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SOB PRESSÃO Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras, busca socorro na Bolívia para resolver a crise

Na quarta-feira 7, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tratou, publicamente, do corte no fornecimento de gás para São Paulo e Rio de Janeiro, ocorrido na semana anterior, apenas como “um probleminha” – um discurso que retrata o oposto do que está sendo discutido no governo. Dois dias antes, em reunião no Palácio do Planalto, ficou evidente que o governo não tem uma política clara para o setor e que só agora começa a trabalhar em um plano emergencial que seja capaz de evitar que a previsível carência de gás paralise as atividades produtivas e chegue a um possível apagão. Na reunião estavam presentes os ministros Nelson Hubner, das Minas e Energia, e Dilma Rousseff, da Casa Civil, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, e representantes da cúpula da área energética. Lula chegou bravo.

“Por que ninguém me avisou?”, perguntou o presidente, que soube pela televisão do desabastecimento de gás no Rio. Antes de ouvir qualquer resposta, reclamou: “A Petrobras cometeu um erro, que foi não comunicar à população o que estava fazendo.” Na reunião, o primeiro escalão da área energética disse-lhe que o gás faltou porque a Petrobras destinou parte da reserva às termelétricas, que por sua vez o transformam em energia elétrica. Temiam que houvesse um apagão elétrico porque havia chovido pouco e os reservatórios estavam baixos. Àquela altura, Lula foi informado de que o risco de apagão já não mais existia por causa das chuvas das últimas horas. A explicação não convenceu. Um ministro disse à ISTOÉ que Lula sabe que o País não pode ficar entregue totalmente à natureza: “Eu quero o diagnóstico exato do que aconteceu e sugestões concretas para que isso não aconteça novamente”, disse Lula.

A mesma reunião deixou claro que no governo não se fala a mesma língua. Lula ordenou que Gabrielli fosse à Bolívia em busca de gás. Na verdade, o presidente lhe pedia para acertar novos investimentos naquele país. Atendia assim a um pedido do presidente Evo Morales, que dias antes dissera a Lula que estava precisando de dinheiro. O presidente da Petrobras resistiu, pois em maio do ano passado, quando Morales anunciou a estatização das reservas de gás bolivianas e se apropriou dos investimentos privados e estatais brasileiros, coube a ele afirmar que o Brasil não investiria nem mais um tostão na Bolívia. Diante da resistência de Gabrielli, Lula foi enfático: “O governo não manda na Petrobras, mas ela tem de saber que é subordinada a seu acionista majoritário, que é o governo.”

Na terça-feira 6, Gabrielli posava para fotos, sorridente, ao lado do ministro boliviano de Hidrocarbonetos, Carlos Villegas. “Estamos avaliando a possibilidade de novos grandes investimentos”, disse ele. Do Brasil, Lula mandou um recado mais incisivo: “Todos nós sabemos que a Petrobras tem de fazer investimentos para que a gente possa ter mais garantias de que a Bolívia vai ter mais gás para exportar não apenas para o Brasil, mas para seu uso interno e para a Argentina.” Dessa forma, o Brasil pode até não ficar refém das forças da natureza, mas ficará nas mãos do pouco confiável Morales. “Os investimentos são para permitir que a Bolívia cumpra no longo prazo a capacidade de entregar os 30 milhões de metros cúbicos para o Brasil”, avisa Gabrielli. Essa já é a atual quantidade contratada. Mais gás, se chegar, será com preço reajustado, em pelo menos 20%, em função da alta do petróleo que tem uma fórmula de reajuste associada a um conjunto de óleos combustíveis. Por essa razão é que na quinta- feira 8 o governo anunciou a possibilidade de reajuste no preço do gás veicular entre 15% e 25%.

Enquanto a situação não se define, o governo trata de preparar, só agora, um plano emergencial de racionamento. Por ora, as autoridades desestimulam a conversão dos automóveis. “O uso do gás natural para veículos não é o melhor”, aconselha Gabrielli. Ou seja, não é mais verdade o que se dizia há quatro anos, quando o próprio governo incentivava a conversão dos carros e os donos de postos de gasolina a construírem novas plantas. Mas não é só a perspectiva de aumento que causa apreensão nas indústrias – é a possibilidade de faltar o combustível. Nas cidades que formam o pólo de cerâmica paulista o gás é vital, sob pena de prejuízos milionários para as 48 indústrias que trabalham com os fornos ligados 24 horas por dia. Essas indústrias, responsáveis por 60% da produção nacional, foram advertidas pela distribuidora para não aumentar a produção de pisos. “A indústria da cerâmica emprega 200 mil trabalhadores e se faltar gás será o caos. Acabamos nos tornando reféns do gás boliviano”, diz o presidente da associação dos ceramistas, João Bergstron Neto. “Estamos vivendo uma situação de pânico”, completa o prefeito da cidade paulista de Rio Claro, Dermeval Nevoeiro Júnior.

Na quinta-feira 8, a ministra Dilma Rouseff anunciou a descoberta de novas fontes de petróleo na Bacia de Santos. Mesmo essa boa notícia soa como peça de marketing ou pelo menos como ironia do destino.