Mais do que apenas fazer declarações em conversas reservadas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem feito movimentações concretas para retomar por completo o programa do submarino nuclear brasileiro. O primeiro passo nessa direção foi dado no ano passado, com a liberação de R$ 1,1 bilhão para a conclusão do reator nuclear desenvolvido pela Marinha. O próximo passo será dado nos próximos dias, quando os ministros Nelson Jobim, da Defesa, e Mangabeira Unger, das Ações a Longo Prazo, embarcarem para a França e para a Rússia em busca de alianças estratégicas e cooperação tecnológica. Os dois ministros serão acompanhados pelo comandante da Marinha, almirante-de-esquadra Júlio Soares de Moura Neto.

O programa do submarino nuclear brasileiro foi iniciado em 1979, interrompido na década de 1990 – por dificuldades financeiras e pressões americanas – e parcialmente retomado meses atrás. Ele é composto de três etapas básicas: o domínio do ciclo do combustível nuclear, a fabricação do reator e a construção do casco do submarino. A primeira parte foi muito bem-sucedida: graças aos esforços do Centro de Pesquisas da Marinha, em Aramar, o Brasil hoje domina a tecnologia de enriquecimento de urânio, desenvolvido através do método das ultracentrifugadoras. A segunda fase, a da construção do reator, está bastante avançada, restando apenas recursos para sua finalização – o R$ 1,1 bilhão liberado em 2007. A última etapa, a da fabricação do casco, exige muita sofisticação tecnológica e ainda necessita ser desenvolvida. É exatamente nessa etapa que reside a importância da viagem dos ministros.

KNOW-HOW Os EUA têm a maior frota de submarinos nucleares do mundo e apenas três estaleiros para construí-los

Apesar dos avanços recentes, o caminho a percorrer ainda é longo. A fabricação de um submarino nuclear, da concepção do design básico e ao detalhamento da engenharia, é um processo que exige de 12 a 14 anos de trabalho, de acordo com estudo da Rand Corporation, centro de estudos americano. Pelas dimensões desse tipo de embarcação – comprimento de cerca de 90 metros por dez metros de diâmetro –, a fabricação demandará instalações que, no Brasil, só a Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. (Nuclep) tem atualmente. A fase mais longa desse processo, que dura de oito a dez anos, é a montagem do submarino, que exigirá um tipo específico de estaleiro, de que o Brasil ainda não dispõe. Os Estados Unidos, que têm a maior frota de submarinos nucleares do mundo, possuem apenas dois estaleiros para construí- los. A Rússia tem três estaleiros, a França dois e o Reino Unido e a China, um cada um.

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Duas conseqüências advêm dessa situação. A primeira é que a decisão de construir o submarino nuclear é estratégica, uma decisão de Estado, que não pode ficar ao sabor de contingências orçamentárias, como aconteceu até o ano passado. A maturação de um projeto dessa natureza é necessariamente de longo prazo e implica investimentos constantes para que se chegue a bom termo. A segunda é que o Brasil provavelmente deverá buscar formas de cooperação internacional para a construção e montagem do casco do submarino nuclear. Mas o desafio da missão dos ministros no Exterior é o de obter cooperação sem, contudo, trazer consigo a dependência. Veja-se o caso da Índia, que deve lançar seu submarino nuclear ao mar já em 2009. Para treinar as futuras tripulações, os indianos arrendaram da Rússia um SNA por três anos. A Rússia também prestou assistência tecnológica para que a Índia desenvolvesse seu submarino.

A retomada do programa do submarino nuclear no Brasil também não pode ser vista como uma resposta conjuntural às supostas ameaças de vizinhos instáveis. É um programa de longo prazo, que só começará a produzir resultados concretos entre 2020 e 2024. A tarefa de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva incumbiu o ministro Nelson Jobim é estabelecer os objetivos de longo prazo do Brasil e preparar uma capacitação tecnológica e industrial para tal desafio, em lugar de buscar na prateleira os equipamentos militares de que necessitamos. Daqui a uma década, os desafios serão outros. Em 2020, o petróleo estará bem mais escasso no mundo e o Brasil, com a perspectiva de desenvolver as novas jazidas na Bacia de Santos, estará entre os primeiros exportadores do mundo. Teremos também, com a descoberta de novas jazidas de urânio no Ceará, a primeira ou segunda reserva desse minério do mundo. Os interesses a proteger serão, portanto, muito mais extensos e diversificados do que os que hoje conseguimos enxergar.

“Vamos enriquecer aqui todo nosso urânio”

ALEXANDRE SANT’ANNA/AG. ISTOÉ

INICIATIVA Moura Neto levou Lula para conhecer o projeto de Aramar

Integrante de uma família tradicional de oficiais da Armada, o comandante da Marinha, almirantede- esquadra Júlio Soares de Moura Neto, é um grande defensor do projeto do submarino nuclear. Nomeado em fevereiro de 2007, ele conseguiu sensibilizar o presidente Lula sobre o tema ao levá-lo para conhecer o Centro Experimental de Aramar, em Iperó (SP), que estava em estado quase vegetativo. Depois disso, o governo liberou R$ 1,1 bilhão, em parcelas de R$ 130 milhões anuais, fora do orçamento da Marinha, para a conclusão do projeto do reator nuclear desenvolvido pela força em Aramar. Nesta entrevista a ISTOÉ, Moura Neto diz que o Brasil terá condições de enriquecer todo o urânio de que necessita para as usinas de Angra 1, 2 e 3 e futuramente para o submarino.

ISTOÉ – Por que o Brasil precisa de um submarino nuclear?
Almirante Moura Neto –
O submarino é uma arma precisa, extremamente valorosa em termos de dissuasão. É o único navio que, por andar debaixo d’água, obriga os navios de superfície um grande esforço para poder localizá-lo. Mas um submarino convencional tem muitas limitações: ele é movido por motor elétrico alimentado por grandes baterias, que precisam ser recarregadas pelo processo de snorkel. Isso o obriga a subir à superfície de tempos em tempos, tornando- o vulnerável. Já o submarino nuclear fica permanentemente debaixo d’água; só o fator humano o restringe, como cansaço da tripulação etc. Por isso, ele é importante para ajudar a patrulhar a extensa costa brasileira.

ISTOÉ – A liberação do dinheiro para a conclusão do reator significa a retomada do projeto de construção do submarino nuclear brasileiro?
Moura Neto –
O projeto de Aramar não é o projeto da construção do submarino nuclear. O programa nuclear da Marinha é o da viabilização do ciclo de enriquecimento de urânio e da construção do reator nuclear. A liberação do dinheiro permitirá a conclusão de um reator de 11 MW de potência. É um reator dual, que não apenas poderá propelir um submarino como também produzir eletricidade para uma cidade de 20 mil habitantes. A decisão de concluir o projeto do submarino nuclear é uma decisão política.

ISTOÉ – Nós já dominamos completamente o ciclo do enriquecimento de urânio?
Moura Neto –
A primeira parte, sim, em nível laboratorial, mas algumas etapas desse ciclo ainda são realizadas fora do País. A transformação do yellow cake, produto da primeira etapa de beneficiamento do urânio, em gás hexafluoreto de urânio, é feita no Canadá. Esse gás depois é transportado para a Europa, onde um consórcio que reúne Inglaterra, Alemanha e Holanda o enriquece. No momento em que a nossa fábrica estiver funcionando, em 2010, poderemos enriquecer todo o urânio aqui. Com o protótipo dessa fábrica, poderá ser construída uma unidade maior em Rezende, na Indústria Nuclear Brasileira (INB). A Marinha também fabrica e vem fornecendo ultracentrífugas à INB. Dentro de um período de tempo que eu não sei especificar, nós poderemos enriquecer todo o urânio de que necessitamos aqui no Brasil.

ISTOÉ – O Brasil sofre pressões por causa do programa do submarino nuclear?
Moura Neto –
São pressões veladas; quem domina a tecnologia nuclear não a fornece a ninguém. Mas o Brasil assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) e também assinou o Acordo Quadripartite, entre a agência, Brasil, Argentina e a ABCC (Agência Brasileira Argentina de Contabilidade Nuclear). Esse acordo garante as inspeções periódicas da Associação Internacional de Energia Atômica (Aiea), mas também garante a inviolabilidade de nossas instalações.


ISTOÉ – O reaparelhamento da Marinha pode ser feito em colaboração com a indústria nacional?
Moura Neto –
O que o ministro (da Defesa) disse é que o programa de reaparelhamento da Marinha vai privilegiar a indústria nacional. Aliás, no programa nuclear, tudo foi desenvolvido com tecnologia nossa, até porque essa é uma tecnologia muito sensível e teria sido muito difícil obtê-la de outra maneira. A idéia é buscar transferência de tecnologia para beneficiar a indústria nacional, porque isso trará a independência na área de defesa.


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