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Sabe aquela do português? Esqueça. O gajo em questão não usava bigodes, nem sequer sonhou em acabar os anos em uma padaria e de parvo não tinha nada. Chamava-se Artur Virgilio Alves Reis (1896-1955) e na década de 20 tornou-se mais popular em Portugal do que Vasco da Gama ou Luís de Camões.

Ele entrou para a história não como um herói nacional, mas como o maior falsário de todos os tempos, ao armar um esquema financeiro que comprometeu 2,6% do PIB português. O golpe consistiu em inundar o mercado com 200 mil notas falsas de 500 escudos (US$ 5 S milhões na época), impressas pela mesma tipografia inglesa que fazia os serviços para o governo, a insuspeita Waterlow & Sons. A burla, como dizem os portugueses, está contada em inacreditáveis detalhes no livro O homem que roubou Portugal (Zahar, 336 págs., R$ 49), do jornalista americano Murray Teigh Bloom.

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Segundo o autor, o terremoto monetário provocado por Alves Reis foi tão sério quanto aquele real, acontecido em Lisboa em 1775:"Ele deu origem à mais duradoura ditadura de nosso tempo, arruinou o prefeito de Londres, decretou a falência de uma das maiores empresas impressoras do mundo e culminou num dos processos mais longos e custosos da história judiciária da Inglaterra." Teria também afundado a política monetária portuguesa, já fora dos eixos naqueles anos pré-Salazar.

Foi justamente esse sistema financeiro cheio de brechas que permitiu ao lisboeta de 28 anos enxergar uma possibilidade de se dar bem. Ele cumpria pena por ter desviado US$ 100 mil da empresa ferroviária angolana quando decidiu usar os 54 dias de cadeia com algo útil: entender como funcionava a emissão de papelmoeda. Abastecido por 100 cigarros diários, leu tudo o que se conhecia a respeito do Banco de Portugal – seus estatutos, históricos e relatórios anuais.

Alves Reis descobriu que esse banco privado tinha licença exclusiva para emitir o dinheiro do país, mas que a quantidade de cédulas não poderia superar o dobro do seu capital. Mas, só naquele ano de 1924, a instituição já havia emitido um valor 100 vezes maior que o permitido. E mais: ninguém se dava ao trabalho de observar a existência de cédulas com numeração duplicada. "Fiz e refiz meus cálculos para obter uma estimativa da soma de dinheiro que eu mesmo poderia emitir sem que isso interferisse no funcionamento da máquina oficial do banco.

A cifra mais conveniente foi de 300 milhões de escudos (US$ 15 milhões na época)", observou Alves Reis em um dos três livros que escreveu. Foram exatamente 15 meses de um trabalho meticuloso de compra de informações privilegiadas, falsificações de documentos e muita lábia para convencer os três sócios – um português, um alemão e outro holandês – a aderirem ao projeto.

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E também a casa tipográfica inglesa a imprimir as notas achando que se tratava de uma encomenda legal. Para tanto, Alves Reis, que vinha de dois cargos importantes na colônia portuguesa de Angola, inventara que a fortuna seria destinada a esse país empobrecido como forma de investimento e que tinha autorização oficial para isso.

Todos os contratos, documentos e assinaturas foram falsificados por ele. Estudioso dos grandes golpes financeiros, Teigh Bloom afirma que Alves Reis elaborou um esquema de falsificação perfeitamente lógico.

Mas não o qualifica como gênio, atributo que o escritor Fernando Pessoa, presente ao julgamento de seu conterrâneo, não hesita em lhe atribuir (o livro traz no posfácio as anotações do poeta, que adorava heterônimos e se julgava também um fingidor). Para Teigh Bloom, Alves Reis foi bem-sucedido porque "tinha a imaginação fértil dos ignorantes, a segurança dos desinformados e a sorte absurda dos principiantes".

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De fato, é preciso ter grande criatividade para se imaginar diplomado em engenharia pela "Escola Politécnica" da Universidade de Oxford (curso inexistente), onde havia estudado "geologia, metalurgia, ciência da engenharia, engenharia elétrica, mecânica, civil, etc." – ou seja, todas as modalidades de ciências exatas. Esse diploma falso permitiu que ele acumulasse uma boa soma com cargos públicos em Angola e partisse para golpes mais ambiciosos. A segurança foi útil para vencer resistências. E a sorte – bem, essa foi imensa, a ponto de uma carta que colocaria tudo a perder, endereçada ao Banco de Portugal e assinada pelo dono da Waterlow & Sons, ter se extraviado inexplicavelmente.

Alves Reis só não contou com a obsessão provinciana do operador de câmbio Manoel Lutero de Sousa, da cidade do Porto. Sua inveja do sucesso galopante do Banco de Angola e Metrópole, criado por Alves Reis para desovar suas notas de 500 escudos, acabou levando a polícia a perceber que elas eram não falsas, mas duplicadas.

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               FINGIDOR Alves Reis (de terno preto)
               no seu julgamento, que teve a presença
               de Fernando Pessoa.
               Acima, uma nota falsificada