RUBENS CHAVES/AG. ISTOÉ

AGENDA COMUM O prefeito petista quer fazer o sucessor junto com o governador Aécio

O ano era 1970, quando o Brasil vivia sob o tacão da ditadura militar e vários grupos de extrema esquerda assaltavam bancos e seqüestravam diplomatas estrangeiros para trocá-los por companheiros presos. Na noite de 4 de abril daquele ano, no centro de Porto Alegre (RS), quatro jovens guerrilheiros da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) se preparavam para seqüestrar o cônsul dos EUA, Curtis Cutter. A bordo de um fusca azul roubado, os guerrilheiros fecharam a caminhonete Plymouth azul-escura, dirigida pelo americano, e saltaram com pistolas, revólveres e metralhadoras em punho. À frente do grupo, o comandante da operação, um jovem de apenas 19 anos, anunciou o seqüestro com um 38 na mão. Enquanto isso, seus camaradas rodearam o carro e metralharam os vidros. Ferido na perna, o cônsul não se rendeu e pisou fundo no acelerador, saindo em disparada. Acabou atropelando o jovem chefe guerrilheiro, que foi preso.

Passadas quase quatro décadas, o protagonista daquela rocambolesca ação não defende mais as teses radicais dos anos de chumbo, nem se esconde mais atrás dos codinomes Jorge, Chico ou Oscar. Aos 57 anos, Fernando Damata Pimentel, prefeito de Belo Horizonte eleito e reeleito pelo PT, se tornou um político conciliador, na melhor tradição mineira. Sua principal bandeira hoje causa urticária nos petistas mais radicais: uma aliança, que ele já chamou de “revolucionária”, em nível nacional, entre o PT e o PSDB. Seria uma coalizão de centro-esquerda semelhante à Concertación no Chile, que reúne socialistas, radicais e democratas- cristãos. “Os dois partidos que têm mais capacidade de gerir um projeto nacional são o PSDB e o PT. Se pegar o ideário, origem desses partidos, eles têm tudo para estar juntos. Eles não são inimigos viscerais”, argumenta Pimentel. “O Brasil precisa de um grande acordo de centro-esquerda. Chegou a hora de o PT e o PSDB construírem uma agenda comum para o País”, diz.

A coalizão proposta por Pimentel é avalizada por seu melhor interlocutor no ninho tucano, o presidenciável e governador de Minas Gerais, Aécio Neves. “Eu e o Aécio entendemos que governo é para resolver problemas. Ninguém vota em alguém para esse alguém brigar com outro”, diz. Se o prefeito combinou a tática eleitoral com os adversários, internamente no PT as conversas ainda engatinham. Na tarde da terça-feira 22, Pimentel esteve no Palácio do Planalto para pedir o aval de Lula às negociações. O presidente não fez objeção. Mas, entre os petistas, a resistência ao “revisionismo” de Pimentel se faz sentir. “O governo Lula já fez esse sacrifício de aperto fiscal. Agora é hora de avançar e não será de braços dados com o PSDB que isso vai acontecer”, contra-ataca Wagner Xavier, dirigente da Democracia Socialista (DS), uma das tendências internas do PT.

Pimentel tem sido um interlocutor freqüente do presidente Lula, que ultimamente o tem chamado a Brasília para trocar idéias. Ele virou uma espécie de consultor econômico do presidente, Mas o prefeito nega enfaticamente que seu nome tenha sido cogitado por Lula para ocupar o lugar do ministro da Fazenda, Guido Mantega. “São rumores. Sou muito amigo do Mantega. Sempre digo que ele é a pessoa mais indicada para estar no cargo. Afinal, nunca a economia brasileira esteve tão bem”, despista.

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"Sou muito amigo do Mantega. Sempre digo que ele é a pessoa mais indicada para estar no cargo"

Filho da classe média alta de Belo Horizonte, Pimentel – tido no seu partido como o “mais tucano dos petistas” – pretende implantar em Belo Horizonte o laboratório dessa aliança com os tucanos nas eleições municipais de outubro. Parceiro do governador do PSDB em vários projetos, o prefeito compartilha com ele a convicção de que a briga figadal entre tucanos e petistas tem a cara de São Paulo e precisa ser superada. “Há uma agenda comum sendo construída. Ela envolve responsabilidade fiscal, compromisso com os contratos assumidos, metas claras do ponto de vista monetário e econômico que permitam dar segurança para o investimento externo e interno, para o investidor que busca um horizonte seguro para seu dinheiro. Isso não é coisa dos tucanos, é uma agenda do País. Tanto é assim que o governo Lula manteve em larga medida esses parâmetros”, diz.

Para viabilizar essa aliança, também chamada de “Projeto País”, Pimentel e Aécio não poupam articulações. As conversas estão adiantadas e até o momento ganha força para a sucessão municipal um nome externo aos dois partidos, provavelmente do PSB. A estratégia ganhou sinal verde da direção tucana. “Não vejo problemas, o Aécio sabe o que faz”, disse o presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra. “Para uma tese dessas vingar, nós temos que ter o desprendimento em dizer que ninguém é bom sozinho”, avalia Pimentel. O prefeito petista acredita que será possível aprovar a proposta de aliança com os tucanos no PT mineiro. Com o poder da caneta, três mil cargos de confiança nas mãos e 72,8% de aprovação popular, ele pode não estar blefando.

Pimentel está na administração pública desde 1993, quando foi secretário de Fazenda do então prefeito Patrus Ananias. Vice-prefeito de Célio de Castro, ele assumiu em 2001, quando o titular se afastou por problemas de saúde. Reeleito em 2004, Pimentel se destacou como um administrador eficiente, elevando a receita da prefeitura de R$ 800 milhões para R$ 3 bilhões em dez anos. No mesmo período, reduziu a dívida da cidade pela metade. “Não tem saída mágica para resolver os problemas das cidades. Eu desconfio de qualquer governante que diz que tem planos para resolver crises. Não existe isso. Os problemas são resolvidos por consenso”, diz o ex-guerrilheiro.


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