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ALIADOS
A presidente pediu e Lula apoiou Argentina no pleito à ONU

Há quase três décadas, a história se repete. Na Argentina, o desembarque das tropas que ocuparam as Ilhas Malvinas em 2 de abril de 1982 é lembrado com honras militares. Já na Inglaterra, o 14 de junho marca a vitória na guerra contra a invasão das Ilhas Falklands. É comum, perto dessas datas, os governos dos dois países reafirmarem suas posições sobre a soberania do arquipélago no Atlântico Sul, sem que isso interfira na relação bilateral. Mas o início de operações de prospecção de petróleo sob o comando dos britânicos na região está dando novo combustível à disputa pelo pequeno território. Na semana passada, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, foi além da retórica e baixou decreto proibindo o trânsito de embarcações que se dirijam às Malvinas sem prévia autorização. “A luta pela soberania é irrenunciável”, disse Cristina. Em telefonema ao presidente Lula, no início da semana passada, La Kirchner pediu que o tema fosse levado à II Cúpula da América Latina e Caribe para Integração e Desenvolvimento, que aconteceu no México na terça-feira 23. Ela defendeu a tese de que a soberania das Malvinas é um problema regional, pois se insere na lógica das guerras por recursos energéticos, como no Oriente Médio, e pode afetar a todos.

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DIPLOMACIA
Nova guerra na região é improvável

Lula concordou com a inclusão de um parágrafo em apoio à causa argentina no documento final do encontro e ainda criticou a ONU por inação. “Qual é a explicação geográfica, política e econômica de a Inglaterra estar nas Malvinas? Qual é a explicação política de as Nações Unidas já não terem tomado uma decisão dizendo: não é possível que a Argentina não seja dona das Malvinas e seja um país a 14 mil quilômetros de distância?”, questionou o presidente na conferência. Informalmente, Lula pediu a Cristina que não extrapole os limites diplomáticos. Sua mensagem foi reiterada pelo assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia. “A ocupação militar há 28 anos foi uma tentativa desastrada que só agravou a situação”, ressaltou. Embora um novo choque militar pareça improvável, o alerta soou no Ministério da Defesa. “Estamos em alerta quanto à possibilidade de que o governo britânico envie uma frota para a região”, disse à ISTOÉ uma autoridade ligada ao Departamento de Inteligência Estratégica. O governo britânico não parece disposto a recuar na busca por novas fontes de energia. O premiê Gordon Brown tem reiterado a soberania sobre as Falklands. Além disso, como explicou o secretário para a América Latina e Europa da Chancelaria britânica, Chrys Bryant, a aplicação das leis na ilha e em seus arredores é um problema dos próprios cidadãos. “Nós acreditamos na autodeterminação dos moradores da ilha para decidir seu futuro”. Os “kelpers”, a maioria descendentes de ingleses, escoceses e galeses, defendem o direito de explorar os recursos do arquipélago. E o governo local afirma que as pressões argentinas “não afetarão as perfurações”.

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Essa convicção tem um bom motivo. Segundo as estimativas bastante otimistas, as reservas de petróleo da região podem bater os 80 bilhões de barris. O que representaria uma segunda derrota para a Argentina em relação às Malvinas, especialmente num momento em que a economia do país, sob a tutela autoritária dos Kirchner, desce a ladeira. Muitos analistas veem nas queixas de Cristina uma cortina de fumaça para os problemas internos. “Ao explorar o nacionalismo imanente na questão das Malvinas, Cristina de alguma forma repete o ditador Galtieri, que ocupou militarmente a ilha numa tentativa derradeira de salvar o regime militar”, lembra o historiador José Flávio Sombra Saraiva, da UnB. Além da crise econômica, o governo Kirchner sofre com a perda da maioria no Congresso e ainda é alvo de dezenas de denúncias de corrupção. “Cristina espera unir as forças políticas em torno de um objetivo comum para poder governar, de olho na eleição presidencial de 2011”, observa o cientista político argentino Rosendo Fraga. Manobra de Kirchner ou não, o certo é que a temperatura diplomática no Atlântico Sul não para de subir.