PAUL BUCK/AFPA era Bush ainda não terminou. Acabará às 12h do dia 20 de janeiro de 2009, quando George W. Bush terá limpado as gavetas, arrumado as malas e transmitido o cargo ao 44o presidente americano. A partir daí, caberá aos historiadores avaliar o legado dos seus oito anos no poder. Bush será lembrado pela desastrosa guerra do Iraque, pelas torturas da prisão de Abu Ghraib e pela façanha de ter dilapidado a imagem internacional dos Estados Unidos – hoje, uma das nações menos admiradas do mundo. Sua passagem pela Casa Branca tem sido tão ruinosa que disseminou até uma nova mania na internet: a de instalar nos sites e blogs um relógio com contagem regressiva para o seu fim – no fechamento desta edição, restavam ainda 360 dias, 9 horas e 41 minutos. Na visão da maioria dos americanos, o texano que atira bombas e mata inocentes em busca de petróleo vinha sendo o cavaleiro de uma grande tragédia moral.

Na semana passada, no entanto, ele acrescentou algo a mais ao currículo. Com o tremor dos mercados financeiros e o estouro global das Bolsas de Valores, Bush transformou- se no senhor de um apocalipse econômico, uma hecatombe financeira de dimensões ainda desconhecidas. "Até agora, US$ 9,1 trilhões já evaporaram", disse à ISTOÉ John Rutledge, fundador da Rutledge Capital, que, na quarta- feira 23, media a queda no valor das empresas negociadas nas bolsas do mundo. Desta montanha de dinheiro, cerca de US$ 197 bilhões derreteram apenas no Brasil.

Há quem diga que terremotos financeiros são inerentes ao capitalismo e ocorrem de tempos em tempos. Mas a crise atual não é obra do acaso. Ela vem sendo construída tijolo a tijolo pelo presidente americano, que conduz a gestão econômica mais temerária de todos os tempos em Washington. Eis os detalhes:

KATSUMI KASAHARA/AP

QUEDA ABRUPTA No mundo, as Bolsas de Valores perderam US$ 9,1 trilhões

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Em 2001, quando Bush chegou ao poder, a economia americana estava equilibrada, com déficit zero. Rapidamente, porém, ele construiu o maior rombo fiscal da história, cavando um buraco de US$ 379 bilhões no orçamento.

O déficit foi fruto de escolhas econômicas. Bush reduziu os impostos dos mais ricos logo em 2001 e triplicou os gastos militares. A campanha no Iraque consome US$ 320 bilhões por ano (o dobro do pacote de estímulo fiscal anunciado na sexta-feira 18 para evitar o pior). Ao longo da guerra, seu governo já produziu 935 mentiras.

No início da era Bush, um euro era trocado por 82 centavos de dólar. Hoje, a moeda européia já vale, praticamente, um dólar e meio. Com isso, a participação dos EUA no PIB global caiu de 33% para 26% na última década.

De 2001 a 2006, os Estados Unidos rodaram com taxas de juros praticamente negativas, o que inflou uma bolha artificial de crédito. Resultado: só a crise hipotecária deixará uma conta de US$ 500 bilhões. Bancos, como Citibank, Merrill Lynch e JP Morgan, amargam prejuízos históricos.

TONY DEJAK/AP/IMAGEPLUS

À VENDA Crise das hipotecas leva milhares de casas a leilão e deixa rombo bilionário

UDO WEITZ/AP

VEZ DO EURO Na era Bush, o dólar desabou e perdeu o reinado para a moeda européia

Portanto, não se está diante apenas de uma crise de apostas nas Bolsas de Valores. Cada um dos pilares da maior economia do mundo parece desmoronar numa velocidade assombrosa. "Estamos assistindo ao início do fim do império americano", avalia o insuspeito economista Paulo Guedes, que, durante anos, foi rotulado como "Chicago Boy", em razão de ter sido aluno da mais ortodoxa escola de economia do mundo. Guedes vem alertando sobre a debacle americana há mais de um ano e avalia que o quadro atual é de coma profundo. Prova disso foi o fiasco da decisão do Federal Reserve, o banco central americano, que, na manhã da terça- feira 22, fez uma reunião extraordinária e reduziu em 0,75 ponto a taxa de juros – ela passou de 4,25% para 3,5% e se tornou negativa, ficando abaixo da inflação. Apesar do movimento agressivo da autoridade monetária, as bolsas voltaram a desabar um dia depois. O ato de Ben Bernanke, chairman do Fed, foi interpretado como sinal de desespero. E mais: foi visto como algo perigoso. A decisão parece incapaz de reativar a economia e pode até alimentar a inflação. É por isso que vários analistas têm dito que os Estados Unidos viverão um quadro de estagflação – mistura de recessão com alta de preços. "Eles estão ficando muito parecidos com o Brasil dos anos 80", diz Guedes.

A comparação desonrosa também tem sido feita em território americano. "Estamos ocupando hoje um papel que antes era reservado aos países emergentes", disse Paul Krugman, um dos críticos mais ácidos do atual chefe da Casa Branca. Outro nome de peso, o Nobel Joseph Stiglitz, já compara George Bush a Herbert Hoover, o presidente americano que antecedeu a Grande Depressão de 1929 e é considerado o pior de todos os tempos. Stiglitz também tem dito que as conseqüências econômicas da sua gestão serão sentidas por várias gerações. Ele calcula em US$ 2 trilhões o impacto da invasão do Iraque, levando em conta os efeitos que a guerra produziu no preço do petróleo. Da chegada de Bush à Casa Branca aos dias atuais, o barril subiu de US$ 20 para quase US$ 100, embora tenha caído para cerca de US$ 89 nos últimos dias. E o dramático é que a economia americana foi a mais afetada. A conta da importação de petróleo aumentou US$ 500 milhões/dia nos Estados Unidos. E isso ajuda a explicar dois fenômenos: o rombo comercial de US$ 850 bilhões e o fato de vários ícones do país, como o próprio Citi, estarem sendo vendidos para fundos soberanos de países árabes.

DOUG MILLS/AP/IMAGEPLUS


GUERRA CARA Gasto militar dos Estados Unidos já supera a cifra de US$ 320 bilhões/ano

O PIOR Hoover era apontado como o pior presidente, mas Bush irá superá-lo

Naturalmente, um tremor dessa magnitude naquela que ainda é a maior potência econômica do mundo, com um PIB de US$ 12 trilhões, causa repercussões globais. O megainvestidor George Soros definiu a crise atual como a "mais grave desde a Segunda Guerra Mundial". O francês Dominique Strauss- Kahn, chefe do Fundo Monetário Internacional, limitou- se a dizer que o quadro atual é "sério, muito sério". E uma tese que vinha sendo propagada no ano passado – a de que os emergentes "descolariam" dos EUA – ainda está para ser provada. Isso significa que nenhum país está imune. Nem mesmo o Brasil, que conseguiu acumular reservas de US$ 186 bilhões nos últimos anos. O presidente Lula, que chegou a dizer que "quem não vai ao cassino não paga a conta", parece estar ciente disso. Embora o Planalto aparente tranqüilidade, uma equipe de guerra já começa a ser mobilizada para tempos de fortes emoções.

A maior fraude da história e as bolsas

Jérôme Kerviel (foto), 31 anos, entrou para a história na semana passada como o maior fraudador do sistema financeiro. Ele é responsável pelo prejuízo de US$ 7,16 bilhões no banco Société Générale, um dos três maiores da França. Corretor do próprio banco, Kerviel instituiu uma empresa e criou falsas posições acionárias no mercado de movimentações futuras. O golpe de Kerviel pode ter contribuído para abalar as bolsas em todo o mundo na segunda-feira 21. Nesse dia, o Société Générale, começou a liquidar posições do esquema fraudulento criado pelo funcionário. Estimase que ele aplicou no mercado futuro algo entre 50 bilhões e 70 bilhões de euros. O desmonte dessas posições em derivativos derrubou as bolsas européias, o que teria sido entendido pelo mercado como reflexo da recessão americana, já que ninguém sabia ainda da fraude. O único problema nessa argumentação é que os mercados da Ásia abrem antes dos da Europa e foi lá que a debacle começou. Kerviel corre assim o risco de ser duplamente um bode expiatório. Primeiro da fragilidade do sistema, o que levanta a questão de quantos Kerviel existem no mercado. E depois da negligência do próprio Société Générale. A direção do banco o demitiu, assim como a outros diretores, mas se desculpa alegando que ele usou de "conhecimento profundo" do sistema de controle para driblar a fiscalização interna e promover a fraude. Antigo aluno da Universidade de Lyon, o corretor estava desaparecido até a tarde da sexta-feira 25.


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