"O chefe da polícia, pelo telefone, mandou avisar: que lá na Carioca tem uma roleta para se jogar." Em 1916, no primeiro samba brasileiro de que se tem registro, o compositor Donga já cantava a pedra. Os nossos xerifes faziam vista grossa para o crime. E como ainda não existia o sistema Guardião, Big Brother da era moderna, falava-se livremente "pelo telefone".

Na semana passada, uma acusação parecida levou à prisão o número 2 na hierarquia da Polícia Federal. Grampeado por seus subordinados, Romero Menezes foi detido, sob a suspeita de sabotar uma investigação interna contra o bilionário Eike Batista, homem mais rico do País. Romero, que já comandou várias operações espetaculosas da PF, reagiu como todos aqueles que, até ontem, eram vítimas de suas ações. Criticou os exageros da prisão e se disse vítima de uma perseguição "canalha". Traumatizado, também anunciou que pedirá aposentadoria do serviço público. Mas como seu habeascorpus saiu em menos de 24 horas, ele só não repetiu o velho bordão de que, no País, a polícia (do bem) prende e a Justiça (do mal) manda soltar.

Sua degola revela que o Brasil vive hoje a sua Revolução Francesa. As prisões temporárias da PF são a guilhotina do nosso Tribunal Revolucionário.

Na França, o primeiro a ter o pescoço cortado foi o ladrão Nicolas-Jacques Pelletier, no dia 25 de abril de 1792. Um ano depois, no auge do terror jacobino, milhares de cabeças foram decepadas – entre elas, as dos símbolos do Antigo Regime, como Luís XVI e Maria Antonieta. Tal era a sede de sangue dos sans-culottes que, no fim, os próprios revolucionários acabaram sendo guilhotinados. Entre eles, Danton e Robespierre. Quem com ferro feriu, com ferro foi ferido.

Depois de uma prisão tão inusitada quanto a de Menezes, a dúvida é saber quais serão os próximos alvos da lâmina afiada da PF. Quem ainda falta prender? Seu chefe, Luiz Fernando Corrêa, ou o ex-chefe Paulo Lacerda? Ou, quem sabe, não seria a vez do atual ministro da Justiça, Tarso Genro, ou de seu antecessor, Márcio Thomaz Bastos? O primeiro até ontem exaltava as prisões de ricos e o segundo foi o criador dessa guilhotina "republicana", que, segundo a teoria, não protegeria nem perseguiria ninguém. Como na Revolução Francesa, seria uma lâmina igualitária.

O problema do argumento republicano é que ele cria uma armadilha para os revolucionários. Se a PF for mesmo um poder acima do bem e do mal, todas as prisões serão justas – inclusive as deles próprios. Se ela pode falhar, como Tarso Genro diz ter ocorrido no caso Romero Menezes, por que não teria falhado antes? Afinal, num país onde todos, incluindo os homens da lei e os carrascos, são culpados, todos são também inocentes.