Henri Cartier-Bresson (1908-2004) talvez seja o exemplo máximo do uso da divina proporção na fotografia, uma herança que recebeu de seu mestre de pintura André Lhote (1885-1962), o cubista que foi também professor da pintora modernista brasileira Tarsila do Amaral (1886-1973). O próprio fotógrafo francês reconhecia sua dívida com Lhote – e o uso da proporção áurea na construção de suas fotos é uma prova vigorosa do seu apego aos valores da arte renascentista (a simetria, sobretudo).

Essa ligação com a pintura é notável nas 58 imagens selecionadas pelo curador João Kulcsár para a exposição Henri Cartier-Bresson: Primeiras Fotografias, que a Galeria de Fotos do Centro Cultural Fiesp abre nesta segunda-feira, 17, para convidados (e terça-feira, 18, para o público), reunindo sua produção dos anos 1930.

Lhote é apenas uma das (boas) influências de Cartier-Bresson. Filho de uma família rica, que foi a maior produtora de linhas de costura na Europa (pelo menos até o começo dos anos 1960), Cartier-Bresson foi amigo de pintores (Max Ernst, Matisse) e ele mesmo chegou a pintar algumas telas surrealistas, até encontrar a escritora Gertrude Stein, mecenas dos vanguardistas parisienses, que o fez abandonar definitivamente as tintas e os pincéis. Ela examinou suas pinturas, despachando-o com uma única frase: “Melhor você se dedicar aos negócios da família”.

Surrealista

De fato, Cartier-Bresson teria sido apenas mais um entre os pintores surrealistas. Ou outro milionário excêntrico, se uma máquina fotográfica não tivesse cruzado seu caminho. Seu amigo Robert Capa, que fundou com ele a hoje gigantesca agência Magnum Photos, jogou a pá de cal em seus sonhos de pintor: “Melhor você se dedicar ao fotojornalismo, ou vão grudar um rótulo (surrealista) em você do qual jamais conseguirá se livrar.”

Mesmo assim, o surrealismo não saiu da cabeça de Cartier-Bresson, que cultivava o desejo de filmar com o espanhol Luis Buñuel, um dos pioneiros do cinema surrealista. Acabou virando assistente de Jean Renoir, que aceitou uma encomenda do Partido Comunista Francês para fazer um filme de propaganda (La Vie Est à Nous, de 1936), que ajudou a conduzir a Frente Popular ao poder. Cartier-Bresson fez posteriormente outros filmes políticos de apoio à causa republicana, em plena Guerra Civil Espanhola.

As fotos da exposição já sugerem o engajamento do aristocrata Cartier-Bresson com as causas populares (a exemplo do conde Luchino Visconti, o diretor italiano que, no começo do neorrealismo, foi filiado ao PC italiano). Divididas em trípticos, para melhor exemplificar as várias vertentes de sua fotografia, as 58 imagens da mostra foram produzidas em vários países – Bélgica, Espanha, França, Itália e México – e cobrem desde exercícios formalistas baseados nos primórdios do construtivismo russo, especialmente Rodchenko, como observa o curador Kúlcsar, até o registro realista de um bordel mexicano, passando por uma emulação do estilo de Kertész, o fotógrafo húngaro que Cartier-Bresson venerava – e que teve uma atuação marcante na Paris dos anos 1920, até emigrar, em 1937, para os EUA.

Mostra histórica

Todas as imagens da mostra estiveram numa coletiva que reuniu, em 1935, na galeria Julien Levy de Nova York, as fotos de Cartier-Bresson, do mexicano Manuel Álvarez Bravo (1902-2002), principal nome da fotografia latino-americana, e do norte-americano Walker Evans (1903-1975), fotógrafo que registrou os efeitos trágicos da Depressão americana. A exposição do trio, Documentary and Anti-Graphic Photographs, foi remontada em 2005 pela Fundação Cartier-Bresson com a colaboração do Musée de l’Elysée de Lausanne.

A exposição começa com fotos que evocam a formação pictórica de Cartier-Bresson, como a bicicleta de Hyères captada em 1932 pelo olho treinado do fotógrafo, que revela a admiração pelo caráter dinâmico das imagens de Kertész, mestre da distorção. É possível também identificar traços da ambientação das paisagens de Giorgio De Chirico numa foto como a do menino na Piazza della Signoria, em Florença, feita em 1933, em que a construção arquitetônica remete à pintura metafísica do artista.

Foto social

A condição privilegiada de Cartier-Bresson, que, jovem, leu autores como Proust e Joyce, resultou na formação de um olhar culto, erudito. Curiosamente, também a leitura de autores envolvidos com a história social dos povos despertou no jovem fotógrafo o desejo de conhecer a cultura dos antípodas.

Em 1935, ano da exposição promovida pelo marchand Julien Levy, Cartier-Bresson já decidira deixar de lado o formalismo das linhas geométricas e os grafismos provocadores da New Vision e da foto estática para captar o movimento (nessa época, ele chegou a procurar o cineasta G. W. Pabst para oferecer seus serviços).

O curador Kulcsár observa que a imagem registrada (em 1932) do homem pulando a poça d’água na Gare Saint-Lazare (reproduzida nesta página) é um exemplo dessa obsessão. “Nela, ele congela o movimento, mas mantém a dinâmica do gesto.”

Ele mostra como faz isso num filme do cineasta albanês Gjon Milai (1904-1984), em que fotografa como se estivesse dançando balé, em busca do “momento decisivo”, aquele instante fugidio que só um olhar bem treinado pode captar.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.