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Trailer do filme estrelado por Johnny Depp
 
 

Parece que Tim Burton passou a carreira inteira se preparando para dirigir “Alice no País das Maravilhas”, programado para estrear no Brasil no dia 21 de abril. O filme, que vem liderando a bilheteria dos EUA desde quando foi lançado por lá, há três semanas, foi exibido hoje em São Paulo, numa sessão para jornalistas.
 
Em 1989, com o equivocado “Batman”, Burton pagou caro para aprender o risco de deixar o lúdico descambar para o jocoso. No ano seguinte, “Edward Mãos de Tesoura” veio para mostrar o método Burton para inserir o absurdo no meio de um arremedo de realidade. A fórmula aparece arredondada em “Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas”, de 2003. Com esse filme, cresceu também a importância de um olhar estudadamente infantil, que ditou a estética de “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (2005) e deixou Burton prontinho para investigar o mundo que o escritor Lewis Carroll criou em 1864.

Foi preciso estar muito maduro para ler “Alice” de uma maneira tão “imatura”. Como poucos cineastas na ativa, Burton tem o dom de dar naturalidade a situações e seres que desafiam a nossa lógica. Ok, muitos já fizeram isso, mas, como nenhum outro, ele consegue transformar seus filmes em convites para viagens estéticas em que o espectador não tem a menor preocupação em saber a hora da volta.

Com um zelo excessivo – talvez uma concessão aos não-iniciados na sua obra e na do escritor britânico –, Burton vai deixando os absurdos entrarem lentamente na trama. Quando eles começam a se enfileirar freneticamente, nossos olhos e mente já estão anestesiados da ditadura da realidade. O 3D dá uma ajuda inestimável para que cheguemos lá em tempo recorde e há um momento no filme que marca essa transição. Ao entrar no buraco do coelho, Alice leva junto a nossa voracidade pela coerência.

A partir daí entra o elenco estelar que tanta substância dá ao filme. Fica evidente o talento de Burton para formar uma mão de obra artística que dê consistência às suas ideias e – sobretudo – devaneios. Parceiro desde sempre, Johnny Depp faz um Chapeleiro Maluco no limite do descontrole, mas que se revela crível desde a primeira – e surreal – cena em que aparece.

O mesmo se dá com a rainha interpretada pela esposa do cineasta, Helena Bonham Carter. Nas mãos de outra atriz, aquele ser de cabeça desproporcional cairia fácil no caricatural. Em vez disso, Helena cria uma personagem que, com o domínio permanente das suas atitudes, dá dignidade até a um divertidíssimo diálogo com sapos.

Essa sintonia com os parceiros de longa data torna cruel a comparação com quem embarcou na trip burtonesca mais recentemente. Atirada aos leões, Anne Hathaway não acha o tempo da graça e da sinceridade. Nem quando protagoniza uma cena simples, em que supostamente deveria sentir nojo por estar coletando sangue de um animal gigantesco recentemente degolado.

Talvez a entrada de Hathaway no time seja uma das “abridas de pernas” que Burton tenha dado à indústria para conseguir os cerca de US$ 240 milhões necessários para dar movimento a gatos risonhos, gêmeos que mais se parecem ovos, ratos, cães e aves. Não se filma para a Disney impunemente.

Por falar nisso, o filme tem o seu momento malice. Numa tão curta quanto constrangedora cena, Alice dá uma lição de moral tipo metralhadora giratória na aristocracia britânica. Como se quisesse se livrar de uma doença contagiosa, Burton faz a coisa ser mais rápida que o coelho do filme. Ótimo. Com isso, deixou a gente numa viagem de uma hora e meia de volta a uma infância mais maravilhosa do que aquela que nós conseguimos imaginar.