O jornalista Juca Kfouri, crítico feroz do trabalho de Zagallo em outros tempos, declarou recentemente a ISTOÉ que, “se for considerado o que fez pelo futebol, Zagallo é um brasileiro que merece uma estátua em cada uma das mais de cinco mil cidades do País”. A administração de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, resolveu levar a sério a idéia. Mário Jorge Lobo Zagallo, o maior colecionador de títulos da história do futebol brasileiro, completou 70 anos no dia 9 de agosto. Em novembro, após conduzir o Flamengo ao tricampeonato carioca e à conquista da Copa dos Campeões, ele se aposentou. Entre uma coisa e outra, a prefeitura do município da Baixada Fluminense inaugurou um busto do técnico. Zagallo, o brasileiro do ano nos esportes, merece a estátua, a frase bonita de Kfouri e todas as homenagens possíveis. “O futebol me realizou plenamente como profissional. Sou um vencedor, mas ganhei até mais do que esperava. Todos sabem que sou um sujeito de sorte”, diz o técnico.

Será muito difícil superar o que Zagallo fez para o futebol. Seu trabalho foi decisivo nas principais conquistas do futebol brasileiro. Em 1958, ele fez o quarto gol da vitória por 5 a 2 sobre a Suécia, na primeira Copa do Mundo conquistada pela Seleção. No Chile, em 1962, ele estava novamente em campo na partida final contra a Tchecoslováquia, vencida por 3 a 1 pelo Brasil. Em 1970, no México, foi o técnico do inesquecível time do tricampeonato. “É a minha principal conquista”, afirma Zagallo. “Era uma maravilha treinar aquela equipe. Em 1970, o Torres era o capitão, mas havia muitos jogadores de personalidade. Pelé, Jairzinho, Tostão, Rivelino e Gérson também poderiam liderar o time. Eles opinavam com respeito, ajudando no trabalho. Fico feliz ao ver que a maioria das pessoas reconhece esta fase como a mais bonita da história do nosso futebol”, lembra, emocionado.

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No mundial seguinte, em 1974, ele não teve a mesma sorte. A equipe brasileira parou diante do surpreendente carrossel holandês treinado por Rinus Mitchel e comandado dentro de campo pelo genial Johan Cruyff. “O futebol brasileiro vivia uma fase de transição. Havia bons jogadores, mas não consegui montar uma equipe tão poderosa quanto gostaria”, admite o treinador. Após a frustração, Zagallo ficou duas décadas longe da Seleção. “O Claudio Coutinho fez um bom trabalho em 1978. Para o Telê, na Copa de 1982, só faltou o título. Aquele time encantou o mundo”, analisa. O retorno, na Copa do Mundo dos Estados Unidos, em 1994, foi em grande estilo. Ao lado do técnico Carlos Alberto Parreira, na função de coordenador técnico, o Velho Lobo conduziu o time de Romário e Bebeto ao tetra. Em 1998, na França, novamente como técnico, foi vice-campeão mundial. Em campo, Zagallo era um ponta-esquerda aplicado e talentoso. Estreou no América em 1948. Dois anos depois, assinou contrato com o Flamengo, time em que acabou conquistando o tricampeonato carioca. Preferia acertar pessoalmente suas condições de trabalho com os dirigentes. Chegou a jogar várias temporadas sem contrato, apoiado apenas em acordos verbais. “Sempre tive muita responsabilidade nos clubes em que joguei. Cumpria minha parte. Por isso, foram raras as ocasiões em que enfrentei problemas, mesmo nas temporadas em que o acordo com os dirigentes era feito apenas na base da conversa”, explica. Zagallo foi o primeiro jogador brasileiro a receber o passe livre, em 1958. Depois da Copa, acertou sua transferência para o Botafogo. E, finalmente, assinou um contrato.

A despedida dos campos ocorreu em 1963. Depois disso, como técnico, foi bicampeão carioca no Botafogo (1967 e 1968) e campeão carioca de 1971 à frente do Fluminense. No ano seguinte, conquistou novamente o título, dessa vez com o Flamengo. Aliás, foi no comando do rubro-negro carioca que Zagallo teve sua última grande alegria como treinador: a conquista do tricampeonato carioca em 2001, sacramentada com um belíssimo gol de falta do iugoslavo Petkovic. O choro convulsivo do técnico no gramado do Maracanã, após o final da partida, comoveu até mesmo admiradores do futebol que não gostam do time carioca. Com uma pequena escultura de Santo Antônio nas mãos, Zagallo cambaleava de emoção. A certa altura, chegou a ser amparado por alguns colegas da comissão técnica. “O Vasco tinha um belo time e era favorito. Precisávamos ganhar com diferença de dois gols e, no final do jogo, veio aquela maravilha feita pelo Petkovic. Aí, não aguentei”, recorda. “Todos os títulos foram importantes, mas, pelas circunstâncias, confesso que aquela foi minha maior emoção depois do tri no México”, revela. Enquanto chorava em campo, os rubro-negros provocavam os rivais vascaínos nas arquibancadas com o bordão criado pelo técnico em 1997 para responder a jornalistas que o criticavam. “Ih, ih, ih… Vai ter que me engolir”, berrava a torcida.

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Zagallo é assumidamente supersticioso. Sempre procura relacionar sua vida ao número 13. Sempre que possível, acerta a documentação dos carros na capital do Espírito Santo para que as placas tenham a palavra Vitória. Também não faz questão de esconder suas emoções. “Choro em público sem problemas. As pessoas gostam de sinceridade. O Oswaldo de Oliveira é um rapaz talentoso e emotivo. Temos muitas semelhanças. O Felipão também é um cara puro, sincero. Eu o admiro. Ele parece durão, mas ouçam o que estou falando: se ganhar a Copa como técnico, vai chorar bonito e gostoso, vocês vão ver”, aposta. E o Vanderlei Luxemburgo? “Prefiro não falar.” Falou, Zagallo.

Comandado por Zagallo, o Flamengo fez uma péssima campanha no Campeonato Brasileiro. O técnico achou melhor pedir o boné. Mesmo assim, deixou admiradores no elenco. “Ele sabe lidar com um time de estrelas”, diz o atacante Edilson. “O Zagallo ouve as pessoas e isso é fundamental para um comandante”, destaca o ex-jogador Tostão, hoje comentarista esportivo. Em 1999, o técnico teve uma passagem pela Portuguesa, em São Paulo. Não ganhou nada com o time, mas conquistou amizade, respeito e popularidade fora de campo. Foi elogiado por ex-críticos como o jornalista José Trajano e o próprio Kfouri. Alguns vereadores pensaram em transformá-lo em cidadão paulistano. Outro ex-desafeto, o jornalista Milton Neves, apresentador do programa Terceiro Tempo, na rádio Jovem Pan e na Rede Record, tornou-se um amigo. “Quem ama o futebol precisa reconhecer a importância do Zagallo”, disse Neves recentemente. Um ponto curioso desse período foi a forte simpatia despertada pelo treinador entre os paulistanos. “Eu sou o alagoano mais carioca de que se tem notícia, mas a suposta rivalidade entre as duas cidades não me atrapalhou”, conta. “As pessoas me paravam no shopping center, na rua, no estacionamento e até na igreja. São Paulo me engoliu com muito carinho”, brinca.

A explicação para tanto reconhecimento talvez esteja na sinceridade do técnico. Em meio a uma grande safra de treinadores e jogadores arrogantes, Zagallo, do alto de seu currículo invejável, esbanjava simplicidade. Após os treinamentos, atendia com a mesma paciência os repórteres dos grandes jornais e rádios e o estudante de jornalismo que pedia uma entrevista. “Eu falo com todo mundo. Sempre fui assim e não há por que mudar. Não tem essa de exclusividade para veículo grande, não. As pessoas merecem atenção”, explica o técnico. O contrato com o Flamengo termina oficialmente no dia 31 de dezembro. Depois disso, restarão os jogos pela tevê, as idas aos estádios e os passeios pela praia da Barra da Tijuca para testar a popularidade. E as lembranças. “Minha mulher, Alcina, estava pedindo há muito tempo para que eu me aposentasse. Resolvi atendê-la para me dedicar mais à família. Mas sempre vou ter saudade do futebol”, confessa. Desta vez, Velho Lobo, dona Alcina venceu.


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