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Em boa parte de seus 91 anos, Manoel de Barros manteve os olhos voltados para o chão, mirando seres minúsculos e pequenas coisas às quais ninguém dá importância. “Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz”, diz ele. É dessa matéria que o escritor, considerado um dos maiores poetas vivos do Brasil, tirou imagens e emoções para mais um livro, a última parte da trilogia Memórias inventadas, dessa vez com o subtítulo A terceira infância (editora Planeta). É uma autobiografia feita de contos em que a poesia persiste na descrição de um tempo no qual as crianças faziam seus brinquedos, na definição dos próprios personagens. “Inventei um menino levado da breca para me ser. (…)”, diz o autor.

Os dias em que se ocupou com o livro ajudaram-no a cruzar uma fase dolorosa: seu filho João morreu no ano passado. Levou tempo, mas o poeta finalizou a obra que é uma aparente contradição com o conceito que tem de si: “Não sou biografável.” E afirma que sua vida foi de inutilidades. Nessa linha, Manoel de Barros cativa milhares de leitores, entre eles artistas como Cássia Kiss, Luís Melodia, Siron Franco e Letícia Sabatella. Sendo Manoel de Barros o escritor que melhor define as inutilidades que enchem o mundo de beleza e achando que sua vida é igualmente inútil, ninguém melhor do que ele mesmo, então, para narrar a sua trajetória. A terceira infância é a maravilhosa comprovação disso.

TRECHOS DO LIVRO

“Aprendi com os passarinhos a liberdade. Eles dominam o mais leve sem precisar ter um motor nas costas(…) E aprendi com eles ser disponível para sonhar.”

“Era beato de sapos. Falava coisinhas seráficas para os sapos como se namorasse com eles. De manhã pegava o regador e ia regar os peixes.”