Nunca antes Anderson Clayton dos Santos e as irmãs Hérica Sanfelice e Fabiana Cunha estiveram tão próximos. Menos de 50 metros os separavam no interior do salão de eventos do Unique, hotel dos mais caros de São Paulo. Ali, na segunda-feira 2, foi realizada uma badalada noitada de boxe. Porém, a pequena distância era inversamente proporcional ao abismo social que os separa. Hérica e Fabiana são duas típicas representantes da elite paulistana.

Convidadas do patrocinador, as belas moças foram ao Unique para ver homens e mulheres se esmurrando num ringue. Era a primeira vez que iam a uma luta de boxe. Anderson, negro, órfão de pai, excluído, ex-interno da Febem, era um deles. Cansado de apanhar da vida, resolveu encará-la na porrada. Pantera, apelido vindo da cor da pele e da velocidade dos golpes, está vencendo a luta por nocaute. Para delírio da abastada platéia, o lutador demoliu o gaúcho Samir Barbosa, após uma seqüência de cruzados e diretos que levou o oponente à lona no 7º assalto. Era a glória para um garoto que aos quatro anos escapou do inferno de um barraco em chamas e passou parte da vida sendo vítima das barbáries praticadas nos orfanatos e unidades da Febem. O boxe foi sua via para a dignidade. Ao final do combate, às lágrimas, Pantera balbuciava. “Eu tinha medo, mas venci.”

A noite do improvável encontro de dois mundos, o de Pantera e o das irmãs Hérica e Fabiana, teve glamour, choro, celebridades, Racionais Mc’s nas caixas de som, uma luta feminina – como as do filme “Menina de Ouro”, vencedor de quatro Oscar – e um fato para lá de insólito. Marcos Duarte, 40 anos, pugilista de São Vicente, litoral de São Paulo, acertou no juiz o golpe que deveria ter encaixado no adversário, Emanuel Davi. No terceiro assalto, o árbitro Norberto Polimeno encerrou o combate ao notar que Duarte seria nocauteado. Inconformado, Duarte partiu para o pau. Além da derrota e de uma suspensão de cinco meses, o boxeador ainda foi obrigado a ouvir gracinhas do público. “Não conseguiu nem derrubar o juiz!”, gritou alguém das cadeiras. Esse alguém pagou R$ 50 pelo lugar mais barato da noite. Quem viu os socos mais de perto desembolsou R$ 150. Havia também o pacote vip, que incluía pernoite e café da manhã por R$ 1 mil.

A platéia era homogênea. Quase toda vestia roupas de grife e espalhava pelo ar o buquê de perfumes da moda. Muitos estavam ali somente pelo burburinho. E para ver tipos como Supla, Fernando Meligeni e as belas Ana Luiza e Lívia Lemos. Esta última encarnou o papel de garota que levantava a placa entre os rounds da principal luta, que envolveu os meio-pesados Peter Venâncio e Mário Soares, o Marinho, famoso por ameaçar de agressão o apresentador Jorge Kajuru em um programa de tevê. Marinho, que também é dono da empresa que organiza o evento, guardará más lembranças da noitada. Perdeu para Venâncio por nocaute técnico no 9º round. Mas tudo bem. Em breve ele deverá subir no mesmo ringue. Afinal, a “Las Vegas” paulistana não pode parar.