ROBERTO CASTRO/AG. ISTOÉ

APERTEM OS CINTOS Funcionários e passageiros no balcão da BRA em Brasília foram pegos de surpresa

Na semana passada, a aviação comercial brasileira registrou mais um óbito. A BRA Transportes Aéreos sucumbiu à crise financeira e, sem avisar os senhores passageiros, entrou na rota que derrubou Transbrasil, Vasp e Varig, ícones da aviação brasileira. Na quarta-feira 7, a companhia aérea suspendeu todos os seus vôos e deixou 70 mil clientes com a passagem na mão. No chão, sem alimentação, transporte e hospedagem. O drama foi dividido pelos 1,1 mil funcionários da empresa. Sem mais nem menos, foram postos em “aviso prévio”. “A notícia pegou até a gente de surpresa. Cheguei para trabalhar e não tinha mais trabalho”, diz um servidor da BRA.

Segundo a diretoria, a suspensão das atividades é temporária e foi necessária para evitar que as reservas se esgotem completamente. Com dívidas na casa dos US$ 100 milhões (R$ 175 milhões), em sua maior parte contraídas junto a bancos e empresas de leasing, a companhia não tinha caixa nem para comprar combustível. “Os créditos estavam tomados pelos bancos”, conta Danilo Amaral, vice-presidente de relações institucionais da BRA. “Estamos prospectando novos investidores. Se conseguirmos um aporte de capital nas próximas duas semanas, teremos condições de voltar.” Será? Fontes que acompanham o setor duvidam. Na ausência de aviões da BRA nos céus, seus funcionários e passageiros correm o risco de ficar a ver navios. Os próprios investidores, dentre eles o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, que colocaram R$ 180 milhões na companhia do empresário Humberto Folegatti, resistem em fazer novos aportes. “Já vimos esse filme antes com a Transbrasil e a Vasp. Ninguém vai receber nada. Empresa aérea que deixa de voar não sobe de novo”, afirma um consultor de aviação.

No mesmo dia da suspensão dos vôos, o Procon-SP soltou nota orientando os passageiros a tentar embarcar por outras companhias ou exigir de volta da BRA o valor pago pela passagem. Oficialmente, a empresa promete fazer todos os reembolsos em até 30 dias. A cifra chega a R$ 22 milhões. O próprio Amaral já admite que só com um novo aporte financeiro os clientes verão seu dinheiro de volta. De acordo com Maria Elisa Novaes, advogada do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), os diretores da empresa podem até responder criminalmente, caso se verifique que venderam passagens cientes de que a empresa fecharia. O Ministério Público tem poderes para abrir um inquérito cível para apurar se houve crime de estelionato. O Idec duvida que não haja recursos para ressarcir as vítimas. “Pela relevância do assunto e pela quantidade de pessoas atingidas, com certeza os juízes vão dar ganho de causa e podem penhorar os bens da BRA”, prevê Maria Elisa.

Ao contrário da antiga Varig, que praticamente dominava a fatia de vôos internacionais quando parou, a BRA detém apenas 4,6% do mercado. Comprada pela Gol, a Varig está retomando gradativamente suas atividades. Para o governo, que não ajudou a salvar a Varig, não há a menor possibilidade de resgate público da BRA. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, descartou essa possibilidade de imediato e minimizou o impacto econômico da paralisação da empresa. “A BRA tinha uma posição insignificante de mercado”, disse, em entrevista na quinta-feira 8. Para quem comprou passagens da empresa, não importa se a BRA era relevante ou não. O fato é que eles ficaram na mão, em mais uma demonstração de que o País não consegue superar a crise aérea. O próprio Jobim soou o alerta para o movimento nos aeroportos em dezembro, quando acontecem as festas de fim de ano e começam as férias escolares, e previu dificuldades para os passageiros que compraram bilhetes para 2008. “O grande mal de tudo é o problema dos passageiros”, disse.

Mais do que palavras de lamentação, a crise na aviação comercial brasileira, deflagrada após o pouso forçado da Varig, em julho de 2006, precisa de medidas enérgicas para ser debelada. Com seu quadro de diretores renovado, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) estuda a criação de mecanismos para fiscalizar de perto a situação financeira das companhias aéreas. O objetivo é evitar que empresas com patrimônio líquido negativo permaneçam voando. As companhias endividadas teriam um prazo de seis meses para se reestruturar e sanar os débitos. Caso contrário, perderiam a sua concessão de linhas. Para o consultor de aviação Paulo Sampaio, a Anac talvez não tenha meios de interditar as companhias. Mas o rigor na fiscalização pode e deve aumentar. Ele defende o aumento do limite de participação estrangeira no capital das companhias de 20% para 49%. “Agora que estamos vivendo uma situação de duopólio, esse aumento seria desejável para fortalecer nossa aviação”, diz.