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Duas semanas antes de tomar posse, o presidente dos EUA, Barack Obama, reuniu-se com os três ex-presidentes do país e seu antecessor George W. Bush para um almoço de confraternização. Ao final do encontro, Obama admitiu a interlocutores que todos lhe deram conselhos úteis. A cena histórica nunca aconteceu no Brasil. Na última semana, ISTOÉ convidou os ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso para que analisassem o cenário político e econômico com a posse de Barack Obama D e dessem sugestões ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Com exceção de Itamar, que estava inacessível no interior de Minas Gerais, Sarney, Collor e FHC analisaram a crise econômica, seus efeitos para a economia nacional e o que muda para o Brasil com a ascensão de Barack Obama à Casa Branca. Para Sarney (1985 a 1990), o governo Lula está em boas condições de enfrentar a crise econômica. Segundo ele, o aumento no crédito e a liquidez da economia são medidas assertivas, porém, além da redução da taxa de juros, são necessários investimentos maciços em infraestrutra. Ou seja, obras e mais obras.

Collor (1990 a 1992), que hoje faz parte da base de apoio de Lula no Congresso Nacional, também entende que o Brasil reage bem aos abalos econômicos, mas aconselha ao governo uma articulação mais vigorosa com a iniciativa privada na construção de melhores expectativas. Collor tem esperança de que a relação com Obama se traduza em ampliação do comércio exterior com o Brasil.

Críticas mais duras a Lula foram feitas por FHC (1994 a 2002). Para ele, o governo é errático e Lula e sua equipe não foram capazes de detectar a profundidade e a extensão da crise em 2008 e iniciar uma redução ousada dos juros. Embora preocupado com o equilíbrio fiscal, FHC defende investimentos em infraestrutura para reativar a demanda, mas desconfia da competência de gestão para adotar esta receita.

EXPERIÊNCIA DESPERDIÇADA

A democracia brasileira ainda se deve a tarefa de encontrar uma função para os ex-presidentes da República. Uma forma de aproveitar a experiência vivida no exercício do poder para solucionar e pensar os problemas do País depois de acabado o mandato de cada um. Nos Estados Unidos, um pouco desta vivência de quem deixa a Casa Branca é passada ao sucessor por meio de uma longa mensagem em forma de carta. É uma tradição americana. Aqui nem isso. Sendo ou não uma solução, seria uma forma de o País ouvir opiniões e enriquecer o debate sobre seus desafios. Se há algo em comum entre os governos de José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso é que, todos, sem exceção, a exemplo do que ocorre agora com o de Luiz Inácio Lula da Silva, tiveram de enfrentar as agruras de crises econômicas. No entanto, essa experiência é sempre desperdiçada ou contaminada pelo ambiente político.

Há pouco registro de relatos dos ex-presidentes sobre os momentos difíceis de seus governos, as ideias que prosperaram e, sobretudo, o reconhecimento de erros. Fernando Henrique Cardoso escreveu o livro de memórias A arte da política – a história que vivi. É a única tentativa de repassar experiências. Hoje, FHC se dedica a um instituto que leva seu nome e a dar aulas e palestras no Brasil e no Exterior, sem deixar de participar da condução do PSDB, do qual é presidente de honra.

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Ele é, inclusive, personagem importante nas costuras políticas que desaguarão na definição do candidato do PSDB à Presidência da República. Collor, eleito senador pelo PTB em 2006, articula-se para disputar o governo de Alagoas no ano que vem. Em 2008, pediu licença do cargo para percorrer o Estado a fim de estruturar o seu partido. Quem está mais ativo do que nunca é Sarney, um dos principais interlocutores do presidente Lula no PMDB. Ele assumiu, nesta semana, sua candidatura à presidência do Senado. Eleito, voltará a dar as cartas num momento crucial da política nacional: durante as negociações das alianças para a sucessão presidencial em 2010. Por sua vez, Itamar Franco é conselheiro do Banco de Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais e voltou ao PMDB, apesar de manter-se próximo ao governador tucano Aécio Neves.

A despeito das mudanças nas conjunturas econômica e internacional, devido à semelhança dos problemas crônicos do País, certamente há sempre um passado presente nos nossos dias. O maior adversário do governo Sarney, por exemplo, foi a inflação. Como se sabe, foram feitas diversas tentativas de estabilização a partir de 1986, com o Plano Cruzado, mas nenhuma de efeito duradouro. Collor lançou seu plano no primeiro dia de governo, confiscando a poupança por 18 meses para debelar a inflação. Resultado: a inflação foi apenas momentaneamente controlada. A recessão veio a galope e o agravamento da crise econômica atingiu em cheio a popularidade do presidente. No Congresso Nacional, Collor perdeu a sustentação parlamentar que culminou com o enfraquecimento político de seu governo, uma enxurrada de denúncias de corrupção e o impeachment. Eleito em 1994, embalado pelo sucesso do Plano Real, que teve como pilares a estabilidade econômica e o controle da inflação, FHC e sua equipe conseguiram domar a economia, é bom lembrar, de olho nos erros cometidos no passado. Muitos dos economistas que trabalharam nos planos anteriores participaram da elaboração do Real e ajudaram a corrigir falhas do passado. Neste caso, a experiência falou bem alto.

JOSÉ SARNEY 

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Posse de Obama

A posse de Obama possui dois grandes significados para o Brasil. O primeiro, de ordem universal, é o marco histórico da chegada de um negro à Presidência dos Estados Unidos, testemunho da vitalidade da democracia americana. Nesta mesma linha, Obama representa a promessa de mudanças na postura dos EUA em relação a uma série de questões de impacto mundial, como meio ambiente e aquecimento global, direitos humanos e outros. Sua posse é um ponto de inflexão e todos esperamos que o novo presidente dos EUA faça valer o seu discurso e não sacrifique os ideais americanos em nome da segurança, como fez Bush. Um outro significado da posse de Obama é do interesse direto do Brasil. Quem assistiu ao evento ouviu o novo presidente americano repetir que pretende trabalhar para mudar a matriz energética do seu país, de modo a diminuir a dependência do petróleo e investir em fontes alternativas. Abre-se aí uma oportunidade extraordinária para que Brasil e EUA trabalhem em conjunto para avançar uma agenda energética comum, talvez bilateral, talvez hemisférica ou, quem sabe, até mesmo mundial.

Crise econômica

A crise econômica nos EUA e na Europa encontra o Brasil em boas condições de enfrentá-la e superá-la. O governo tem agido corretamente ao adotar medidas para aumentar o crédito e a liquidez na economia. Além das providências já anunciadas, eu reduziria a taxa de juros e investiria maciçamente em infraestrutura, como portos, estradas e zonas de processamento de exportação (ZPEs).

Governo Lula

A chegada de Lula à Presidência foi também um marco na história do nosso país. Nós já tivemos a direita e a centro-esquerda no poder. No passado, já tivemos os militares, os profissionais liberais, os donos de terras no poder. Pois Lula era o que faltava para o Brasil comprovar que a nossa democracia está madura e sólida: a posse de Lula em 2003 representa a chegada ao poder de um político vindo da classe trabalhadora, integrante de um partido de esquerda, em eleições limpas e com ampla participação popular. Na Presidência, Lula se revelou um político hábil, pronto a dialogar. Deu ênfase aos planos na área social. Soube preservar a estabilidade e retomar o desenvolvimento econômico, iniciando um novo ciclo de crescimento. Eu vejo a sua popularidade como resultado natural de sua capacidade de comunicação e de sua gestão à frente do atual governo.

Eleições 2010

O eleitor de 2010 vai estar atento à sua qualidade de vida e à sua sensação de satisfação pessoal. Em parte, esses parâmetros serão dados pelas ideias e pelos eventuais resultados que os candidatos apresentem nas áreas de segurança pública e saúde.

FERNANDO COLLOR DE MELLO

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Posse de Obama

A posse de Barack Obama na Presidência dos Estados Unidos significa o início de uma era de distensão, serenidade e temperança, que se refletirá no planeta de diferentes maneiras. Espero que em relação ao Brasil e às economias emergentes, para começar, isso se traduza na melhoria das relações comerciais. (O maior esforço do Brasil, neste momento, é ampliar as exportações e importações com os Estados Unidos, que em 2008 eram de apenas pouco mais de 1% da balança comercial americana, devido à postura protencionista do governo de George W. Bush, embora os democratas, segundo especialistas, sejam tradicionalmente ainda mais adeptos de políticas comerciais de proteção ao mercado americano.)

Crise econômica

O governo brasileiro tem se esforçado para reagir de maneira competente à crise econômica.Talvez seja necessária uma articulação mais vigorosa com a iniciativa privada, baseada na confiança recíproca e na construção de melhores expectativas futuras. Isso passa por uma política econômica de baixa na taxa de juros e uma redobrada atenção no nível de emprego.

Governo Lula

Sua popularidade é fruto da sintonia que existe entre sua ação de governo e os anseios da população brasileira. (Segundo a última pesquisa Datafolha, o presidente da República alcançou a popularidade inédita de 80,3% em seu sexto ano de mandato). Ele tem acertado e dado provas de que é uma pessoa de muita sensibilidade. Lula tem uma intuição formidável. Eu fiquei impressionado com o número de famílias pobres que são beneficiadas pelo Bolsa Família. É uma abrangência que ultrapassa 90% das famílias. (Hoje o principal programa social do governo Lula atinge mais de 11 milhões de famílias, uma parcela da população brasileira que Collor sempre pensou em contemplar para ampliar sua popularidade e, inclusive, criou uma forma especial de, em seus discursos, referir-se diretamente aos brasileiros mais pobres, chamando-os de descamisados.) Ele conseguiu coisas que jamais imaginaríamos que, em algum momento, o Brasil pudesse conseguir.

Eleições 2010

Dependerá da profundidade, extensão e duração da crise econômica e da capacidade de o governo responder afirmativamente com ações rápidas e contundentes às demandas que estão sendo criadas.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

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Posse de Obama

O cenário político internacional é de muita tensão, agravada pela crise econômica. Obama inicia prometendo alterar esta situação. Se der passos efetivos nesta direção o Brasil poderá expandir sua presença política e cooperar para a paz e o desenvolvimento das nações mais pobres.

Crise econômica

Houve subestimação da profundidade e extensão da crise. Ela ainda não chegou ao piso, pois o sistema financeiro continua apresentando “buracos negros”. Os níveis de desemprego continuam subindo. Isso apesar do enorme esforço dos bancos centrais que estão injetando recursos em escala jamais vista, fazendo a maior “socialização de perdas” da história. Diante de tudo isso, o governo brasileiro, pelo menos da boca para fora, insistiu em que a crise não nos atingiria. Manteve a taxa de juros elevada quando deveria baixá-la. Não que isso leve de imediato à retomada do crescimento, mas aliviaria as dificuldades de empresas e pessoas e do próprio governo. Quanto a trocar manutenção do emprego por redução de salário, não creio que funcione: primeiro, há um impedimento constitucional, embora haja casos em que os sindicatos flexibilizam as regras. Segundo, porque a questão central não é o custo do trabalhador, mas a eventual redução da demanda. É sobre esta que se deve atuar, não esquecendo que a demanda que realmente aquece uma economia capitalista é a demanda por novas inversões, sobre a qual o governo pode pouco, salvo quando tem recursos e competência para realizar projetos de infraestrutura.

Governo Lula

Ao seguir o Plano Real, o governo Lula mostrou ser capaz de se adequar às circunstâncias. Ao expandir as políticas sociais, da mesma forma, mostrou sensibilidade e sagacidade. Disso e da capacidade de comunicação do presidente – que todo dia está na mídia – resultou sua popularidade. Quanto à gestão, não creio que seja o forte do atual governo. Para mim, o lado mais negativo da atual administração é seu caráter clientelista e o descaso com o fortalecimento institucional. Este se vê na ingerência partidária na administração pública. Sem falar em uma atitude pelo menos indulgente para com os “companheiros” ou aliados flagrados em práticas administrativas menos recomendáveis. O problema com o PAC é que ele é mais uma “aceleração da comunicação” do que investimento real.

Eleições 2010

Não havendo reeleição, a popularidade atual do presidente Lula influirá nas eleições, mas não decisivamente. É difícil a transferência de votos, e o eleitorado brasileiro escolhe pesando mais as características e a história das pessoas do que a dos partidos ou dos apoiadores.