As mulheres hoje procuram calcar suas histórias na independência e na autonomia. Têm nível de escolaridade maior que o dos homens, disputam postos de liderança no trabalho. Na busca de realização profissional, grande parte delas vai deixando para depois os planos de se casar e ter filhos. Desejo adiado, mas não descartado – elas apenas querem ter estabilidade financeira e até mesmo emocional para pensar na maternidade –, pois é cada vez maior o número de mulheres brasileiras que têm o seu primeiro filho depois dos 40 anos. É o que aponta estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado na sexta-feira 6. O instituto comparou dados do censo de 1991 e do de 2000 e, apesar de ter diminuído o número de mulheres de 40 a 49 anos que tiveram segundo filho ou mais (eram 116 mil e passaram a 87 mil), o de mães de primeira viagem nesta faixa etária aumentou 26,9%. De 7.142 para 9.063. “Essas mulheres são brancas, estavam em união estável e são economicamente ativas – 92,5% delas ganham mais de dez salários mínimos e têm mais de oito anos de estudo”, informa o demógrafo Juarez de Castro Oliveira, que coordenou o estudo.

Oliveira acredita que o fenômeno tem várias explicações. “Uma delas é o aumento da expectativa e da qualidade de vida. Hoje, uma mulher de 60 anos tem vida ativa. Aos 40 anos, ela sabe que poderá criar bem o seu filho, acompanhar seu crescimento”, analisa. Para a feminista Rosiska Darcy de Oliveira, 60 anos, o fenômeno camufla problemas. “A entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho foi uma revolução, mas não houve uma rede de apoio para acompanhar esta demanda. O número de creches é pequeno, as escolas, ruins”, opina. Autora de cinco livros, Rosiska defende uma nova distribuição do tempo na vida de homens e mulheres para que se dediquem mais à vida privada. O lado positivo da maternidade tardia, ressalta ela, é que a decisão depois dos 40 é mais refletida.

A psicóloga Sandra Galdino, 43 anos, consultora
na área de recursos humanos e mãe de Lucas, de apenas três meses, sempre se dedicou à carreira.
Viajou, fez cursos e não tinha planos de se casar e
ter filhos. “Eu curtia os filhos dos amigos. Mas me
casei e pintou a vontade”, conta. Ela procurou ajuda médica, fez duas inseminações artificiais e uma fertilização in vitro. “Tive apenas um óvulo
fecundado. Era só uma chance e deu certo.”

Ninguém pode negar que o progresso da ciência é decisivo. Antes mesmo dos 40 anos, o relógio biológico feminino dá sinais de urgência. E aí chega a hora da decisão. Até na gravidez espontânea, a idade é um limitador natural. Quando a mulher nasce, seus ovários possuem entre 200 mil e 400 mil folículos – estruturas que originam os óvulos –, mas eles perdem qualidade ao longo da vida. “Aos 20 anos, há 40% de chances de uma mulher de vida sexual ativa engravidar. Aos 35 anos, esse índice é de 16% a 20%. Depois, a queda é vertiginosa. Aos 40, 8% de chances, aos 42, 5% e aos 44, 1%”, explica Paulo Serafini, da Clínica Huntington de reprodução assistida, em São Paulo, que atende 50 pacientes por dia, 40% delas acima de 36 anos. A mesma clínica no Rio de Janeiro também tem recebido mães maduras. “Nos últimos cinco anos, o número de mulheres com mais de 40 em nossa clínica subiu 40%”, diz o médico Isaac Yadid.

A funcionária pública carioca Sonia Valle, 41 anos, está prestes a ser mãe de Gabriela, depois de uma fertilização in vitro. “Eu e meu marido aproveitamos a vida, investimos na carreira, compramos apartamento, carro, tudo antes de ter filho”, conta. O que ela não esperava é que o organismo se ressentisse da demora: “Levei um susto ao saber que meus óvulos tinham envelhecido.” Antes da gestação, cada paciente passa por um périplo de exames para detectar o seu problema e saber qual o método mais indicado. Novas pesquisas devem aumentar o leque de opções. Na quarta-feira 4, a Universidade do Tennessee (EUA) divulgou experimento com a produção de óvulos a partir de células-tronco, retiradas da parede exterior dos ovários. Estima-se que o recurso possa adiar a menopausa em até 12 anos, além de ajudar na luta contra a infertilidade. Há ainda o congelamento de óvulos, mas a técnica é experimental. “Podemos congelar e descongelar o óvulo e mantê-lo intacto, o que não era possível há cinco anos. Mas ainda não há garantias de sucesso na gravidez”, explica Roger Abdelmassih, especialista em reprodução humana. Outra opção é a doação, também de processo recente. “Uma mulher mais velha pode receber óvulos de outra mais jovem, mas os genes serão da doadora”, explica o ginecologista Arnaldo Cambiaghi, do Instituto Paulista de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana (IPGO).

Os avanços da medicina não são garantia de sucesso. “Mesmo com a fertilização in vitro, as chances de as mulheres de até 35 anos engravidarem são de 40% a 50%. Acima de 40, a taxa é 10%”, explica o especialista Artur Dzik, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Há também mais incidência de doenças como diabete e hipertensão. Sem contar os riscos para o feto. “Até os 37 anos, a chance de se ter um filho com síndrome de Down é de 1%. De 40 a 45 anos, varia de 3% a 5%”, explica o médico.