médio. Richard Holbrooke, ex-embaixador americano na ONU, será o enviado especial para o Paquistão e o Afeganistão. Obama disse que os Estados Unidos continuam comprometidos com a segurança de Israel, mas que o país precisa retirar completamente suas tropas de Gaza e que o Hamas deve renunciar à violência e reconhecer o direito de Israel existir como condição essencial para negociação. Reconheceu ainda a situação difícil dos palestinos, com a economia estrangulada e a infraestrutura destruída, e a falta de perspectivas. "Um futuro sem esperança para os palestinos é intolerável", disse.

 CONEXÃO AFRICANA

Sarah Obama, a avó queniana de Barack Obama, pretendia dar de presente para o neto, no dia da posse, uma lança e um escudo de sua etnia, a Luo. Alertada de que poderia ter problemas na alfândega americana, acabou embarcando com um matamosquitos tradicional, feito com rabo de boi. A mudança nos planos de Sarah é apenas um detalhe da reviravolta no cotidiano da família Obama na África. Quando voltar de Washington, a matriarca continuará vivendo no vilarejo de Kogelo, no mesmo sítio humilde onde está enterrado o pai do presidente americano. Mas agora, aos 86 anos, Sarah e sua família terão outro estilo de vida. Dentro de casa, ela já ganhou água encanada e luz elétrica. O sítio, por sua vez, foi cercado e está sendo guardado por mais de 30 policiais. As medidas de segurança foram tomadas devido ao afluxo de pessoas do mundo inteiro – cerca de 150 por dia – para a propriedade. O movimento deve aumentar no futuro próximo. Agências de viagem já estão oferecendo pacotes para a terra dos ancestrais de Obama.

i89982.jpg

REVIRAVOLTA NO QUÊNIA
A casa de Sarah Obama
agora tem cerca e segurança

O foco na política externa nos primeiros dias de governo serve para dar o tom da nova Presidência, mas também mostra a fragilidade do novo governo no arsenal para lidar com a crise econômica. O pacote de estímulo fiscal, estimado em US$ 825 bilhões, mas que pode ser ainda maior, dependendo das emendas parlamentares, está em negociação no Congresso e só chega às mãos do presidente depois de aprovado no Legislativo. A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, disse esperar que o projeto seja votado nesta semana, mas analistas já duvidam que o pacote, que prevê US$ 275 bilhões em corte de impostos e US$ 200 bilhões em investimentos públicos, seja capaz de reverter a recessão.

i89985.jpg

i89983.jpg


Um relatório do Congresso avalia que menos da metade dos US$ 355 bilhões destinados a projetos de infraestrutura será gasta nos próximos dois anos, limitando o efeito contracíclico dos investimentos. Na quinta-feira 22, Obama teve pelo menos uma notícia positiva na economia: a aprovação na Comissão de Finanças do Senado do indicado para o Departamento do Tesouro, Timothy Geithner. No dia anterior, ele havia sido muito criticado, durante a sabatina no Senado, por ter cometido um erro na declaração de Imposto de Renda que implicou a sonegação de US$ 50 mil em impostos.

i89991.jpg

ESTILO MICHELLE O.

Primeira-dama americana nos anos 1960, Jacqueline Kennedy levou o glamour para a Casa Branca e se transformou em ícone mundial de elegância. Mais tarde casada com o magnata grego Aristóteles Onassis, ela passou a ser chamada no circuito da moda como Jackie O. Não por acaso, nas últimas semanas, os americanos começaram a se referir à atual primeiradama como Michelle O. Recentemente apontada como a americana mais bem vestida, nas festas da posse, ela mostrou que, como Jacqueline O., também está disposta a marcar época. Escolheu modelos de estilistas jovens e seguiu a tendência de vestir peças e cores ousadas. Sem medo de exibir o quadril largo, fora do padrão esquelético de beleza das passarelas, Michelle está colocando na moda o corpo das mulheres "reais". O vestido amarelo com capa da mesma cor que ela usou na cerimônia de posse é criação de Isabel Toledo, uma cubana radicada nos EUA que vive em Nova York e vende suas roupas em poucas butiques, entre elas a Ikram, de Chicago, uma das preferidas da primeira-dama.

i89988.jpg

FIGURINO ECLÉTICO Enquanto a primeira-dama vestiu estilistas jovens, Malia e Sasha foram com modelos de grande rede

 i89989.jpg

O taiwanês Jason Wu, de apenas 26 anos e também baseado em Nova York, é o autor do vestido pérola usado nos bailes. Michelle já havia sido muito elogiada durante a campanha por revezar roupas exclusivas de alta-costura com outras compradas em grandes redes. Quando apareceu com um conjunto da rede de varejo J. Crew, mostrou que é possível se vestir bem sem gastar uma fortuna. A rede também fez – desta vez com exclusividade – as roupas usadas por Malia e Sasha durante a cerimônia. Na prática, os Estados Unidos estão apaixonados pela primeira família. Adoráveis é o adjetivo mais usado para qualificar as duas filhas do casal Obama. Embora todos estejam sujeitos a um rigorosíssimo esquema de segurança, Michelle e Obama querem que as filhas tenham uma infância o mais normal possível. Quando foi eleito, ele disse que estava feliz porque, depois de quatro anos vivendo em Washington, longe da família em Chicago, eles poderiam jantar juntos toda noite – na Casa Branca. A residência oficial também deve receber as amiguinhas das crianças. Mas, como qualquer adulto que chega perto do presidente americano, elas terão que passar pelo crivo do serviço secreto antes de frequentar a casa da nova amiga da escola.

Obama também prometeu mudanças no próprio funcionamento da máquina de governo e no relacionamento entre os políticos e as empresas de lobby de Washington, acabando com a chamada "porta giratória" – o revezamento entre empregos no governo e em firmas de lobby. "É um rompimento com o jeito atual de fazer negócio", disse. Outra inovação tem um tom mais pessoal – e tecnológico.

 i89990.jpg

Depois de trazer a internet para a campanha e de atrair eleitores entre um público que estava desencantado com a política, Obama vai continuar se comunicando diretamente por e-mail com amigos e colaboradores mais próximos, por meio de seu Black- Berry. Ele será ainda o primeiro presidente americano a usar e-mail. A lei americana diz que toda a comunicação presidencial deve ficar arquivada e pode ser requisitada pela Justiça e, por isso, seus antecessores preferiram se comunicar pelos canais oficiais. Obama considera o aparelho uma maneira de se manter conectado com o mundo. Ele também prometeu transparência sobre documentos. "Só porque um documento pode ser secreto não quer dizer que precisa ser", afirmou. "Transparência e cumprimento da lei serão as marcas desta Presidência", disse. E, para dar o exemplo, congelou os salários dos 120 funcionários da Casa Branca que ganham mais de US$ 8 mil por mês. "As famílias estão apertando os cintos. E Washington deve fazer o mesmo."


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias