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MISTÉRIO
Nem Meirelles ainda sabe qual o teor da nova investigação

A cerimônia já está marcada. No dia 31 de março, o presiden- te do Banco Central, Henrique Meirelles, deixará o cargo para se candidatar às eleições de outubro. Em seu lugar deve assumir o diretor de Normas e Organização do Sistema Financeiro, Alexandre Tombini. Como adiantou a edição online de ISTOÉ Dinheiro na terça-feira 9, Meirelles, filiado ao PMDB, concorrerá ao Senado por Goiás ou à vice- presidência na chapa da ministra Dilma Rousseff. Mas seus planos podem mudar. No dia 4 de março, a Justiça Federal de Brasília encaminhou ao Supremo Tribunal Federal denúncia contra o presidente do BC por crime contra a ordem tributária. Por sorteio, a ação foi parar nas mãos do ministro Joaquim Barbosa, que repassou as 105 páginas do inquérito nº 2924 ao procurador- geral da República, Roberto Gurgel, ao qual caberá aprofundar as investigações ou recomendar ao STF o arquivamento do caso. Diante dos dados confidenciais de movimentação bancária, Barbosa determinou segredo de Justiça. A notícia sobre o inquérito no STF provocou um terremoto no Banco Central.

“Meirelles está surpreso e sereno. Ele já foi investigado amplamente no passado
e nada se provou contra o ministro”

Márcio Thomaz Bastos, advogado do presidente do BC

Meirelles, que nos próximos dias se reunirá com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para traçar seu destino político, não escondeu a perplexidade. Em nota oficial, informou que “tomou conhecimento do assunto pela imprensa”. Ressaltou também que “recebe com serenidade a notícia do pedido de abertura de inquérito, uma vez que foi amplamente investigado no passado, com o arquivamento de todas as acusações a ele imputadas”. Mas, pelo sim, pelo não, tratou de contratar o escritório de advocacia do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos para acompanhar o processo. Como primeira iniciativa, Thomaz Bastos pediu vista dos autos. Mas, na manhã da sexta-feira 12, o ex-ministro disse à ISTOÉ que ainda não conhecia o conteúdo da  denúncia. “O Meirelles está surpreso, mas absolutamente sereno. Ele já foi investigado exaustivamente. Nem o procurador conhece a denúncia. Por enquanto, é um mistério”, explicou Thomaz Bastos. Essa não é a primeira vez que o Ministério Público Federal atira em Meirelles. Desde que assumiu a presidência do BC, em 2003, ele foi alvo de investigações sobre evasão, irregularidades fiscais e até mesmo crime eleitoral.

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O procurador da República no Distrito Federal, Lauro Cardoso, chegou a acusar Meirelles de cometer desvios para ocultar uma fortuna de aproximadamente R$ 100 milhões. Também haveria movimentações financeiras bilionárias em nome das empresas offshore Silvânia One e Silvânia, bem como da empresa Silvânia Empreendimento e Participações. Procurador-geral da República à época, Cláudio Fonteles encaminhou ao STF pedido de investigação criminal contra Meirelles por crime contra o sistema financeiro nacional, a partir de fatos ocorridos quando ele presidia o BankBoston. Era abril de 2005 e Meirelles também disse que encarava “com tranquilidade e serenidade o pedido do Ministério Público”. O processo, de fato, correu a seu favor. No dia 10 de agosto de 2007, o inquérito nº 2206 foi arquivado pelo ministro Marco Aurélio Mello, a pedido do novo procurador-geral Antonio Fernando de Souza, que apontou “a inexistência de elementos suficientes”. Foi exatamente em razão das repetidas denúncias contra Meirelles que o presidente Lula, em 2004, decidiu dar ao presidente do BC o status de ministro de Estado. Dessa forma, ele ganhou direito a foro privilegiado e deixou de correr o risco de ser presa fácil de ciosos oficiais de Justiça. Ficou famoso, na década de 90, o episódio em que Gustavo Loyola, então presidindo o BC, teve que se esconder na sede da instituição para escapar da ordem de prisão de um juiz de primeira instância.

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Para impedir cena semelhante, Meirelles foi devidamente blindado. Investigações sobre o presidente do BC só podem ser conduzidas pela Procuradoria-Geral, e não pelos primeiros escalões do Ministério Público. Isso explica por que o ministro Joaquim Barbosa entregou o atual inquérito ao procurador-geral Roberto Gurgel. “O caso está nas mãos do Gurgel. Ele é que vai decidir o encaminhamento”, explicou à ISTOÉ um ministro do STF. Com o inquérito correndo em segredo de Justiça, especula-se em Brasília que a denúncia novamente tem base no fabuloso patrimônio de Meirelles. Acontece que, ao pedir o arquivamento do inquérito nº 2206, o procurador Antonio Fernando deixou a porta aberta para investigações futuras, pois ressalvou “a possibilidade de formalizar-se outro (inquérito) ante a sobrevinda de novos dados”. O próprio Meirelles, na nota do BC, antecipou-se a seu advogado e procurou adivinhar o motivo da denúncia.

“O presidente do BC esclarece que o patrimônio formado durante sua vida profissional foi resultado de árduo trabalho, com todos os seus rendimentos e bens declarados aos órgãos competentes, na forma da legislação”, diz a nota. Meirelles ressalta que a maior parte de seu patrimônio “foi constituída quando trabalhava no Exterior, com a divulgação periódica de seus rendimentos”, de acordo com a legislação de mercado de capitais dos Estados Unidos. Se o faro fino de Meirelles funcionou, o novo inquérito deve ser mais do mesmo. E, até prova em contrário, não há por que duvidar da honestidade do presidente do Banco Central. Mas uma coisa é certa: entrou água no chope da festa da candidatura. 

Colaborou Hugo Marques