No dia 10 de fevereiro de 2007, na pacata cidade de Springfield, em Illinois, o então senador Barack Obama lançou sua campanha presidencial. O lugar foi escolhido a dedo para que se fizesse o resgate de um mito: o do maior presidente americano de todos os tempos. Em Springfield, viveu Abraham Lincoln, o homem que aboliu a escravidão e soube preservar a unidade política dos Estados Unidos, durante a Guerra da Secessão. Foi também lá que ele escreveu seu mais célebre discurso. Aquele em que, parafraseando Jesus Cristo, disse que “uma casa dividida contra si mesma não pode ficar de pé”. Portanto, o local era ideal para que um político negro se lançasse à Casa Branca – e, melhor ainda, às vésperas do bicentenário de nascimento de Lincoln.

No Brasil, a efeméride é outra, mas não menos importante. Na próxima quinta-feira, 4 de março, Tancredo Neves completaria 100 anos de vida. No dia, seu neto, Aécio Neves, irá inaugurar o novo centro administrativo do governo de Minas Gerais, uma obra de vanguarda, projetada por Oscar Niemeyer. E receberá, entre seus convidados, o governador de São Paulo, José Serra. À tarde, haverá outra cerimônia. Em São João del Rey, no memorial de Tancredo, serão prestadas homenagens ao maior presidente que o Brasil nunca teve. Aquele que não chegou a tomar posse, mas cujos valores de equilíbrio, tolerância e conciliação permearam os 25 anos da Nova República.

Nos dias de hoje, Tancredo Neves não é apenas atual. É também necessário. Afinal, o desejo declarado do presidente Lula é fazer com que o Brasil, que hoje flerta com ditaduras, mergulhe numa eleição polarizada: “nós” contra “eles”, “pão, pão, queijo, queijo”. Apesar desse tipo de discurso, Lula não é um político intolerante. É aquele que, em sete anos de governo, soube conter os radicais de sua base. No entanto, o PT que ungiu a ministra Dilma Rousseff como candidata oficial no último fim de semana não é exatamente um exemplo de moderação. E, de todos os três grandes erros históricos do partido – o ataque ao Plano Real, a negação da Constituição de 1988 e a expulsão dos deputados que votaram por Tancredo no Colégio Eleitoral de 1984 –, apenas o último ainda não foi admitido por Lula. Sinal de que, no PT, ainda há, adormecida, uma semente autoritária.

O PSDB, por sua vez, é hoje uma casa dividida. Mas se as duas principais lideranças do partido, Aécio Neves e José Serra, tiverem algum juízo, o 4 de março poderá ser um dia histórico para o País. Um dia que sinalize o desejo de consolidação definitiva da democracia, fazendo com que o mito regente de 2010 – ano tão crucial – não seja o do lulismo, mas sim o de Tancredo.


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